terça-feira, 26 de setembro de 2017

ADIAMENTO PERIGOSO

Péricles Capanema
Neville Chamberlain, em sua chegada ao aeroporto de Heston (Londres), em 30 de Setembro de 1938, após seu encontro com Hitler em Munique. Em sua mão ele tem o acordo de paz feito entre Reino Unido e Alemanha.
Neville Chamberlain, em sua chegada ao aeroporto de Heston (Londres), em 30 de Setembro de 1938, após seu encontro com Hitler em Munique. Em sua mão ele tem o acordo de paz feito entre Reino Unido e Alemanha [detalhe abaixo]
Não vou tratar hoje de assunto agradável. Momentoso, sim, necessário; para muitos, distante. Em 30 de setembro de 1938, Neville Chamberlain, primeiro-ministro inglês, voltando de Munique, após encontro com líderes da Alemanha, Itália e França, pronunciou célebre discurso prometendo “paz para o nosso tempo”.As tratativas do premier inglês, levadas a cabo no quadro da política de appeasement, pareciam ter varrido do horizonte o monstro da guerra na Europa. Um ano depois, na madrugada de 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia. Em resposta, a França, o Reino Unido e a Commonwealth declaravam em 3 de setembro guerra à Alemanha. Começava a 2ª Guerra Mundial.
reino-unido-neville-chamberlain
Isolado e incompreendido, um velho político inglês trovejou na ocasião contra os chamados acordos de Munique: Winston Churchill. A ele foi atribuída esta frase, que retrata com fidelidade sua posição no Parlamento ninado pelo fascínio da paz endereçada a Chamberlain: “Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra. Escolhestes a vergonha, tereis a guerra”. De fato, afirmam estudiosos da obra do antigo primeiro-ministro que tal frase nunca foi dita; a legenda terá origem em carta de 13 de agosto de 1938, endereçada a Lloyd George: “Penso que nas próximas semanas teremos de escolher entre a guerra e a vergonha e tenho poucas dúvidas sobre qual decisão tomaremos”. A legenda tem direitos, simpáticos, aliás; tantas vezes põe cor, relevo e nitidez na realidade.

Winston Churchill
Desde a ascensão do nazismo ao poder, Churchill lutara pelo rearmamento inglês e recusava contemporizações, que tornaria mais devastador, sofrido e problemático o confronto que ele via como inevitável. Na prática, a Alemanha nazista utilizou-se do tempo ganho nas tratativas para se armar ainda mais e preparar melhor as agressões.

Como pesadelo, tudo isso me veio à cabeça ao ler as sanções impostas de forma unânime pelos 15 membros Conselho de Segurança da ONU à Coreia do Norte, em resposta à explosão da bomba nuclear em 3 de setembro último. É a sexta bomba coreana e a nona sanção da ONU, a primeira de 2006. Em cada vez, a situação se apresenta mais grave.
Para obter a unanimidade no Conselho de Segurança, os Estados Unidos aceitaram aguar a proposta inicial. E por causa da oposição da Rússia e da China, desistiram da suspensão total das exportações de petróleo para a Coreia do Norte e o congelamento dos bens do ditador Kim Jong-Un. Liu Jieyi, embaixador da China, reiterou que a solução da crise deve ser por meios “pacíficos, diplomáticos e políticos”. Enfatizou ainda que outros países não devem buscar o fim ou o colapso do regime de Pyongyang, nem defender a reunificação apressada da península. Em resumo, duas condições inegociáveis impostas pela China: fica o regime, fica Kim Jong-Un. Terceira: a reunificação por enquanto não está na pauta.
Quanto às sanções, elas proíbem importações de produtos têxteis da Coreia e suspendem novas contratações de trabalhadores norte-coreanos no Exterior. Ninguém garante que a China, nem países da região as respeitarão. Como Cuba com seus médicos, para funcionar no mínimo, a Coreia do Norte precisa mandar trabalhadores para o Exterior, retendo (expropriando) o grosso do salário. 95 mil coreanos trabalham fora, a maior parte na Rússia e na China. A resolução limita ainda a venda de petróleo à Coreia do Norte, com o teto de 2 milhões de barris por dia para produtos refinados. Também não há certeza de que a China, a maior fornecedora, obedecerá ao limite.
Nem vou continuar. Em artigo para o “Washington Post” intitulado “Por que as sanções não funcionam?”, reproduzido em “O Estado de S. Paulo” no dia 15 de setembro, Adam Taylor constata: “A Coreia do Norte está sob sanções da ONU desde 2006. Com o tempo elas se tornaram mais fortes e outros países e entidades, incluindo Estados Unidos e União Europeia também impuseram medidas unilaterais.” O articulista põe o dedo na ferida: “China e Rússia, dois dos mais importantes parceiros comerciais da Creia do Norte, hesitam em aplicá-las”. Em parte, sanções “para inglês ver”.
Winston Churchill
A reação da Coreia do Norte foi violenta e compõe bem o cenário. Prometeu acelerar o programa nuclear, “redobrar esforços para incrementar seu poderio”. Nada de inesperado.

Os Estados Unidos, a Coreia do Sul e o Japão afirmaram estar preparados para fazer mais pressão, caso Pyongyang se recuse a cessar o desenvolvimento de seu arsenal nuclear. Daqui a um ano, dois, quando se constatar que a Coreia não mudou o rumo, a situação estará pior do que hoje. Virão novas sanções? E assim, até quando?
Claro como água do pote, a Coreia do Norte está caminhando para ser potência nuclear com capacidade de transportar bombas em foguetes transcontinentais. E, como reação lógica, está crescendo no mundo político e na opinião pública em geral do Japão e da Coreia do Sul a exigência de que esses dois países se armem nuclearmente. No futuro — ruminam —, do que poderá valer o guarda-chuva norte-americano, segurado por líderes que bradam o “America first”?
Parece-me óbvio que os Estados Unidos têm os meios para resolver a contento a questão. No entanto, preocupa, pois cada adiamento aumenta em muito os custos da solução. Lembro outra frase de Winston Churchill: “Você pode sempre confiar em que os norte-americanos farão a coisa certa — depois de tentarem todo o resto”.
Fonte: ABIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário