Ontem, no debate instrutório, o procurador João Melo falou de um homem sedutor e que criou embustes. Já a defesa pediu nulidade da acusação. Juiz Ivo Rosa decide sexta-feira
À porta da sala do Tribunal Central de Instrução Criminal, que funciona no antigo edifício da Polícia Judiciária, em Lisboa, o aparato policial não escondia que lá dentro estava o marroquino Abdessalam Tazi, acusado de crimes de terrorismo. No debate instrutório de ontem – a fase de instrução, facultativa, foi aberta pela defesa para evitar julgamento por tais crimes –, o Ministério Público reiterou tudo o que consta da acusação, referindo que as diligências desta nova fase em nada abalaram os indícios que existem. E pediu que o juiz Ivo Rosa não se deixasse levar pelas mentiras do arguido. A defesa, por outro lado, invocou o vício de nulidade da acusação, considerando que os únicos ilícitos que deveriam chegar a julgamento são os de falsificação e uso de documentos falsos.
Tazi, que está preso desde o início do ano passado na prisão do Monsanto, foi acusado dos crimes de adesão a organização terrorista internacional, falsificação com vista ao terrorismo, uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo, recrutamento para terrorismo e financiamento para terrorismo. E, para o procurador João Melo, existem indícios mais do que suficientes para que seja julgado, lembrando que muita informação foi conseguida pelas autoridades nacionais, mas que também houve colaboração das autoridades alemãs e francesas: “Elementos probatórios que foram sendo recolhidos desde o início da investigação, por forças de segurança e congéneres estrangeiras.”
Dirigindo-se por diversas vezes a Abdessalam Tazi, que estava sentado junto a uma janela da sala com o intérprete, o magistrado do MP rejeitou qualquer nulidade da acusação e traçou mesmo a personalidade do arguido para reforçar a tese defendida pela acusação.
Um sedutor que jogava ao pião e criou vários embustes Para o Ministério Público, Tazi foi o responsável pela radicalização de Hicham El Hanafi, detido em França por suspeitas de estar a planear um atentado terrorista e que também é arguido neste processo que corre em Portugal. Ambos viviam num quarto alugado por uma senhora, em Aveiro, e eram tratados por outros nomes (Salim e Xan). A proprietária descreveu-os como pessoas que falavam muito em Alá, que gostavam de Portugal e de jogar à bola e ao pião – cada um tinha o seu.
“Toda a gente diz que o comportamento do Hicham mudou com a convivência com Tazi, homem mais experiente, mais velho e com capacidade de sedução”, frisou o procurador João Melo, afirmando que o arguido, presente na sala, “estuda os personagens e os momentos próprios e sabe construir o seu discurso de forma a seduzir.”
Além disso, o magistrado elencou várias mentiras de Tazi e o facto de ter falsificado os seus documentos: “Não fez outra coisa desde que chegou à Europa senão mentir.”
Para o MP, Tazi – que foi preso na Alemanha em 2016 e cumpriu pena por fraude informática com o uso de cartões de crédito – não radicalizou apenas Hicham. Ou seja, funcionando como uma espécie de líder da célula que atuava em Portugal, centrada em Lisboa e Aveiro e com ligações a vários países europeus e ao Daesh, o marroquino de 64 anos, ex-polícia e que chegou a Portugal pela primeira vez em 2013, recrutaria também no Centro de Acolhimento de Refugiados.
O procurador João Melo defendeu ainda que não se pode acreditar que o arguido não saiba, como este disse, se uma mala azul onde foram recolhidos documentos e moedas da Guatemala (país para onde Tazi admitiu ter viajado sozinho) era ou não sua. “Não é crível que uma pessoa não se lembre da cor da sua mala, da mala com que viajou pela Europa. Até porque teve de a identificar nos aeroportos”, salientou. “Qualquer pessoa vê que a versão apresentada pelo arguido não tem correspondência com a verdade.”
O MP manteve ainda que terá sido Tazi a convencer a família de Hicham a ir para a Síria: “Foi o arguido que deu as instruções à família para que, quando chegassem a Portugal, dissessem que eram perseguidos pelo regime marroquino e ficassem no centro de asilo onde ia todas as semanas oferecer coisas e falar com as pessoas, seduzi-las com a conversa da doutrinação jihadista.” Aos jovens do centro, o MP acredita que o suspeito dizia que tinham de abandonar Portugal, convencendo-os de que conseguiriam uma vida melhor e uma remuneração de 1800 dólares. Tazi começou a ser investigado no âmbito de uma denúncia de três cidadãos marroquinos, um deles irmão de Hicham. O arguido defende que tudo se tratou de uma cilada, mas o MP diz haver fortes indícios.
Defesa diz que não há indícios O advogado Lopes Guerreiro, que defende o arguido, disse no debate instrutório de ontem que nem se trata de um caso de indícios insuficientes, alegando que estes nem sequer existem: “Onde está a prova do recrutamento para o terrorismo, onde está a prova para o financiamento ao terrorismo? O que há é suspeições, inferências.” E foi com base nisso que pediu a nulidade da acusação.
Quanto ao crime de falsificação de documentos, a defesa considerou que este é manifesto: “O próprio arguido assumiu isso, disse que falsificou documentos para fazer cartões de crédito novos. Deve ser pronunciado para julgamento por isso; por terrorismo, jamais.”
Dada a complexidade do caso, o juiz de instrução Ivo Rosa só vai proferir a decisão sobre se o arguido vai ou não a julgamento e por que crimes na sexta-feira, às 14h.
Fonte:ionline
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