Ainda mal se tinham apagado as luzes no pavilhão de Espinho onde decorrera o Congresso do PSD, e já todas as atenções estavam focadas em mais um escândalo internacional: o dosPanama Pappers, de que o Observador tem vindo a darinformação detalhada, sem esquecer o devido enquadramento e o importante Explicador preparado pelo Nuno Martins e pela Ana Pimentel. O Macroscópio tem contudo a obrigação de pontuar este desfilar por vezes incontrolável das notícias com pontos de reflexão que exigem mais distância. Por isso nos ficaremos por Espinho, mesmo quando a reunião máxima dos sociais-democratas já parece pertencer a um passado distante.
Antes porém de fazermos um rápido e muito plural apanhado do que se escreveu, em forma de balanço, sobre aquele congresso, não resisto a chamar atenção para uma crónica que, no mesmo dia em que os holofotes se dirigiam para Espinho, tentava chamar a atenção para algumas notícias capazes de suscitarem inquietação. Trata-se de Péssimas notícias, um texto de Graça Franco na Renascença, que se refere às novas previsões económicas do Banco de Portugal (BP) e do FMI, conhecidos no final da semana passada, e ainda aos últimos indicadores divulgados pelo INE. Previsões que apontam para menos crescimento, menos investimento e números que indicam uma subida do desemprego. Eis uma passagem da sua análise:
Com a economia a crescer abaixo dos 2%, a criação de emprego arrisca-se a ser residual. Um crescimento de 1,5% (ou próximo, como concordam BP e FMI e a própria CE) significa que não há nenhuma aceleração da economia face ao ano passado. Não chega para alimentar a expectativa de um reforço das receitas fiscais, nem pela via dos impostos directos nem indirectos. Faz temer pelo défice, mas muito pior é não permitir virar a página da austeridade. Frustradas as expectativas não haverá segunda hipótese de retoma da confiança.
Estas “péssimas notícias” poderiam ter animado o Congresso do PSD se fosse verdade que o partido aposta mesmo no “quanto pior melhor”, como muitos dizem. Mas isso não aconteceu. O Congresso foi bastante morno e previsível, sem grandes surpresas ou muitos discursos de levantar a sala. O que não significa que tenham faltado leituras políticas sobre o que lá se passou. Vou procurar fazer um apanhado de algumas das mais significativas.
O Observador pediu seis análises em cima da hora a vários colaboradores – Miguel Pinheiro, Vitor Matos, Paulo Ferreira,André Azevedo Alves, Alexandre Homem Cristo e eu próprio – mas, como elaborei o último Macroscópio da semana passada integralmente com base em textos cá da casa, vou “arrumar” essas análises intercalando-as com as editadas por outros órgãos de informação.
É quase impossível deixar de começar pelo que escreveu Rui Rio, que faltou ao Congresso, no Jornal de Notícias: Assim, não é um texto em que revela toda a sua amargura por ter sido alvo da crítica de vários congressistas (como Santana Lopes): “Foi feio, muito feio, ver congressistas com efetivas responsabilidades políticas inventarem o que não existiu para, assim, me procurarem denegrir ou, dito de outra forma, procurarem exorcizar um fantasma que criaram no seu imaginário e os aterroriza; e do qual, pelos vistos, não se conseguem libertar. Não foi politicamente sério e, muito menos, sintoma de vitalidade partidária, ouvir algumas mentiras que, misturadas com pequenos fragmentos de verdade, tiveram como único objetivo entrar por um caminho politicamente muito pouco nobre e, até, de alguma cobardia.”
Já José Eduardo Martins, que nos últimos anos foi muito mais crítico do rumo do PSD do que Rio, não só compareceu em Espinho, como aí fez uma intervenção, como hoje escreve no Diário de Notícias um texto intitulado O PSD e o futuro. Nele defende, por exemplo, “No passado recente é certo que foram cometidos erros, escasseou a sensibilidade social, foram muitos os momentos de deriva ideológica em que a matriz social-democrata foi esquecida. Mas o balanço global é positivo e o PSD tem orgulho no esforço levado a cabo pelos portugueses para deixar para trás a bancarrota. Hoje devíamos estar a governar. (…) Agora já não vale a pena imaginar diferente. É preciso ser a melhor oposição porque os desafios só se agravam com a governação de esquerda.”
Mas deixemos estes textos necessariamente marcados pelas ambições políticas dos seus autores, para nos centrarmos nas análises mais jornalísticas. Começando pelo que se escreveu sobre Passos Coelho e o seu estilo de liderança do partido. Destaco quatro textos:
- Passos não se reinventou. Ainda bem, que eu próprio escrevi no Observador: “Passos Coelho faz parte daquele grupo de políticos que é o que é. No caso dele, é o ex-primeiro-ministro que morava em Massamá. Atenção, que isto é um elogio, não é uma crítica snob ou elitista. Se fosse verdade o que os analistas e comentadores dizem sobre Passos Coelho, o PSD estaria nas ruas da amargura nas sondagens. Não está. Talvez valha a pena interrogarmo-nos porquê. (…)Dá que pensar sobretudo porque Passos Coelho já fez com que demasiada gente engolisse os seus prognósticos.”
- O trunfo de Passos, de Francisco Sarsfield Cabral na Renascença: “Haverá políticos mais hábeis do que Passos Coelho, mas nenhum com a mesma força de carácter. Mas se o seu partido quiser ser sobretudo uma mera agência de empregos, poderá substituí-lo para, por exemplo, ganhar as autárquicas. Assim desaproveitaria o grande trunfo do presente líder.”
- O caso Passos Coelho, de Henrique Monteiro no Expresso (paywall): “Há quem diga que uma oposição feroz e assertiva convém ao PSD. É um erro puro, do meu ponto de vista. A esmagadora maioria dos portugueses não são membros de estruturas partidárias, não esperam tachos do Governo e não gostam de ver os partidos a não se entenderem sobre assuntos cruciais. Isso foi o que levou Costa a perder umas eleições contra um Governo PSD/CDS que tinha, literalmente, maltratado os eleitores a doses de austeridade. O país prefere a distensão à berraria. (…) Este é o espaço ideal para Passos, para a sua proverbial frieza. Não vejo melhor solução para o PSD, neste momento.”
- Nas tempestades, só se salva quem mantém o rumo, de Alexandre Homem Cristo no Observador: “Passos Coelho ainda não se tinha assumido, até hoje, como líder da oposição. Faltava- lhe disponibilidade para impor serenamente as suas ideias, resgatar as reformas que constam do manifesto eleitoral, reflectir sobre outras, trabalhar nelas, melhorá-las, impingi-las na agenda mediática e no parlamento. No fundo, saber esperar e querer preparar a governação, negando facilitismos, arrumando a ideologia na gaveta e introduzindo no debate público medidas diferenciadoras para problemas reais. Nesse sentido, hoje, no seu discurso de encerramento, Passos Coelho assumiu-se por inteiro como líder da oposição, voltou aos bons discursos (…) e soube apontar ao futuro “sem pressa”.”
Relativamente ao que se passou no Congresso, aqui ficam outros destaques:
- O isolamento da oposição a Passos, de André Azevedo Alves no Observador (o autor antes tinha lamentado o aparente desejo de unanimidade ideológica, em Sociais-democratas, todos!). Mesmo notando que as figuras da chamada oposição interna tiveram uma prestação muito apagada, considerou que “Em caso de mau resultado nas autárquicas – e se a “geringonça” se aguentar até lá (o que está longe de ser uma certeza) – o ciclo do actual líder do PSD poderá rapidamente chegar ao fim.”
- Até ao próximo congresso, de São José Almeida no Público, onde a autora também considera que “se a contestação interna que se faz ouvir está num patamar secundário”, antes de acrescentar que “não deve ser tomada a nuvem por Juno. Ou seja, uma coisa é Passos não ter sido contestado durante os trabalhos congressuais (…) Outra coisa muito diferente é poder pensar-se que Passos é, neste momento, um líder incontestado e amado pelo partido. Foram claros os sinais do contrário, de que o PSD se resguarda na determinação política do seu presidente reeleito”.
- “Keep cool”, um congresso anestésico, de Vítor Matos, de novo no Observador, uma visão mais sombria: “Nem Passos Coelho se reinventou, nem a equipa se refrescou, nem os maiores críticos apareceram no congresso, nem os que geraram expectativas as cumpriram ou ultrapassaram. Foi uma missa laranja, numa celebração cabisbaixa. Quem andou a falar com congressistas percebeu que muita gente já não espera grandes novidades de Pedro Passos Coelho. Acham que é fim de ciclo, mas pelo sim pelo não esperam para ver.”
- Passos, o apátrida no “país de Marcelo”, de Ana Sá Lopes no jornal i, onde critica o facto de o líder do PSD ter adoptado a formulação “Rebelo de Sousa” para se referir ao Presidente da República: “Marcelo tornou-se Presidente da República “malgré” Passos Coelho, que percebeu que não poderia nunca travar a onda do candidato natural da direita e fundador do seu partido. A zanga de décadas, que dá mais liberdade a Marcelo Presidente, transforma Passos numa espécie de apátrida “no país do Marcelo”. “
- Carlos Moedas: talvez o país um dia o mereça ter como primeiro-ministro, de Carlos Guimarães Pinto, de O Insurgente, que assistiu ao Congresso como blogger: “Sem um discurso que fizesse os congressistas levantarem-se da cadeira, evidenciou-se mais uma vez como a voz mais capaz, inteligente e ponderada do partido. É muito raro pessoas com a capacidade de Carlos Moedas terem vontade para se sujeitarem às exigências da carreira partidária. (…) Também não é certo que o eleitorado e as elites estejam prontos para receber alguém com o perfil de Moedas.”
- A direita que não aprende, de Miguel Pinheiro no Observador: “O PSD não gosta do CDS, o CDS não gosta do PSD - e o PS gosta de todos. Os congressos à direita mostraram que não vai existir uma oposição unida. António Costa tinha razão: afinal, era fácil.”
E por aqui fica o apanhado de hoje. Amanhã há mais. Tenham bom descanso.
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