Adelino Cardoso Cassandra – Téla Nón, opinião
Por falta de imaginação, neste momento, estando eu de férias no meu Príncipe, pedi emprestado ao senhor primeiro-ministro, Patrice Trovoada, a frase que utilizei como título para este artigo de opinião.
Tudo o que tem acontecido, cá em S.Tomé e Príncipe, que culminou com a recente trapalhada, na primeira volta das eleições presidenciais, e, posteriormente, com a eleição do novo presidente da república, é algo que qualquer observador, minimamente atento, da nossa realidade, poderia antecipar sem qualquer esforço analítico extraordinário. Fui alertando que o orçamento do cidadão, (alguém ainda se lembra dele?) não era nem mais nem menos do que o início da campanha para as recentes eleições presidenciais que, transformou o país numa autêntica festa contínua, desbaratando fundos e recursos públicos, num país pobre como o nosso que passa a vida a pedir dinheiro ao exterior.
A festa continuou com a construção de “campos de futebol” em todos os distritos, de qualidade duvidosa, alguns dos quais já se encontram em estado de total abandono, sem qualquer projeto, a montante, para o desenvolvimento do desporto, federado ou escolar, que alimentasse este propósito.
Pelo meio, a correr, levou-se água e eletricidade para algumas comunidades, sem qualquer projeto organizado e transversal que garantisse tais ambições, tendo como resultado a penúria destes bens noutras localidades que já usufruíam deste autêntico privilégio.
Mais tarde, comprou-se, sabe-se lá com que meios financeiros, uma quantidade de barcos cujo destino ou objetivo ninguém descortina até hoje.
Para dar a “coisa” um ar de internacionalização e responsabilidade inventaram “STP IN – London” cujo conteúdo se assemelha a uma história de Carochinha para entreter crianças com necessidades educativas especiais. Vociferaram, com energia e empenho militante, que tal “coisa” iria contribuir para a construção de um novo país e, como tal, embrulharam-na com um nome pomposo “Agenda de Transformação de S.Tomé e Príncipe 2030” e garantiram-nos que já existia investimento garantido para quase tudo. Com papas e bolos, num corrupio invulgar pelo país, foram convencendo a plebe da veracidade dos propósitos relacionados com a implementação da referida agenda, prometendo tudo a todos, e transformando a administração e empresas públicas num autêntico centro de reabilitação da ignorância e mediocridade, salvo raras exceções.
Quem passou dois anos fazendo este caminho delapidando, de forma imperdoável, nalguns casos, os bens públicos, sem garantia de sustentabilidade do país no futuro, num contexto que não se produz nada, não coibindo de afirmar, publicamente, que a intenção subjacente era “acabar com o PCD e o MLSTP, como fizeram com o MDFM”, nunca iria “entregar o ouro ao bandido” num processo eleitoral como este em que o primeiro-ministro foi a figura central substituindo-se ao próprio candidato.
Eu nunca tive dúvidas sobre isto! Todos os passos do Patrice Trovoada e da sua entourage, desde o princípio, denunciavam este propósito e até os nossos magistrados superiores, entraram na referida festa, vestidos a rigor, como, oportunamente, a ordem dos advogados, nos alertara em comunicado.
Inicialmente, pensei, que se tratava de pura ignorância, a verbalização, por parte de algumas pessoas afetas ao ADI, da intenção de acabar com os partidos políticos da oposição. Mais tarde, quando comecei a ouvir e ler o mesmo, vindo de pessoas, aparentemente instruídas e com responsabilidades, como assessores, conselheiros e alguns deputados do ADI, as coisas começaram a se compor, pelo menos para mim, como um objetivo politico a cumprir, compaginável, aliás, com a praxis política evidenciada.
Acabei de chegar ao país, de férias, e ao quinto dia deixei de ver e ouvir a televisão e rádio públicas que mais se assemelham aos da Correia do Norte. Nunca tinha visto, desde a instauração da democracia no país, a nossa televisão e rádio públicas com uma intervenção tão desprezável e rasca, ao nível de: conteúdos; diversidade em termos de representatividade opinativa e reflexiva; competência e imparcialidade comunicativa, etc. Tudo isto é feito em nome do projeto de “acabar com o PCD e o MLSTP como acabaram com o MDFM”.
Ninguém consegue explicar a estas pessoas que, vivendo-se num Estado de Direito Democrático, supostamente, a ideia de acabar com os partidos políticos da oposição é um autêntico contrassenso.
Como diria Karl Popper, “a essência da democracia não é o governo da maioria mas o controlo sobre os governos. O governo da maioria é apenas um meio – o melhor que conhecemos – de preservar a liberdade. Mas não é a essência da democracia. A oposição deve ter acesso a tudo o que o governo faz para poder detetar os seus erros”.
Todos os tiques do governo do ADI denunciam que a oposição bem como a presidência da república são figuras decorativas dispensáveis no processo de consolidação da nossa democracia. É por isso, aliás, que o governo entende que pode e deve fazer um empréstimo tão avultado, em termos relativos, de trinta milhões de dólares, que nos compromete a todos, no futuro, sem informar nenhum outro órgão de soberania, comportando-se como coisa que o país é uma propriedade privada das pessoas que tomaram esta decisão. Não conheço nenhum outro país democrático do mundo em que isto tenha acontecido e que a justificação para este ato, típico de cleptocracias, é fundamentada com a ausência de uma lei nacional de transparência ou de acesso à informação pública. É por isso, também, que o ADI precisava, como de pão para a boca, de um presidente como Evaristo de Carvalho, que fazem questão de reiterar e nos lembrar que se trata de um presidente do ADI para contribuir para acabar com os partidos da oposição.
E o mais caricato desta e outras situações é que o breviário utilizado pelo senhor primeiro-ministro, seus ministros e assessores, em defesa de todas estas patifarias tem como referência o passado. O mesmo passado que condenaram e recusaram seguir.
Por isso, achei patético, infeliz, e mesmo incompreensível a resposta do senhor primeiro-ministro aos jornalistas quando o confrontaram com o facto de ter participado, como protagonista, num ato inaugural no país, na primeira volta das recentes eleições presidenciais, em pleno dia de reflexão, anterior ao referido ato e este respondeu, com a mesma soberba de sempre, que isto é uma prática que já vem do passado, e que o anterior primeiro-ministro fez o mesmo.
O senhor ministro dos negócios estrangeiros, por outro lado, quando confrontado, por um diplomata brasileiro, se não configuraria um autêntico plebiscito, o facto do senhor presidente da república, Pinto da Costa, ter garantido que não participaria, eventualmente, na segunda volta das eleições presidenciais, tendo em conta a fraude eleitoral verificada na primeira volta e ausência de garantias para a sua minimização ou correção, respondeu, candidamente, que isto era irrelevante porque no passado já acontecera o mesmo.
Nunca pensei que chegaríamos a um ponto tão baixo e desprezível em termos democráticos. Como é que pessoas que julgávamos e acreditávamos ter algum crédito e alguma formação política e democrática podem ter saudades de um passado que, no fundo, acreditam não ser benéfico para o país, mas repetem-no por circunstancialismos relacionados com um projeto ou agenda para “acabar com o PCD e o MLSTP como acabaram com o MDFM”?
Muita gente convenceu-se que, tendo em conta a idade da nossa democracia e a esperança e crença que o ADI devolveu a milhares de Santomenses, o futuro já não poderia ser construído lutando-se contra os que defendem o passado mas sim contra aqueles que, supostamente, defendem o futuro mas fazem-no mal. Pura ilusão! O ADI é, hoje em dia, o maior defensor do passado, como se constata pelas intervenções do senhor primeiro-ministro, do ministro dos negócios estrangeiros e de outros dirigentes do ADI, e não abdica de verbalizá-lo, publicamente, como ato doutrinário a implementar.
Isto terá contornos preocupantes para a consolidação da nossa democracia no futuro. Não sei como é que estas pessoas acreditam que podem configurar o futuro agarrando-se ao passado fazendo dele o principal desafio do presente. Provavelmente os dirigentes do ADI e o senhor primeiro-ministro dirão, também, que a rádio e televisão públicas estão como estão porque os anteriores governantes fizeram o mesmo; ou, em alternativa, se o país entrar numa deriva totalitária, com a ruína do MLSTP e PCD, como pretendem implementar, dirão que no passado aconteceu o mesmo e que tudo não passa de uma normalidade democrática.
A principal tarefa da política, no contexto democrático, consiste em estabelecer a mediação entre a herança do passado, as prioridades do presente e os desafios do futuro. Por isso, como é que o senhor primeiro-ministro e o senhor ministro dos negócios estrangeiros querem construir um país melhor, no futuro, se continuam presos ou absorvidos no antagonismo político do passado sobre o qual juraram não repetir?
Este pequeno trecho, que transcrevo a seguir, da exposição que o senhor primeiro-ministro fez aos seus ministros, logo após a tomada de posse do atual governo diz tudo da qualidade da democracia que estamos a construir. Disse ele: “O povo espera de nós exemplo, trabalho abnegado, verdade, diálogo construtivo, sério e permanente, proximidade e transparência, nos nossos atos e resultados. Para tanto, convido a senhora e os senhores ministros a fazerem um inventário célere, mas exaustivo de todos os atos praticados que não correspondam às boas práticas e aos interesses nacionais. Primeiro, para que sejam devidamente identificados os erros cometidos. Em segundo lugar, para que todos possam compreender exatamente em que condições o XVI Governo Constitucional assume hoje o comando do país e, sobretudo, para que os mesmos erros não se repitam indefinidamente como se de uma sina se tratasse. Consideramos que se torna condição sine qua non de êxito da nossa missão que hoje nos propomos, que seja instituída a obrigatoriedade de inspeções, avaliações de desempenho e prestação de contas periódicas e generalizadas. Não é admissível em democracia que organismos com responsabilidades acrescidas no nosso Estado e na nossa sociedade não prestem contas das suas atividades e desempenho, bem como não é aceitável que funcionários permaneçam nos seus cargos indefinidamente e de modo intocável, sem que sejam inspecionados e avaliados, para se aquilatar da sua competência para continuar no exercício do cargo…” Fim de citação.
Quem nos prometeu, num discurso empolgante e emotivo aos seus ministros, “trabalho abnegado, verdade, diálogo construtivo, sério e permanente, proximidade e transparência nos atos e resultados, deu-nos, em troca, a trapalhada, fraude eleitoral, o aprofundamento do problema do banho e um presidente da república eleito de forma que nos envergonha como povo.
Quem nos prometeu avaliações de desempenho, prestação de contas periódicas e excelência profissional, a todos os níveis, deu-nos em troca a bandalheira institucional, a desordem, a impunidade generalizada e não prestação de contas. O próprio Tribunal de Contas veio, recentemente, acusar a os organismos estatais de não apresentarem contas relacionadas com as suas atividades.
No contexto eleitoral não existe “meias fraudes” nem “falhas graves”. Existe fraude quando há má-fé associada à intenção de enganar outrem para daí tirar privilégios eleitorais ou políticos e foi isto que aconteceu quando se constata que só um dos candidatos foi beneficiado, em detrimento de outros, ganhando centenas de votos, na primeira volta, que, posteriormente, lhes foram subtraídos. Aliás, é isto que o presidente da CEN nos disse por outras palavras. Ninguém nos garante que a extensão da referida fraude ficou somente por centenas de votos.
Quem nos prometeu diálogo construtivo, sério e permanente, proximidade e transparência e, sobretudo, a não repetição dos mesmos erros como se de uma sina se tratasse deveria criar condições para que o país não passasse por esta autêntica humilhação de ter elegido um presidente da república manchado por acusações e desconfiança de fraude eleitoral e com níveis de abstenção estratosféricos que colocam seriamente em causa a sua legitimidade.
Evaristo de Carvalho é um cidadão bom, respeitável e íntegro, não tenho razões para pensar o contrário, mas, como presidente da república será, politicamente, uma espécie de “bobo da corte” contratado, contra a sua vontade, por Patrice Trovoada, para entreter a malta como, aliás, ele já começara a fazer de forma brilhante durante a campanha eleitoral, tendo, ainda, por cima, de conviver, durante todo o seu mandato, com acusações e desconfiança de ter sido eleito através da fraude eleitoral, num contexto plebiscitário e com uma abstenção de cinquenta e quatro por cento dos eleitores Santomenses. É esta a receita que o senhor primeiro-ministro levará na gamela, a partir deste momento, para as negociações com os nossos parceiros e países amigos, para nos darem em troca apoios financeiros e de outra natureza. É sina nossa, como diz o nosso primeiro-ministro.
Temo que, a partir de agora, como acontecera com o fenómeno “banho”, iremos, paulatinamente, criar condições para a institucionalização da fraude eleitoral no país que passaremos a designar por “falhas graves”. E, ao contrário daquilo que pensa o senhor primeiro-ministro, acho, que, tanto o senhor presidente da república bem como a Maria das Neves fizeram muito bem em não ir votar, nesta segunda volta das eleições presidenciais, porque, simbólica e politicamente, tal atitude representa a negação dos seus contributos, tendo em conta as funções que ainda desempenham, para a transformação de eleições democráticas no país em autênticos plebiscitos como, aliás, fizeram cinquenta e quatro por cento da população Santomense recenseada.
Creio mesmo que esta atitude do senhor presidente da república bem como da Maria das Neves e de cinquenta e quatro por cento da população Santomense recenseada será, historicamente, recordada, como um ato cívico, político e simbólico de resistência aos atropelos democráticos levados ao cabo pelo atual governo da república e deveria ser utilizado, anualmente, do ponto de vista institucional, como uma data para a promoção de debates e reflexão, no interior e exterior dos partidos políticos, sobre ideais democráticos, como contributo de aprofundamento da nossa democracia.
O direito de voto que temos e o seu exercício, têm a função simbólica, respetivamente, de mostrar-nos que a sociedade reconhece a nossa importância no contexto democrático que, supostamente, vivemos, e o de nos permitir identificar com a respetiva sociedade em que estamos inseridos.
Quando se começa a minar o processo eleitoral com caracterização de “falhas graves” e níveis de abstenção de cinquenta e quatro por cento numa segunda volta de eleição presidencial, que mais se confunde com um plebiscito, a desconfiança começa a tomar conta dos cidadãos relativamente aos processos eleitorais e da própria democracia comprometendo-os, de forma irremediável, no futuro. É óbvio que as pessoas não se sentem identificadas, sobretudo aquela elite que o senhor primeiro-ministro disse que não gosta dele, com a fraude, por um lado, e o plebiscito por outro, como receitas para o aprofundamento da nossa democracia. Não se pode impor esta agenda, com tiques totalitários, aos cidadãos em geral, com o propósito de “acabar com o PCD e o MLSTP como acabaram com o MDFM” ou tentar dividir o país entre o “povo pequeno” e elites e, no dia seguinte, apregoar a união de todos os Santomenses em torno do novo presidente da república. Isto só pode vir de políticos irresponsáveis ou de inimputáveis primários.
Sou estruturalmente contra o voto obrigatório exatamente porque entendo que, em condições extremas de abuso de poder, como a imposição radical de uma agenda plebiscitária, idêntica àquela que acabam de nos impor, para coroar um presidente da república, recusando quaisquer tipos de diálogo e entendimento para fortalecimento da nossa democracia, deve ter como meio de resistência e resposta popular uma abstenção forte. Foi isto que o povo fez e que, simbolicamente, o senhor presidente da república e a Maria das Neves fizeram. Queriam melhor resposta do povo? Contra todas as expetativas, este radicalismo governamental contribui, ao contrário daquilo que pensa o senhor primeiro-ministro, para que o senhor presidente da república deixe as suas funções, politicamente, em alta.
Aliás, o próprio senhor primeiro-ministro vem reconhecer, explícita ou implicitamente, o falhanço das suas políticas, incluindo a organização e desenvolvimento do recente processo eleitoral, ao afirmar, publicamente, que o seu eleitorado é o “povo pequeno” (sessenta por cento, segundo as suas palavras) e que a elite Santomense não gosta dele e por isso não vota nele. É óbvio que uma pessoa, minimamente informada e esclarecida, em qualquer país do mundo, não poderá estar de acordo com o rumo que o país está a tomar, nos diversos domínios, depois de nos terem prometido fazer exatamente o contrário.
Onde estão os sessenta por cento “do povo pequeno” que gostam do senhor primeiro-ministro e que, todavia, recusaram votar no Evaristo Carvalho e ficaram em casa? Além disso, este truque totalitário de dividir o país entre o “povo pequeno” e elites ou entre ricos e pobres é perigoso sobretudo numa sociedade como a nossa com complexos problemas, ainda, por resolver. Isto diz muito sobre o tipo de políticos e governantes que temos. Eu não acredito que o senhor primeiro-ministro queira construir um país e solidificar a nossa democracia só com o “povo pequeno” excluindo os professores, médicos, empresários, advogados e outros estratos socioprofissionais desta empreitada. É a nossa sina, diria o primeiro-ministro!
*Adelino Cardoso Cassandra - Santo António do Príncipe, 8 de Agosto de 2016
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