quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Macroscópio – É inevitável: temos de trocar umas ideias sobre economia

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Com uma boa parte do país ainda debater o chamado “imposto Mariana Mortágua” seria tentador dedicar de novo um Macroscópio ao tema. Tentador e quase inevitável – pelo que esse será o tema da segunda parte desta newsletter. Antes começo por tentar não olhar apenas para essa árvore, mas para a floresta. Ou seja, não apenas para um imposto, mas para a economia portuguesa no quadro da União Europeia. Três textos ajudam a pensar um pouco sobre os riscos que corremos, pois o país continua a pisar gelo muito fino.
 
[Sobre estarmos a pisar gelo fino é impossível não referir os mais recentes relatórios das missões do FMI que estiveram em Portugal e que foram conhecidos hoje. Ei-los, na sua versão integral –Portugal: 2016 Article IV Consultation-Press Release; Staff Report; and Statement by the Executive Director for PortugalEx Post Evaluation of Exceptional Access Under the 2011 Extended Arrangement-Press Release; Staff Report; and Authorities Views – e na síntese do próprio FMI - Portugal: Growth Needs Further Reforms. No que respeita ao conteúdo desses relatórios, já trabalhado jornalisticamente, eis alguns dos títulos de hoje: FMI pede a Portugal mais medidas de austeridade para 2017. 900 milhões (Observador); Política de “fazer tudo o que tiver de fazer” do BCE foi “uma benção e uma praga” (Observador); FMI alerta que Portugal pode sofrer um “efeito de espiral negativo”(Público); FMI deseja ver medidas fiscais mais amigas do investimento em Portugal (Público); Os 6 maiores riscos para a economia portuguesa, segundo o FMI (Expresso, paywall);Economia arrefeceu, défice vai derrapar e exigir mais austeridade(Jornal de Negócios).]
 
Tendo este pano de fundo, cujos tons sombrios não diferem muito dos avanaçados a semana passada pelo Conselho de Finanças Públicas e, um pouco antes, pela UTAO, vamos recuar no nosso zoom e começamos por faze-lo com a ajuda de Helena Garrido, que hoje escrevia no Observador sobre O euro e Portugal: A brincar com o fogo europeu. Apesar de reconhecer que “As questões europeias parecem interessar cada vez menos os portugueses”, a cronista alertava para que “É tempo de ilusões. Ninguém quer ouvir falar nos perigos que nos espreitam. Chegará o momento em que teremos de escolher, conscientemente, se queremos mesmo ficar no euro. E será uma sorte ter escolha.” De facto, explica, “A política económica e financeira que seguirmos é determinante para o nosso futuro. Pouco importa dizer que cumprimos o valor exacto do défice público exigido por Bruxelas, se continuarmos a adoptar medidas ou até apenas discursos que põem em causa a confiança dos investidores no país. Portugal precisa de capital.”
 
No Diário de Notícias, também hoje, o professor de Economia João César das Neves escrevia que O jogo mudou. Também aí mostrava preocupação com a possibilidade de um Portugal fora da Europa. “Se é verdade que somos um clamoroso beneficiário da União, também evidente que somos um descarado infractor das regras comunitárias. Prometemos repetidamente aquilo que nunca pensávamos cumprir e hoje, com a retórica antiausteridade no discurso oficial, já nem fingimos obediência. Por isso é que é urgente perceber que o jogo mudou em Junho. Aliás o processo que sofremos em Julho, e que a benevolência ainda nos perdoou, foi um primeiro sinal disso mesmo. Para o ano haverá novo processo, e não será tão fácil. As luminárias lusitanas nunca admitem a bonomia europeia, demasiado ocupadas a atribuir à austeridade todos os males nacionais. Mas é bom que alterem drasticamente a atitude. Sob pena de verem os seus desejos realizados e Portugal sem troika, sem euro, sem Europa e sem rumo.”
 
Já uma outra professora de Economia, Leonor Modesto, também ela, como César das Neves, da Universidade Católica, interrogava-se no Observador sobre se O crescimento parou? O seu texto não se limitava ao crescimento português, antes partindo da “redução, que alguns já consideram preocupante, nas taxas de crescimento das economias mais desenvolvidas e mesmo nalgumas economias emergentes”. Entre os factores que identifica para essa redução, que em Portugal é mais acentuada, está o envelhecimento das populações, pore “sociedades mais envelhecidas inovam menos e, sem novas tecnologias, o crescimento acaba.” Ora a sua preocupação é que Portugal não estará a fazer o suficiente, no que respeita à promoição da natalidade e à qualidade da educação, para contrariar essa tendência para sermos uma sociedade mais idosa e menos inovadora: “O sistema fiscal que temos desencoraja a natalidade e não há memória de a termos alguma vez fomentado. Quanto à educação estamos agora a acabar com a exigência que ainda havia. Parte dos exames existentes vão passar a ser meras provas de aferição e os programas foram simplificados. Proíbe-se ainda as famílias mais pobres de escolherem as melhores escolas para os seus filhos para garantir alunos nas escolas públicas. Será que assim vamos produzir adultos inovadores?
 
A completer este bloco sugiro uma leitura do Jornal de Negócios, mais exactamente do texto de Stephen S. Roach, docente da Universidade de Yale, Crescimento Mundial – ainda feito na China. Nele mostra como o crescimento da economia à escala global depende imenso do que se passa na China, o que não pode deixar-nos confortáveis: “Se o crescimento económico da China alcançar 6,7% em 2016 (…) a China pode ser responsável por 1,2 pontos percentuais do crescimento do PIB mundial. Com o FMI a prever agora apenas um crescimento de 3,1%, a China contribuiria com quase 39% deste valor. As outras grandes economias iam contribuir com pequenas percentagens. Por exemplo, apesar de os Estados Unidos serem amplamente elogiados pela sua recuperação sólida, é estimado que o seu PIB cresça apenas 2,2% em 2016 – o suficiente para contribuir com apenas 0,3 pontos percentuais para o crescimento global (…). É esperado que a esclerótica economia europeia acrescente apenas 0,2 pontos percentuais ao crescimento mundial e o Japão nem mesmo 0,1 pontos percentuais.”
 
Vamos agora à polémica do momento, a sobre o imposto e as declarações de Mariana Mortágua. Deixo-vos apenas nota de uma mão cheia de textos onde encontrei argumentos ou mais sustentados, ou mais originais:
  • Ódio de classe, da historiadora Maria de Fátima Bonifácio, o mais recente de todos estes textos, recém-publicado no Observador, e onde recua até à Revolução Francesa para enquadrar o significado e as origens do ódio à burguesia;
  • Bloco e PS: o dia da primeira traição, de João Miguel Tavares no Público, onde se analisam as declarações contraditórias de altos responsáveis dos dois partidos, em especial sobre quem deveria divulger, ou não, a notícia do novo imposto;
  • Está tudo doido?, de Luís-Aguiar Conraria no Observador, uma reflexão onde se analisa não apenas o discurso de Mortágua mas também as hesitações de Passos sobre o livro de José António Saraiva e o significado do reaparecimento de José Sócrates;
  • Bloquismo, doença infantil da geringonça, uma análise de Rui Ramos no Observador sobre o significado político destes acontecimentos;
  • Um imposto em forma de assim, de Ricardo Costa no Expresso, mais centrado na forma como não se deve fazer o anúncio de uma medida política potencialmente controversa (paywall).
  • A balbúrdia, de Sandra Clemente, no Jornal de Negócios, sobre os riscos de desestabilização do país;
  • Nem para gerir o condomínio, um texto no jornal I do antigo dirigente socialista António Galamba muito crítico do que ele considera ser a radicalização do seu partido;
  • Perder a vergonha ou perder a racionalidade?, da economista e deputada do PSD Inês Domingos, no Observador, onde se analisam as potenciais consequências desta medida sobre o investimento;
  • Classe média, a camuflagem de ricos e desafogados, a defesa por Daniel Oliveira, no Expresso, da ideia de que o novo imposto não afectaria senão os mesmo ricos (paywall);
  • Os pobres, os ricos e os males do mundo, onde no mesmo Expresso Henrique Monteiro defende que a solução para haver menos pobres não é ir tirar aos ricos, pois o bolo não é sempre igual (paywall).
 
Penso que com esta variedade ficam com muita matéria para reflectirem – e não apenas sobre o imposto em concreto, também sobre o significado político e histórico dos espisódios a que temos assistido nesta última semana e meia.
 
Tenham bom descanso e melhores leituras.

 
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