O Carnaval, cuja origem se perde na imensidão do tempo, é uma das maiores festas populares que ocorre em várias partes do mundo. No Brasil, aculturou-se, ao longo do tempo, e assumiu características genuínas, tendo uma massiva contribuição musical da cultura negra. O desfile das escolas de samba é considerado um dos maiores espetáculos “a céu aberto” do Planeta. A origem do Carnaval nos remete à Antiguidade e às suas grandes civilizações.
Originária do latim, a expressão carnis levale, significa “retirar a carne”. O termo está relacionado ao jejum que deveria ser feito na Quaresma, durante os 40 dias antes da Páscoa, visando ao controle dos prazeres mundanos. Este foi o mecanismo, do qual a Igreja Católica se utilizou, para controlar a festa pagã. A variação da data do Carnaval em nosso calendário tem ligação direta com a Páscoa O Papa Gregório XIII, em 1582, transformou o calendário Juliano em Gregoriano, no qual estabeleceu datas móveis quanto ao Carnaval.
Segundo alguns especialistas sobre o tema, na antiga Babilônia, duas festas podem ter sido a origem do Carnaval. Durante o período, em que ocorriam As Saceias, um prisioneiro substituia a figura do rei, vestindo-se e alimentando-se como um nobre, podendo se relacionar, sexualmente, com as esposas do mesmo. Ao término do tempo festivo, o prisioneiro era chicoteado e, depois, enforcado ou empalado com requintes de crueldade.
O outro rito festivo, na mesma região, ocorria num período que antecedia ao equinócio da primavera quando se comemorava o ano novo naquela região. O ritual se realizava no templo em honra a Marduk, um dos principais deuses mesopotâmicos. Nele, o rei perdia suas indumentárias de poder e era castigado na frente da estátua de Marduk. Essa humilhação, em público, servia para evidenciar a submissão do rei à divindade. Após esse rito, o rei assumia, novamente, a sua condição hierárquica.
O que está presente nas duas festas, remetendo-nos ao Carnaval, é o seu caráter de subversão de papéis sociais. Isto se dá com a condição temporária do prisioneiro ao assumir o papel de rei. Já noutro momento, o objetivo é demonstrar a humilhação do rei diante do deus É provável que a subversão dos papeis sociais no Carnaval, a exemplo dos homens vestirem-se de mulheres e vice-versa, pode encontrar suas raízes nessa tradição da Mesopotâmia..
No antigo Egito, Pisistrato teria oficializado uma festa que consistia em danças e cantorias em volta de fogueiras. Os participantes usavam máscaras e disfarces que simbolizavam a inexistência de classes sociais.
A associação do Carnaval à licenciosidade remonta-se às festas de origem greco-romana, por volta do ano 520 a.C., como os bacanais (festas dionisíacas, para os gregos).. Estas eram dedicadas ao deus do vinho, Baco (ou Dionísio, para os gregos), pautadas pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne.
Em Roma, ocorriam as Saturnálias e as Lupercálias. As primeiras se realizavam no solstício de inverno, em dezembro; já as segundas, em fevereiro, mês dedicado às divindades infernais, mas também das purificações. Estas festas duravam vários dias com muita fartura, bebidas e danças. Os papeis sociais também se invertiam, temporariamente, com os escravos assumindo o lugar de seus senhores, e estes colocando-se na condição de escravos.
Com o fortalecimento de seu poder material e espiritual da Igreja, esta não via com “bons olhos” as festas pagãs. Na concepção cristã, havia a crítica quanto à inversão das posições sociais, pois, ao inverter os papéis dos membros da sociedade, invertia-se também a relação entre Deus e o demônio, tratando-se de uma heresia.
Diante disso, a Igreja Católica buscou uma forma de enquadrar e controlar essas comemorações. A partir do século VIII, ao instituir a quaresma, tais festas passaram a ser realizadas nos dias que antecediam a esse período religioso. A Igreja, desta forma, estipulou um tempo para as pessoas cometerem seus excessos, antes do período da penitência, pelos pecados cometidos, visando o reencontro do homem com Deus.
Durante os carnavais, na Idade Média, por volta do século XI, no período fértil para o plantio, homens jovens se fantasiavam de mulheres e saíam nas ruas e campos durante algumas noites. Afirmavam ser habitantes da fronteira do mundo dos vivos e dos mortos. Invadindo os domicílios, com a permissão dos seus moradores, fartando-se com comidas e bebidas, além de troca de carícias e beijos com as jovens moradoras.
No século XIII, os nobres franceses promoviam festas onde era obrigatório o uso de máscaras e roupas luxuosas. É provável que este seja o início da difusão das primeiras festas à fantasia, que se popularizaram entre as altas classes em toda Europa, espalhando-se assim por todo o mundo até os nossos dias.
Durante a Renascença, nas cidades italianas, surgiu a commedia dell'arte. Tratava-se de teatros improvisados, cuja popularidade alcançou o século XVIII. Em Florença, canções eram compostas para acompanhar os desfiles, que contavam também com carros decorados, os trionfi. Nas cidades de Roma e Veneza, os participantes usavam a bauta, uma capa com um capuz negro, encobrindo ombros e cabeça, além de chapéus de três pontas e uma máscara branca. No ano de 1545, após o Concílio de Trento (1545- 1563), mudou-se o calendário Juliano para Gregoriano, e o Carnaval passou a ter caráter oficial para os cristãos. Assim, o Carnaval passou a ser reconhecido como festa popular, que sofreu uma série de modificações culturais até a atualidade.
A história do Carnaval brasileiro se iniciou no período colonial. Há quem considere que a chegada da Família Real no Brasil, em 1808, resultou num grande festejo, associando-se a uma manifestação de caráter carnavalesco. O Entrudo foi uma das primeiras manifestações carnavalescas praticado, inicialmente, por escravizados. De origem açoriana, constava de uma brincadeira, na qual os foliões lançavam entre si limões de cheiro, água das seringas e até farinha. Diante do aumento populacional, o que era simples diversão tornou-se causa de desavenças e ferimentos entre os foliões, sendo então proibido pela polícia. Aos poucos, no final do século XIX, foram surgindo os cordões e ranchos, os bailes de salão, os corsos e, finalmente, as escolas de samba.
A primeira escola de samba no Brasil, “Deixa Falar” foi fundada, em 12 de agosto de 1928, pelo sambista carioca chamado Ismael Silva. No ano de 1932, o prefeito Pedro Ernesto organizou o primeiro desfile oficial de escolas de samba na Praça Onze de Junho. Este local foi o berço do samba, onde se reuniam memoráveis sambistas na casa da baiana Tia Ciata, a exemplo de Donga, Sinhô e João da Baiana. No primeiro desfile oficial do Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira foi a grande vencedora do Carnaval carioca.
Os afoxés, frevos e maracatus passaram a fazer parte da tradição cultural do nosso Carnaval, comprovando a nossa diversidade cultural. A cada ano, o Carnaval toma conta de norte a sul do Brasil com sua alegria contagiante, mantendo a tradição dos nossos ancestrais e um imaginário cultural que desafia os séculos e qualquer forma de preconceito.
Recordando o verso da marcha-rancho, de 1899, que imortalizou Chiquinha Gonzaga (1847-1935), “Ó Abre Alas / Que eu quero passar”, vamos festejar a vida e a liberdade de ser quem somos.. !
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom
Imagens
1 - Máscara
2- Carnaval medieval
3- Carnaval em Veneza
4- O entrudo
5- Estação Primeira de Mangueira
6- Chiquinha Gonzaga
Bibliografia
Dill, Aidê Campello. História e fotografia. Porto Alegre : Martins Livreiro, 2009.
FERREIRA, Felipe. Inventando Carnavais Rio de Janeiro : UFRJ, 2005.
HIRAM, Araújo . Carnaval, seis milênios de história. Rio de Janeiro : Gryphus, 2003.
MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira / erudita, folclórica e popular. Arte Editora / Itaú Cultural , 1998.
PINTO, Tales dos Santos. "História do carnaval e suas origens"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval.htm>. Acesso , em 26 de fevereiro de 2017, às 17:37.
Site : http://historia-do-carnaval.info/ acessado em 25/02/2017 às 1915.
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