Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião
Portugal vive o seu momento maior de auto-estima. Após décadas de ditadura e conformidades, o país que nunca teve a coragem de abandonar os brandos costumes floresceu pela auto-análise. Antes do 25 de Abril, no cinzento borrão, nem noção do vizinho tínhamos. A esperança invadia o país com a democracia mas o tempo só fazia nascer heróis nacionais porque não havia forma de germinar uma globalização junto aos cravos. E a política raramente foi campo para heróis se o arrojo individual não se dirigir à humanidade. Foi assim que precisámos de ultrapassar a passada de um século para que a personalidade dos portugueses se transformasse para lá da luso-vidinha.
Antes que cheguem os encómios habituais para o heroísmo destacado dos bombeiros em tempo de verão, este é um país que já tem um "ratio" de quase um herói nacional por milhão de habitantes. Distribuído, é um rendimento "per capita" impressionante. A exaltação turística à volta do país tem tomado Portugal pelo clima e os adjectivos às altas temperaturas sucedem-se mas é nas pessoas que encontramos o reflexo ameno da nova e gloriosa personalidade portuguesa, com um saco cheio de heróis, anti-heróis e vilões. À nossa medida.
Privilegiados pela história, vivemos os dias em que o procedimento por défice excessivo de heroísmo ou figuras Marvel já não existe: pensar em Ronaldo, Mourinho e Éder, Guterres, Centeno e Durão, Salvador e Fátima é concluir por uma boa fatia de internacionalismo de busto em poucos anos, heróis eternos ou por uns tempos, certificados ou improváveis, vilões ou "wannabe"s". Sendo que a única mulher é Fátima e é uma aparição. A eterna heroína a mostrar-nos como esta coisa da dependência e heroísmo ainda enfrenta muitas dificuldades de género.
Se fugirmos da lógica do reverso, a auto-estima pode fazer de todos nós magnânimos. Como gente intrinsecamente boa que somos, cumprimos agora a nossa vocação ibérica em cimeira luso-espanhola para cooperação transfronteiriça, ultrapassando a ideia da adjectivação do vento e casamento. Como entende António Costa, só quem está em Lisboa a olhar para o mar é que pode pensar que Bragança é interior. O Norte do país já tinha percebido que é mais fácil entender a língua de "nuestros hermanos" do que a linguagem centralista do império português mas é sempre reconfortante quando um primeiro-ministro tem a capacidade de o reconhecer. Mesmo que ainda não tenha encontrado forma de conseguir soletrar Al-ma-raz. E pensava eu que isto dos heroísmos era nuclear para o poder.
*Músico e advogado
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