Francisco
José Castilhos Karam
Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS
Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS
As
recentes ondas de demissões de jornalistas em mídias brasileiras,
popularmente e historicamente conhecidas como “passaralho”–
sobretudo ocorridas em São Paulo, embora não se restrinjam aos
profissionais da informação -, talvez seja a constatação mais
cabal de que a informação jornalística não é mais – se é
que um dia foi – o principal produto oferecido pelos veículos
jornalísticos. No amplo espectro de interesses do campo da
comunicação, o jornalismo é “mais um”, embora ele sirva, como
discurso, para falar em “credibilidade” como fator central de
tais mídias e para defender a plena “liberdade de imprensa”,
tomando-se esta como liberdade de informação ou de negócios em
quaisquer suportes tecnológicos.
As
mudanças estruturais no jornalismo seguem determinados padrões, que
acompanham épocas, circunstâncias, conjunturas e comportamentos.
Num momento de implantação e consolidação das redes sociais,
alguns autores falam no fim do jornalismo, enquanto outros no seu
renascimento ciberespacial vinculado ao interesse público. Ele
estaria na base da modernidade e do esclarecimento proposto pelo
direito social à informação desde que foi inserido nas novas
constituições nacionais a partir do advento das repúblicas e do
novo espaço de cidadania que incluía os Poderes constitucionais e
as ruas.
Tal
perspectiva reacende, entre muitos outros aspectos, uma discussão
sobre os novos rumos do jornalismo, incluído aí o já não tão
emergente ciberjornalismo, com seus processos de reconhecimento de
temas relevantes, de métodos de apuração compatíveis com a
verificação e com a linguagem mais adequada a cada público, de
acordo com sua heterogeneidade, com suas experiências, com suas
demandas.
Por
isso, num ambiente simultaneamente móvel e fugaz, pode-se “prever”
que os usuários independem do jornalismo para se informar;
independem do “mediador” para verificar; independem da linguagem
para “esclarecimento”.
No
entanto, se de um lado o jornalismo é relevante como espaço de
controvérsia qualificada; se é importante para articular o presente
com informações confiáveis, verificadas, originais, claras e
esclarecedoras, talvez o campo do jornalismo esteja migrando
estritamente das redações e indo também para as assessorias
especializadas em jornalismo, que trabalham públicos amplos ou
específicos com a própria linguagem clássica do jornalismo, com os
métodos de apuração compatíveis com a verificação e com
assuntos relevantes para a sociedade. O jornalismo de assessoria pode
também estar se qualificando e substituindo a própria produção e
conteúdo tradicionalmente reservados às redações. E indo falar
diretamente com seus públicos.
Da
mesma forma, se antes o release era uma arma simples, relativamente
inócua, submetido à desconfiança, hoje ele não é exclusivo na
assessoria. Esta cresce em complexidade e tem critérios
profissionais muito próximos da confecção de um produto
jornalístico, incluindo a reportagem, central no jornalismo,
herdeira do método sociológico e histórico de investigação e
testemunho, que ao lado da controvérsia e da narração –
herdeiras da filosofia e da literatura – povoaram as ideias e
argumentos de que o jornalismo tem um caráter emancipador e
esclarecedor. A complexidade de determinados setores encontra, nas
assessorias qualificadas, ambiente de cobertura e de debates antes
exclusivos das redações, seja em uma tevê pública onde se debatem
assuntos relevantes, polêmicos e com aprofundamento , seja em um
site que inclui reportagens ambientais, econômicas e políticas que
envolvem controvérsia e interpretação.
O
repórter investigador e independente, figura central que nasce
modernamente com a República e com os Poderes desta, desapareceria
no novo cenário com suas tradicionais características de
questionador? Teria desaparecido faz muito tempo? Teria ainda a aura
de autonomia diante dos poderes, sejam políticos ou econômicos,
públicos ou empresariais privados? Teria ainda o papel histórico de
desconfiar, de fazer perguntas incômodas, de destrinchar a realidade
e dispô-la, mediada, a um público que de outra forma a ela não
teria acesso? Talvez hoje o que ainda sobreviva como chama do
jornalismo seja exatamente a figura do repórter. O jornalismo não
estaria em extinção, mas o repórter teria muito menos espaços
para agir.
O
renascimento do jornalismo nas redes sociais – embora enxuto nas
redações tradicionais – poderia reacender o velho
jornalismo dos sonhos, o de ser efetivamente um contrapoder vinculado
ao interesse público e a seu papel crítico e emancipador? Para
isso, mais do que uma possível legislação – que tende a se
perder na multiplicidade de mídias, de atores, de fontes, de
narradores contemporâneos nas redes sociais – quem sabe o campo da
ética que reconhece a relevância, a apura e a narra, ajude a
situar o jornalismo ainda com um papel distintivo em relação a
outras informações que circulam. Nem todo chamado jornalismo cívico
está vinculado a isso; nem toda interatividade e/ou participação
cidadã estão vinculados a isso.
As
mídias públicas, as assessorias públicas e privadas, a verificação
nas mídias tradicionais que foram para a rede mundial de
computadores, incluindo as redes sociais, estão na base da
credibilidade contemporânea como referência pública comum. A
reportagem qualificada, nas redes sociais, merece um selo de
qualidade diferente, um ISO 3000 por assim dizer. A diferença ética
talvez seja uma diferença que se sobreponha às leis no ciberespaço.
E pode receber merecimento público por causa disso. Mas é
necessário um público que ainda tenha interesse nas mensagens
jornalísticas e que as julgue relevantes para o seu dia a dia.
Está aí, a meu ver, um dos desafios do jornalismo nas redes sociais
e no novo jornalismo da multidão ciberespacial, com seu auditório
ora específico ora amplo, ora particular ora universal, ora atento
ora disperso, ora fixo ora móvel. E num mundo sempre em fuga e que,
no entanto, necessita minimamente saber o que se passa.
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