Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt19 de abril de 2018 às 23:00 |
Os acordos entre o Governo e o PSD em duas matérias, a descentralização (eufemismo para regionalização) e os fundos comunitários, têm sido vistos como uma ressuscitação do bloco central. Em termos teóricos, essa é uma evidência. Os dois partidos, do chamado arco do poder, chegam a acordo em assuntos estruturantes, uma novidade dos últimos tempos.
Mais, entendem-se quando o PS é Governo com uma maioria parlamentar à esquerda construída com o PCP e o Bloco de Esquerda, antagonistas políticos do PSD.
A partir daqui é possível construir uma série de cenários, todos eles plausíveis, sobre a estratégia de cada um dos partidos e a viabilidade da manutenção dos acordos à esquerda, atendendo a esta aproximação entre António Costa e Rui Rio. O PS coloca o PCP e o Bloco sob pressão, o PSD marginaliza o CDS. Não restam também dúvidas de que, com este compromisso, o Governo institucionaliza o PSD como o principal representante da oposição, um território que vinha sendo reclamado por Assunção Cristas.
No meio da especulação sobre todos estes cenários, um maná para os analistas políticos, o essencial tem escapado. E o essencial é simples. Estes dois acordos têm uma finalidade mais comezinha, a perpetuação do "status quo". A descentralização interessa a quem? Em 308 câmaras municipais, o PS gere 158 e o PSD 98. Entre as forças políticas tradicionais só mais um partido, o PCP (ou melhor, a CDU) controla autarquias, neste caso, 24.
Ou seja, a descentralização, exibida como uma forma de tornar o país menos dependente do centralismo da capital, é um facto à medida dos fortes interesses locais que os dois partidos possuem, e será executada em função da sua preservação dessa representatividade.
Quanto aos fundos comunitários, a lógica é similar. O PS e o PSD foram sempre os partidos que, estando no Governo, tomaram conta dos dinheiros provenientes de Bruxelas. Como tal, é fundamental ter acesso aos mesmos (quanto mais melhor), para darem corpo e popularidade às suas políticas.
O bloco central que deu à costa nestes dois acordos tem mais que ver com os interesses dos dois partidos e menos com os do país. Isto é, PS e PSD estão essencialmente preocupados em garantir as bases para, no futuro, manterem a sua influência política. Se a descentralização será boa para o país é uma interrogação a que só o futuro responderá.
Fonte: jornaldenegocios
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