Hoje não vou ficar por um tema: vou andar por vários temas, sugerindo uma mão cheia de leituras que me pareceram interessantes, umas mais ligadas à actualidade, outras nem por isso.
Vou começar pela evocação de um grande arquiteto que desapareceu ontem: Nuno Teotónio Pereira. Faço-o para destacar apenas dois artigos que me pareceram especiais:
- Prisão, tortura, fé, amor e arte: a vida preenchida de Nuno Teotónio Pereira, uma entrevista do Expresso publicada em Fevereiro de 2015 e que ontem o jornal recuperava. Realizada por José Pedro Castanheira e Cândida Santos Silva, resulta de uma conversa realizada pouco tempo depois de Nuno Teotónio ter ficado cego e um documento tão fundamental como pungente. Reparem:
Foi torturado...
Pois... Sono, pancadas, chicotadas. O pior foram as chicotadas nas pernas. Só aguentei dois dias e duas noites de tortura do sono - muito pouco! Não tinha preparação para aquilo. A certa altura apareceu um agente em tom amigável e eu fui na conversa. Estava tão mal de cabeça que pensei que aquilo era sincero. Acreditei e fui dizendo mais algumas coisas.
Houve muita gente torturada que falou na prisão. O mais normal, se calhar, até era falar...
Está bem, mas é chato.
Denunciou muitos nomes?
O Luís Moita, por exemplo, que fazia a ligação às BR. A Luísa Cabral também foi presa.
Conversou mais tarde com essas pessoas?
Sim. Foi horrível ouvir os gritos das pessoas a serem torturadas em Caxias. Gritos lancinantes! Um horror! - Nuno Teotónio Pereira e o Atelier da Rua da Alegria, um artigo da arquitecta e historiadora Ana Tostões publicado aqui no Observador onde, além de se recordar o percurso profissional e cívico de Teotónio Pereira, também se destaca o papel que o seu atelier desempenhou na formação de muitos nomes importantes da arquitectura portuguesa: “Para além de figura referencial da arquitectura portuguesa, o seu atelier constituiu um lugar de discussão e reflexão funcionando como uma escola paralela à da formação oficial, na época académica, retrógrada e repressiva. Foi lá que trabalharam sucessivas gerações dos mais importantes arquitectos: Bartolomeu da Costa Cabral, Nuno Portas, Gonçalo Byrne, Pedro Vieira de Almeida, Pedro Viana Botelho.”
Um tema a merecer crescente atenção, e que tem estado nos debates que por estes dias decorrem em Davos, na Suíça, é o dos riscos que corre a economia mundial, e também a União Europeia. Eis alguns textos que merecem ser lidos com atenção, até pelo pessismismo que neles se respira:
- ‘The EU Is on the Verge of Collapse’—An Interview com George Soros, ou melhor, uma conversa entre o conhecido investidor e Gregor Peter Schmitz que foi publicada pela revista alemã WirtschaftsWoche. A New York Review of Books publicou agora uma versão revista e em inglês, de que destaco esta passagem: “There is plenty to be nervous about. As she correctly predicted, the EU is on the verge of collapse. The Greek crisis taught the European authorities the art of muddling through one crisis after another. This practice is popularly known as kicking the can down the road, although it would be more accurate to describe it as kicking a ball uphill so that it keeps rolling back down. The EU now is confronted with not one but five or six crises at the same time.”
- World faces wave of epic debt defaults, fears central bank veteran, um texto do nosso conhecido Ambrose Evans-Pritchard, do Telegraph, que esteve à conversa em Davos com William White, um dos mais reputados economistas de todo o mundo que foi economista-chefe do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) e agora é presidente do Comité de Avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O seu diagnóstico é que a actual situação é pior do que a vivida em 2007, nas vésperas da grande crise (o Observador publicou um resumo dessa conversa: Economia global em crise. “Estamos pior do que em 2007”, diz economista da OCDE)
A recente edição, na Alemanha, de uma edição anotada do livro de Hitler Mein Kampf, livro que estava proibido desde o fim da II Guerra, continua a dividir opiniões: há os que pensam que a obra do megalómano ditador é hoje inofensiva, há os que ainda temem o efeito das suas ideias. De entre os muitos artigos publicados um pouco por todo o lado, três referências:
- “Mein Kampf”. Quem tem medo deste best seller?, um especial do Observador da autoria de José Carlos Fernandes, no qual o autor se interroga sobre “Que veneno resta nele, 90 anos depois de publicado?” Deixo o veredicto, mesmo recomendando vivamente que leiam todo o trabalho, que é muito informativo e revelador: “Mein Kampf é, indiscutivelmente, uma semente perigosa, mas o terreno deixou de ser propício a que se desenvolva luxuriantemente. Claro que haverá sempre espíritos suficientemente débeis e malévolos a quem o livro pode despertar uma vocação (no caso de conseguirem chegar a meio da logorreia, o que requer determinação), mas quem possua uma estrutura mental capaz de se deixar fascinar por Mein Kampf poderá também ser “mobilizado” para uma carreira de violência, obtusidade e barbárie por qualquer outro livro – o Corão, a Bíblia, O Capital, Laranja Mecânica, American Psycho.”
- Book of Hate: The Bold Attempt to Demystify Hitler's 'Mein Kampf', um trabalho da revista alemã Der Spiegel onde, de certa forma, se transmitem mais receios: “With a new annotated edition, Historians hope to "defuse" the Nazi-era bestseller. Even after seven decades, it remains a dangerous proposition.” Isto porque, entre outras coisas, “For the last 90 years, "Mein Kampf" has been treated as a key work of Nazism and, in light of its consequences, can be considered the world's most dangerous book. It was only during the writing of the tome that Hitler began to believe that he had been chosen, and the book was intended to convey this message to his supporters. "Mein Kampf," says historian Ian Kershaw, laid "the foundation for the Hitler myth”."
- Does “Mein Kampf” Remain a Dangerous Book?, um texto de Adam Gopnik na New Yorker onde defende que a discussão não pode ser apenas sobre o conteúdo do livro e o veneno que ainda pode inocular: “The question of what to do with “Mein Kampf” is, in some sense, independent of the book’s contents—buying it is a symbolic act before it’s any kind of intellectual one, and you can argue that it’s worth banning on those grounds alone. A good opposing case can be made on similarly symbolic grounds: that making it public in Germany is a way of robbing it of the glamour of the forbidden.”
Mais duas referências antes de me despedir por hoje. A primeira vai para um artigo do Financial Times onde Janan Ganesh defende a ideia de que a apatia dos eleitorados pode não ser uma notícia tão negativa como às vezes se defende (é uma reflexão que também vale pelo que as nossas eleições presidenciais possam vir a revelar). Em Political apathy in the UK is perfectly respectableele defnde a ideia que isso não é preocupante em tempos de normalidade democrática, sendo que, pelo menos em países como o Reino Unido, quando chega a altura o eleitorado sabe evitar que “cabeças quentes” cheguem ao poder. Ou seja: “Apathetic Britons are not waiting to be redeemed. They just have lives to get on with. Not only are they apolitical; they rouse themselves to vote every five years precisely to stop hot heads and crusaders from running their country. They like Mr Cameron because he governs well enough to save them having to think about politics. He is prime minister because someone has to be.”
A última sugestões volta a ser para o Observador, agora para a conversa que hoje tive com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto,Sem exigência com os melhores não há boas elites. Esta semana o tema do nosso programa foi “Que papel têm as elites no tempo da cultura de massas e da democracia mediática? E que papel tem o sistema de ensino na formação de boas elites?”, sendo que Jaime Gama aproveitou a oportunidade para expor de forma muito clara a sua defesa de um sistema educativo exigente e que possa ajudar a formar boas elites, saídas de entre os melhores. Essa passagem do Conversas à Quinta foi autonomizada em artigo próprio, Jaime Gama critica oposição aos rankings e às notas. Eis uma passagem desse artigo: “Toda a oposição a uma cultura de transparência nos resultados de conhecimento, o ódio aos rankings, o ódios às notas, a ideia de que a escola só serve para incluir os que não podem sequer ter êxito nela e depois a uniformização por baixo de todo o sistema” é, na opinião do ex-presidente da Assembleia da República, “uma perspetiva muito decadente e muito retrógrada”. Oiçam, que vale mesmo a pena.
E por hoje é tudo. Amanhã estarei de regresso para uma tentativa de balanço da estranha campanha eleitoral a que temos vindo a assistir. Bom descanso e boas leituras.
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