Rui Peralta, Luanda
A maioria presidencial em Kinshasa apresentou uma petição ao Tribunal Constitucional para assegurar a reeleição do presidente Joseph Kabila, após o término do 2º mandato, em Dezembro de 2016. Na mesma petição tenta-se assegurar a permanência nos seus cargos – caso não se realizem eleições - dos deputados da Assembleia Nacional e dos senadores. De um só golpe pretende-se a alteração de 3 artigos constitucionais.
Esta iniciativa interfere com as funções do envia da União Africana, o togolês Edem Kodjo, que tem como missão coordenar os trabalhos em torno do dialogo nacional. Interfere e põe em causa a UA, uma vez que o consenso em torno da saída de Kabila no término do mandato estava estabelecido entre as partes. Ao tentar contornar a Constituição a Maioria Presidencial (MP) está a provocar uma situação de desestabilização da política interna, que poderá ter sérias consequências para o processo de normalização pacífica do país.
As Constituições são contractos sociais, estabelecidos através da soberania popular, que assumem direitos e estipulam obrigações. São, efectivamente, leis supremas que regulam o Poder e as relações de cidadania e estabelecem procedimentos. Não podem, por isso, serem manuseadas como o fazem alguns “pastores de almas” que durante as suas homilias elegem os versículos da Bíblia que mais estão de acordo com o esvaziamento dos bolsos dos seus fiéis.
Uma Constituição é um todo, não pode ser lida como uma revista. Organiza a gestão do Poder politico e, para ser compreendida e cumprida, é aconselhável aos titulares de cargos públicos – que têm de jurar fidelidade á Constituição para assumir os seus cargos e responsabilidades – que leiam todas as disposições, de forma a compreender a filosofia e a arquitectura que sustem o mandato e a função que exercem. Todo o cidadão tem o direito e o dever de compreender a Constituição e, no caso da RDC, o cidadão Joseph Kabila ao ser eleito presidente jurou respeitar a Constituição.
Ganhar tempo quando se está numa posição de debilidade, encenando conversações e diálogos é uma velha prática de secretário florentino. Com o tempo a dissimulação inicialmente conseguida na encenação torna-se demasiado evidente. Os fóruns, os espaços de diálogo e de conversação, a assembleia, não são tavernas de intrujões, mas sim espaços honrados de exercício de soberania nacional e popular. Oferecer uma distracção á soberania popular, distribuir migalhas e honrarias baratas aos dignatários e representantes nomeados pela soberania popular é brincar com o fogo. Ora, brincar com o fogo, resulta em queimaduras e, neste caso, quem se queima é a soberania nacional congolesa (mas esta já é uma queimadura histórica, que começou com o assassinato de Lumumba).
Nas democracias (por muito incipientes que sejam) não é necessário dialogar para organizar eleições. O principal é a vontade política de as realizar e de respeitar as regras. Se o presidente Kabila desejasse o diálogo deveria ter dialogado após ter vencido as eleições de 2011 (que muitos definiram como caos eleitoral). Um diálogo nacional sobre o futuro do país teria sido um exemplo de bom senso. Ao contrário, o presidente Joseph Kabila preferiu governar sozinho, distribuindo os talheres, pratos e tachos através de uma “coisa” denominada “Maioria Presidencial”.
Foram as condições de segurança do país e da região que obrigaram o governo da RDC a efectuar o diálogo, imposto através do acordo de Adis-Abeba de 2013 e pela resolução 2277 do Conselho de Segurança da ONU. É claro que este diálogo é sempre confuso, se considerarmos que ele não é efectuado entre as forças vivas da nação congolesa (trabalhadores, sindicatos, camponeses pobres, comunidades) mas sim entre os decadentes extractos das oligarquias neocolonialistas congolesas. É um diálogo entre ratazanas para definir as fatias de queijo pertencentes a cada um, desde que a porção maior fique com o “Líder Máximo”. Tshisekedi limita-se a ficar em bicos de pés, como se fosse um extraordinário bailarino clássico, de forma a apanhar as migalhas mais grossas.
A RDC está na presença de três Congos, profundamente antagónicos, sendo dois deles visceralmente neocoloniais e submetidos ao imperialismo: 1) o “Congo do Poder”, com Kabila na presidência, infinitamente negligente e fortemente determinado a dominar sem restrições; 2) o “Congo da oposição”, teatral, dramático, comediante; 3) por fim o “Congo do Povo”, democrático, progressista, alicerçado nos princípios de Patrice Lumumba, visceralmente anti-imperialista e sem qualquer confiança nos dois Congos oligárquicos.
A polarização é, pois, inevitável. O que resta saber é para onde as consequências da polarização conduzem.
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