Adriano Moreira – Diário de Notícias, opinião
O projeto da Unidade Europeia, que mereceu secular atenção de alguns dos mais ilustres pensadores da história política, teve frequentemente a marcha impedida pela liderança de dirigentes mais dotados de ambição do que de sabedoria, e sobretudo sem qualquer código de valores disciplinantes. Mas talvez estejamos a enfrentar uma das mais perigosas circunstâncias, e seguramente o obstáculo menos transponível, que é o nível das lideranças que, depois das últimas guerras mundiais e fim da Guerra Fria, foram incapazes de formular um conceito estratégico orientador. Escolho para referência as palavras de Coudenhove-Kalergi no Manifesto de 1924, na data em que promoveu a instalação em Viena do Movimento Pan-Europeu: "A questão europeia é esta: será possível que, na pequena quase-ilha europeia, vinte e cinco Estados vivam, lado a lado na anarquia internacional, sem que um tal estado de coisas conduza à mais terrível catástrofe política, económica e cultural? O futuro da Europa depende da resposta que seja dada a esta pergunta... Não podemos cansar-nos de repetir esta verdade simples: uma Europa dividida conduz à guerra, à agressão, à miséria, uma Europa unida conduz à paz, à prosperidade."
A guerra de 1939-1945 encontrou na paz, que pelas destruições parecia já a dos cemitérios, as lideranças capazes de, entre rivalidades e projetos dos poderes então mais destacados e com vocação diretória chegarem ao Gold Exchange Standard, assinar o Tratado de Roma em 1957, criando a chamada Comunidade dos Seis, que uniu a Alemanha Federal, a França, a Itália, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo, com intervenção de homens que tinham frequentado os congressos de Kalergi. Como é frequente na história das grandes tragédias europeias, foi agora a limitada previsão do primeiro-ministro Cameron do Reino Unido, olhando ao seu mal pensado processo eleitoral, que se demonstrou suficiente para desencadear o desnorte em que se encontra a Europa. Ocasião para relembrar como os EUA defenderam, depois da guerra, o processo unitário contra a posição soviética, para não deixar de meditar sobre o fato de Obama ter vindo apoiar a manutenção do Reino Unido na União, e o inacreditável milionário Donald Trump ter desembarcado no Reino Unido mostrando-se feliz com a conclusão do plebiscito.
O risco ocidental ficou sublinhado imediatamente pelos prognósticos com que os responsáveis observadores, comentadores e analistas procuraram ajudar a antecipar a visão do futuro. Há porém dois factos que desde agora estão evidentes. O primeiro é que a crise Europa-Reino Unido se inscreve no incerto outono ocidental a que fomos conduzidos, alertando as lideranças possíveis do pensamento estratégico americano, porque contraditórias sobre o acontecimento que também lhes respeita: o Reino Unido é um pilar fundamental da NATO, a segurança que incumbe à NATO abrange a Europa, e a circunstância que rodeia a União vai crescer de exigência se o resultado do plebiscito implicar com a Unidade do Reino Unido.
As manifestações imediatas da Escócia e da Irlanda do Norte colocam seriamente em risco a coroa britânica e também suscitam um problema ao poder militar da NATO quanto à situação das suas instalações no território do Reino Unido, se este se dividir. Um risco que de facto pode ser imputado à decisão mal pensada do primeiro-ministro, que também pareceu estar imune à ideologia do orçamentalismo do europeísmo em exercício.
O segundo facto que inevitavelmente exige mais do que meditação, porque também cuidado, é a convocação feita pela Alemanha da reunião dos seis fundadores da União para avaliar a situação. É preocupante porque é impossível não temer que se imaginem como curadores de um pensamento fundacional do qual a má gestão se afastou até ao desastre atual. Os membros da União, que mais têm sido vítimas dos erros cometidos, dos sacrifícios exigidos, dos perigos da circunstância ignorada, não podem ser indiferentes à inoportunidade da iniciativa. Não existe um grupo de curadores da herança que foi dissipada. Existem vinte e sete herdeiros sem benefício de inventário. Que enfrentam com dificuldades de êxito a prática do terrorismo, que tem como estratégia matar inocentes com economia de sacrificados crentes, e atualmente, não obstante o Frontex da União Europeia, esta enfrenta hoje aquilo que já foi chamado "a guerra que recusa o nome". Trata-se de incluir a multidão de refugiados que avançam pacificamente em direção à Europa suposta suficientemente rica, a qual exige o cumprimento dos deveres humanitários, mas que levou o Congresso do PPE a dividir-se, na reunião recente de Madrid, com Viktor Orbãn a temer "a democracia europeia" e a surpreendente Merkel a defender que "todos os que chegam à Europa para fugir de uma guerra têm de ser tratados de forma humana". Mas não esqueceu a fragilidade do Frontex. O conceito estratégico de segurança não é uma superficialidade para nenhum governo.
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