Rui Peralta, Luanda
O empreendedorismo é apresentado como uma solução para a força de trabalho excedente, não absorvida, uma possível solução para o desemprego. Pelo menos este é o discurso dominante que promove esta prática e, efectivamente, assim o pode ser. Mas, por debaixo do discurso promotor das competências empreendedoras, impõe-se uma ideologia funcional que reproduz culturalmente os processos de acumulação do capital e que assenta na concorrência como fórmula mágica e no capitalismo como como fatalidade bíblica. Para trás ficam a solidariedade e a cooperação, distorce-se o papel do individuo e os seus direitos efectivos e perde-se o sentido do colectivo.
O grande objectivo deste tipo de empreendedorismo, desta ferramenta do neoliberalismo, é a criação de uma economia feita de trabalhadores que adquirem comportamentos de unidade-empresa e não como colectivos de produtores. A forma empresa integrará toda a sociedade, tornando-se um princípio vectorial que se infiltra em todas as relações sociais. Da família ao Estado nada lhe escapa. Quanto ao mercado tornar-se-á numa imensa fornalha reprodutora de escravos, de mão-de-obra de baixíssimo custo, isenta de custos sociais e de direitos tanto de produtores como de consumidores, um imenso aparelho sob controlo directo das oligarquias. É um imenso processo de colonização que leva os valores do capitalismo a todos os âmbitos da vida social e a todas as esferas da sociedade humana.
A ética imposta por estes valores comporta a ideia de que o pobre é pobre porque não é – e não quer ser - empreendedor, gera uma falsa consciência do sujeito. Os que não empreendem são “falhados, derrotados”, fogem do “sucesso”, são “indolentes” que fogem da concorrência permanente. Os que “fracassam” não dispõem dos sinais do “êxito”, não absorveram os valores empreendedores como o “talento”, a “inovação”, o “carisma”, a “liderança”, etc. Desta forma ocultam-se os processos sociais que possibilitam estes valores, escondem-se as relações sociais no mundo do trabalho, a exploração da força de trabalho, criada através da invisibilidade dos rendimentos-extra gerados no modo de produção capitalista. A burguesia possui riqueza porque oculta e explora e essa é a sua racionalidade. Não há “talento” nas relações sociais de produção. O que há é uma relação de domínio/submissão, de exploração.
Na ideologia do empreendedorismo o sujeito passa de assalariado (o que vende a sua força de trabalho, o seu conhecimento, no mercado de trabalho) a um “empresário de si próprio”. E é aqui que consiste a armadilha que gera uma falsa consciência da realidade. Ele desce no escalão social, efectivamente, porque perde direitos e adquire uma actividade precária, que o irá fazer arrastar-se por toda uma vida a pagar dividas á banca, a bajular o aparelho de Estado em troca de uns trocos, e o partido como centro de negócios.
Empreender sim, mas de forma consciente e não como processo de alienação. Empreendedorismo sim, mas no sentido de potenciar a criatividade, a inteligência, a inovação, a excelência do serviço e da produção. Empreender no sentido da cooperação e da solidariedade e não em exclusivo nos processos de concorrência. Criar processos de empreendedorismo que fomentem transformações de atitude dos produtores e operadores que gerem dinamização económica local, potenciando as articulações com o meio envolvente. Empreendedorismo sim, mas no sentido dos empreendedores criarem os seus próprios circuitos financeiros solidários e as suas redes logísticas colectivas. Empreendedorismo sim, mas no sentido da partilha de conhecimento, saberes e tecnologias.
Empreender sim. De verdade, como processo de socialização. Nunca como alienação.
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