Nuno Saraiva – Diário de Notícias, editorial (26.06.2012)
A resposta da União Europeia à decisão soberana do Reino Unido de desencadear o processo de saída não podia ter sido pior e só demonstra quão mal servidos estamos de liderança política. Além de uma pulsão retaliatória que se traduz na exigência histérica para que o divórcio seja assinado com urgência - fala-se de saída limpa como se isso fosse possível num processo de separação litigiosa -, o bando dos seis fundadores do clube europeu, alcandorados em donos disto tudo, decidiu reunir-se em Berlim - onde mais? - para pressionar Londres a pôr-se ao fresco e afirmar que, naquele grupo, ninguém aceita que "lhes tirem a sua Europa". Reagem assim à emergência de movimentos nacionalistas e soberanistas que se mexem para exigir a replicação nos seus países de referendos idênticos ao do Reino Unido, como se a Europa fosse deles e não dos povos. Esta gente não percebeu nada, ou não quer perceber o que se está a passar. O brexit e as personagens que o defenderam e apoiaram não são a causa da doença europeia mas sim a consequência da mediocridade de certa gente. O que está errado não é a decisão tomada pelos britânicos, mas sim o rumo que a União Europeia seguiu e que conduziu a este desfecho. Quem falhou, e pelos vistos continuarão a falhar, foram os líderes do diretório que, em nome de um pacto orçamental estúpido como um dia lhe chamou Romano Prodi, valorizam os números em prejuízo do bem-estar das pessoas. Sim, as regras têm de existir e devem ser cumpridas na medida do possível. Mas, como disse um dia o presidente Jorge Sampaio, num país há mais vida para lá do défice, ou seja, os cidadãos não são números em folhas de Excel. Dito isto, importa ainda uma outra reflexão. A esquerda ficou fora deste debate no Reino Unido. Corbyn não conta, até porque a sua prestação neste referendo foi uma autêntica vergonha. E, pela falta de comparência, permitiu que o seu euroceticismo fosse colonizado pelos argumentos xenófobos e racistas, pelo discurso do medo e pela demagogia e pelo populismo da direita mais radical. Por este andar, o projeto europeu continuará a definhar e a Europa insistirá em fechar as fronteiras e a escorraçar os refugiados. Anteontem foi no Reino Unido. Hoje será em Espanha, com eleições de desfecho previsível. E amanhã ou depois será na França de Le Pen, na Itália de Beppe Grillo ou na Holanda de Wielders.
P.S. - Despeço-me hoje dos leitores do DN, oito anos depois de aqui ter entrado. Ao fim de 25 anos de jornalismo, decidi fazer uma pausa e experimentar um novo desafio profissional. É a vida. Ao André Macedo, o diretor, agradeço por tudo o que me ensinou nestes dois anos, pela lealdade e pelo entusiasmo com que nos contaminou a todos para fazermos todos os dias um melhor jornal. À administração, agradeço a confiança e as oportunidades que sempre me proporcionaram. Mas devo sobretudo gratidão aos meus camaradas de redação. A todos os jornalistas, fotógrafos, gráficos e outra gente indispensável à feitura diária deste jornal. Sem vocês eu jamais seria o que sou. E isso não tem preço. O Diário de Notícias será sempre o meu jornal e vocês serão sempre meus camaradas. Obrigado por tudo e até breve. Continuaremos a ver-nos por aí.
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