Afonso Camões* – Jornal de Notícias, opinião
Habituados há 40 anos a partilharem entre si as centenas de altos cargos do aparelho de Estado, aos dois principais partidos do nosso regime deu-lhes para afiarem a língua e carregarem no verbo, em vésperas de irem a banhos. São jogos florais de verão, cujo último arrufo foi a eleição falhada de Correia de Campos para a presidência do Conselho Económico e Social, contrariando o acordo de bastidores entre PS e PSD. Isto para além da troca de acusações sobre o governo da Caixa, e mais ainda sobre o que foi o desgoverno da Banca nos últimos anos, debaixo do nariz cúmplice desses mesmos partidos quando governaram.
Uns e outros precisam de satisfazer a clientela e dão-se mal na Oposição. Mal refeito e ressentido do improvável afastamento do poder, há seis meses, Passos Coelho aposta no falhanço da atual solução política e procura fazer prova de vida, perante um PSD inquieto, que reclama mais agressividade. Também não está fácil a vida no PS, ainda a sarar feridas da última disputa da liderança. E é muito estreito o caminho de António Costa, entalado entre a execução orçamental, o cumprimento das metas do défice para satisfazer o apetite voraz dos credores e de Bruxelas e as exigências dos seus parceiros à Esquerda.
O momento da verdade vai ser o debate e o desfecho sobre o Orçamento para 2017, já depois de se saberem as consequências das sanções que a Comissão Europeia nos quer aplicar, por incumprimento das metas fixadas por um tratado iníquo e desigual que é preciso denunciar. Porque é hoje cada vez mais claro que o problema de Bruxelas não está no desequilíbrio das nossas finanças (maior em França, Itália, Grécia e Espanha), mas antes no desconforto político com uma solução de governo que não lhes presta vassalagem. Isto, num tempo de inquietante desgoverno da própria União, a braços com a crise financeira, com a saída da Inglaterra, com a crise dos refugiados, com os afloramentos de terrorismo, e incapaz de políticas comuns - da fiscalidade ao emprego, da ordem externa à segurança interna e ao controlo das suas fronteiras.
As recriminações entre dirigentes dos nossos principais partidos subiram de tom nos últimos dias e até o Diabo foi chamado à conversa. É neste ambiente que o presidente Marcelo os chama a Belém, terça-feira, quando o cheiro a eleições volta a pairar. Há quem anteveja uma nova crise política lá para o outono, a juntar ao garrote financeiro. Ora, sendo o Diabo o mestre da mentira e da dissimulação, veremos quem são os políticos com vontade de vestir a pele de discípulos.
* Diretor
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