segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A corrupção e a função social do jornalista

 

Quinta-feira, 31 de Maio de 2012   |   ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 696

ÉTICA & JORNALISMO
A corrupção e a função social do jornalista
Por José Cleves em 04/10/2011 na edição 662

Passou da hora de os jornalistas trocarem a crítica genérica sobre a corrupção no país por algo mais prático. Quando o veneno da execração pública já não mais resolve (veja caso Maluf), “porque o crime compensa” (dos R$ 40 bilhões desviados dos cofres públicos federais entre 2002 e 2008, como informa a Fundação Getúlio Vargas, creio que nem 1% foi ressarcido ao erário), a solução é evitar que o mal aconteça e a imprensa pode fazer isso porque corrupção é uma doença contagiosa que prolifera pela omissão. A verdade é que a lei que trata do crime de improbidade administrativa (8.429/92) é maravilhosa na teoria e ordinária na prática.
Não acredito em crime perfeito e não admito o argumento de que esse é um problema estritamente da polícia. Ora, todo mundo sabe que polícia trabalha na consequência do fato. A Militar patrulha e registra ocorrências e a judiciária (Civil e Federal) investiga o fato acontecido. Nenhuma delas tem a função de fiscalizar os órgãos públicos. Esta é uma tarefa do Ministério Público, que é um poder autônomo e desvinculado dos demais, que são por ele fiscalizados – inclusive a polícia (art. 127 a 130 da CF). Mas não é operacional. O promotor não frequenta repartições públicas, não acompanha fisicamente o dia-a-dia da política, não fuça gabinetes. O mesmo pode-se dizer dos conselheiros dos Tribunais de Contas, outra instituição desvinculada dos demais poderes e responsável pela fiscalização das contas públicas – dinheiro, bens e valores públicos (art. 71 CF).
Portanto, sobrou para os jornalistas, que são obrigados a escarafunchar gabinetes, levantar tapetes e se intrometer nos negócios do governo para relatar ao público o que os seus representantes e prepostos estão fazendo com o seu dinheiro. Por essa razão, não podemos ficar no limite do escândalo. Imagine um médico pasmo com o agravamento da doença de seu paciente, sem fazer nada. Ao repórter omisso, aplica-se a mesma premissa do juramento hipocrático, por crime de má conduta na apuração do fato. Como a nossa atividade é autônoma e sem uma autorregulação, pela ausência de um conselho federal, por exemplo, ela foge ao controle do Estado e da própria classe, não havendo meios legais para se punir o mau profissional, a não ser quando ele comete crimes comuns previstos em lei.

FRENTE CONTRA A CORRUPÇÃO
A informação é um bem social imprescindível – foi por falta dela que os Estados Unidos sofreram o 11 de setembro, o maior atentado terrorista da história. O Estado democrático e o dever de ofício levam o jornalista e o promotor à condição de predadores dos agentes públicos infiéis – um fuça e o outro jurisdiciona – com a diferença de que o salário do promotor é pago pelos contribuintes, que não visam ao lucro. Já o jornalista presta serviço para empresários que só pensam em dinheiro. O promotor desonesto pode perder o emprego para sempre, mas se o repórter pegar um jabá, por exemplo, corre o risco de ficar desempregado temporariamente porque essa é uma prerrogativa do veículo onde trabalha. Ou seja, no caso do jornalista, a relação patrão-empregado não passa pelo crivo da moralidade.
É por essas e outras razões que defendo, ardentemente, a autorregulação da profissão de jornalista, seja através de um conselho ou ordem, para o autocontrole da conduta ética e profissional da categoria, através de instrumentos que vão além de meros preceitos éticos. É humilhante uma classe de intelectuais como a nossa, responsável por tão nobre missão, não ter competência para se organizar na forma de uma instituição como a dos advogados ou médicos, por exemplo, que possuem instrumentos próprios para o controle dos registros profissionais. Não admito que o controle de registro profissional do jornalista continue sendo feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, se temos plenas condições de ter o seu domínio de forma mais eficiente e competente.
Lavando a roupa suja, temos que considerar que boa parte dos jornalistas peca por falta de qualificação ou de caráter – ou dos dois juntos. A falta de caráter não tem cura (e nem ensinamentos, como pensava Sócrates), mas qualificar é possível. Por isso sugiro à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e demais entidades representativas da classe que realizem um encontro nacional da categoria para conscientizá-la sobre o seu real papel na fiscalização dos agentes públicos e orientá-la sobre meios e métodos de atuação – os critérios de conduta ética e a importância da imprensa como guardiã do patrimônio público. O mote do encontro seria o verdadeiro papel da imprensa diante do aumento da corrupção no país. Como convidados, teríamos a participação de representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Polícia, do Tribunal de Contas e do Poder Legislativo e Executivo.
Venda de espaço
Além de integralizar esses poderes, assuntos importantes, como o acesso aos registros públicos e o aspecto jurisdicional das ações, enriqueceriam o debate na busca de um atalho para o combate à corrupção no país. O Brasil conta hoje com 5.502 municípios, creio que 70% deles com cobertura jornalística, seja por veículos próprios ou regionais. Segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), existem no país 4.056 jornais filiados à entidade e um número não calculado de não filiados. Mas, em termos efetivos, pode-se dizer que 90% deste trabalho é ineficiente. Ou seja, praticamente sem nenhuma fiscalização jornalística rigorosa.
Moral da história, o que estava ruim, piorou ainda mais. Até porque existem os jornais pontuais, que surgem em época de eleição para dar apoio a este ou aquele candidato. São panfletos que não deveriam ter nenhum crédito, mas são formadores de opinião – e o pior: por traz de cada um desses jornais tem sempre um jornalista fazendo bico para sobreviver.
Sei que a forma com a qual a imprensa nanica fiscaliza os agentes públicos no interior é altamente favorável à corrupção porque a maioria destes veículos depende de verbas públicas para sobreviver. Vende espaço e opinião em troca de favores. Esta relação incestuosa anula a imprensa e faz do jornalista um contribuinte passivo da corrupção. Ora, é compreensível que o dono de um jornal do interior dependa de verbas públicas para custear o seu veículo, mas ele não pode se anular por completo. Tem, no mínimo, que cumprir a sua obrigação de informar o público sobre todos os fatos políticos que ocorrem na cidade porque é função do jornalismo nos regimes democráticos fiscalizar os poderes públicos e privados e assegurar a transparência das relações políticas, económicas e sociais.

O jornalismo declaratório
Resultado de imagem para A corrupção e a função social do jornalistaPor conta disso, a imprensa e a mídia são, às vezes, cognominadas de o Quarto Poder, aquele que é responsável pela fiscalização dos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim sendo, é obrigação do jornalista fazer a cobertura sistematicamente do Poder Legislativo, comparecendo a todas as reuniões ordinárias e extraordinárias para levar ao público o que rola nos seus bastidores e com isso fiscalizar o Poder Executivo, que sem o Legislativo não faz nada. É preciso, ainda, ter profundo conhecimento do seu Regimento Interno e da Lei Orgânica do Município.
Recomenda-se que o material obtido nos debates públicos vá para o mix de reportagem, onde deve ser publicado com isenção, ficando as impressões jornalísticas para a seção de opinião. Com isso, o jornal cumpre o seu papel pela concisão do fato relatado. Este tipo de trabalho sério normalmente é reconhecido pelas autoridades, até porque o bom jornalista é aquele que se impõe pelo respeito e a seriedade de seu trabalho. O segredo é se informar bem para informar melhor ainda.
Vale lembrar que as coberturas dos poderes legislativos são exauridas ao final das reuniões porque este é um poder representativo de todos os interesses políticos e colectivos. Dentro desta Casa estão os representantes do povo, dos partidos políticos, do prefeito e de todos os demais segmentos da sociedade, de forma que se a fala de um vereador ou de um deputado ofender alguma autoridade, lá estará, com certeza, o representante legal deste para fazer a sua defesa. Se isso não ocorre, não é problema do repórter. Funciona assim. É o que chamamos de jornalismo declaratório – um fala e outro se defende, através de um debate democrático e salutar. O jornalista, neste caso, é mero mediador de fatos.

Relação estritamente profissional
Outra atenção especial deve ser dada às licitações públicas que, por lei, são publicadas na imprensa oficial. O repórter precisa conhecer a lei que rege as licitações públicas, ler os editais e checar os aditivos, que não podem passar de 25% do valor da obra ou do serviço a ser prestado. É sabido que as principais irregularidades detectadas pelos Tribunais de Contas nas prestações de contas dos municípios estão nas licitações, movimentação de pessoal e no setor de compras, procedimentos esses que não passam pelo Legislativo. Portanto, é necessário ao repórter ficar atento a tudo isso porque o tamanho do dinheiro público que vai para o ralo depende do tamanho da omissão jornalística. Até porque, é sempre bom lembrar, o poder judiciário trabalha por provocação. Por isso é importante ao jornalista atuar em parceria com o Ministério Público, que tem poderes para, entre outras coisas, mover uma ação cível pública contra um prefeito ou vereadores por crime de improbidade administrativa.
A eficiência jornalística tem tudo a ver com a conduta pessoal do jornalista. Portanto, o ideal é que o repórter evite qualquer relação que venha mais tarde a criar constrangimentos para o livre exercício da profissão. O repórter não deve ter nenhuma relação de amizade com políticos e demais autoridades que fazem parte de seu contexto profissional. Evitar ao máximo possível as informalidades, não aceitar nada que venha a comprometer o seu trabalho, como favores ou agrados, e não fazer parte dos segredos profissionais e/ou particulares de agentes públicos que ostentam poderes porque isso compromete a relação profissional. Eu não vou a festa de político, não lhe peço favores, não os aceito e nem dou margem para que eles me tratem como amigo. A nossa relação tem que ser estritamente profissional, de respeito mútuo, para que possamos ser céticos, críticos e independentes, como dever ser um bom jornalista.
Agindo desta forma qualificada e ética iremos, com certeza, contribuir muito para a redução da corrupção no país.

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[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]

NB: Artigo adaptado considerando o assunto em si, e o interesse público do mesmo. Os leitores o que têm para dizer sobre o assunto? Enviem-nos as vossas opiniões para e-amil: editorlitoralcentro@gmail.com

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