A propósito da visita do Papa Francisco à cidade sueca de Lund, a revista Catolicismo (edição nº 791, Novembro/2016) publica a matéria que abaixo reproduzimos. Tal visita tem por objetivo comemorar os 500 anos da pseudo “Reforma Protestante” [foto acima]. Como se sabe, no dia 31 de outubro de 1517, o monge apóstata Lutero oficialmente lançou seu brado de revolta contra Roma, difundindo seus erros e heresias.
Comemorando o heresiarca Lutero, que odiava a Igreja e o Papado
O magistério do Papa Francisco vem se caracterizando principalmente por gestos e atos simbólicos, acompanhados às vezes por palavras pouco propícias a dissipar a confusão. Neste sentido, sua participação nas comemorações da revolta de Martinho Lutero, o monge apóstata e heresiarca, é particularmente grave.
No dia 13 de outubro (data em que os católicos do mundo inteiro rememoram a última aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos de Fátima, em 1917), ocorreu no Vaticano um encontro do Pontífice com aproximadamente 1000 luteranos provenientes da região de Lutero, na Alemanha [foto ao lado].
Nessa ocasião, o Papa afirmou: “O proselitismo é o veneno mais forte contra o caminho ecumênico” (“Zenit”, 13-10-16). E, segundo a mesma agência de notícias, respondendo a uma pergunta, ele disse que “os grandes reformadores de nossas Igrejas são os santos”. E à outra pergunta, respondeu: “Gosto dos luteranos bons, aqueles que seguem a fé de Jesus Cristo. Não gosto dos católicos tíbios e dos luteranos tíbios”.
No referido encontro, o Papa confirmou sua viagem à cidade de Lund, na Suécia, no dia 31 de outubro, a fim de presidir, juntamente com a Federação Luterana Mundial, a comemoração da “Reforma Protestante”. Nessa data, há 499 anos, Lutero pregou suas 95 teses na porta da capela do castelo de Wittenberg — marco do início à reforma do heresiarca na Alemanha.
A comemoração de um fato histórico não é uma simples lembrança — como ocorre com os acontecimentos narrados num curso de História —, mas a recordação festiva e laudatória de fato julgado digno de admiração, de imitação, e mesmo de devoção. Em livro-entrevista, o cardeal Gerhard Müller foi peremptório: “Nós, católicos, não temos qualquer motivo para celebrar o dia 31 de outubro de 1517, data do início da Reforma”. Por sua vez, o cardeal Kurt Koch já havia prevenido em 2012: “Não podemos celebrar um pecado”. E acrescentou: “Os acontecimentos que dividem a Igreja não podem ser chamados dias de festa”.
Como pode o Papa participar ativamente das comemorações da revolta de Lutero contra a Igreja e o Papado sem dar aos católicos e não católicos a impressão de que ele admira os atos e as doutrinas do heresiarca?
Para fornecer alguns elementos de reflexão sobre a gravidade desse gesto, transcrevemos a seguir dois artigos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, fundador da TFP brasileira, escritos por ocasião do quinto centenário do nascimento de Lutero. Como o leitor poderá constatar, eles conservam toda a atualidade.
Lutero: não e não
Plinio Corrêa de Oliveira
Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 27 de dezembro de 1983
Tive a honra de ser, em 1974, o primeiro signatário de um manifesto publicado em cotidianos dos principais do Brasil e reproduzido em quase todas as nações onde existiam as então onze TFPs. Era seu título: A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas – Para a TFP: Omitir-se? Ou resistir? (cfr. “Folha de S. Paulo”, 10-4-74).
Nele, as entidades declaravam seu respeitoso desacordo face à “ostpolitik” conduzida por Paulo VI, e expunham pormenorizadamente suas razões para tanto. Tudo — diga-se de passagem — expresso de maneira tão ortodoxa que ninguém levantou a propósito qualquer objeção.
Para resumir numa frase, ao mesmo tempo toda a sua veneração ao Papado e a firmeza com a qual declaravam sua resistência à “ostpolitik” vaticana, as TFPs diziam ao Pontífice “Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”.
Lembrei-me desta frase com especial tristeza lendo a carta escrita por João Paulo II ao cardeal Willebrands (cfr. “L’Osservatore Romano”, 6-11-83), a propósito do quingentésimo aniversário do nascimento de Martinho Lutero, e assinada no dia 31 de outubro p.p. data do primeiro ato de rebelião do heresiarca, na igreja do castelo de Wittenberg. Está ela repassada de tanta benevolência e amenidade, que me perguntei se o Augusto signatário esquecera as terríveis blasfêmias que o frade apóstata lançara contra Deus, Cristo Jesus Filho de Deus, o Santíssimo Sacramento, a Virgem Maria e o próprio Papado.
O certo é que ele não as ignora, pois estão ao alcance de qualquer católico culto, em livros de bom quilate, os quais ainda hoje não são difíceis de obter.
Tenho em mente dois deles. Um, nacional é “A Igreja, a Reforma e a Civilização, do grande jesuíta Pe. Leonel Franca. Sobre o livro e o autor, os silêncios oficiais vão deixando baixar a poeira.
O outro livro é de um dos mais conhecidos historiadores franceses do século XX, Funck-Brentano, membro do Instituto de França, e aliás insuspeito protestante.
Comecemos por citar textos colhidos na obra deste último: “Luther” (Grasset, Paris, 1934, 7ª ed., 352 pp.) [capa ao lado]. E vamos diretamente a esta blasfêmia sem nome: “Cristo — diz Lutero — cometeu adultério pela primeira vez com a mulher da fonte, de que nos fala João. Não se murmurava em torno dele: “Que fez, então, com ela? Depois com Madalena, em seguida com a mulher adúltera, que ele absolveu tão levianamente. Assim Cristo, tão piedoso, também teve de fornicar, antes de morrer” (“Propos de table”, nº 1472, ed. de Weimar 2. 107 – cfr op. cit. p. 235).
Lido isto, não nos surpreende que Lutero pense — como assinala Funck-Brentano — que “certamente Deus é grande e poderoso, bom e misericordioso [...] mas é estúpido — “Deus est stultissimus” (“Propos de table”, no. 963, ed. de Weimar, I, 487). É um tirano. Moisés agia movido por sua vontade, como seu lugar-tenente, como carrasco que ninguém superou, nem mesmo igualou em assustar, aterrorizar e martirizar o pobre mundo” (op. cit. p. 230).
Tal está em estrita coerência com estoutra blasfêmia, que faz de Deus o verdadeiro responsável pela traição de Judas e pela revolta de Adão: “Lutero — comenta Funck-Brentano — chega a declarar que Judas, ao trair Cristo, agiu sob imperiosa decisão do Todo-poderoso. Sua vontade (a de Judas) era dirigida por Deus: Deus o movia com sua onipotência. O próprio Adão, no paraíso terrestre, foi constrangido a agir como agiu. Estava colocado por Deus numa situação tal que lhe era impossível não cair” (op. cit. p. 246).
Coerente ainda nesta abominável sequência, um panfleto de Lutero intitulado “Contra o pontificado romano fundado pelo diabo”, de março de 1545, chamava o Papa, não “Santíssimo”, segundo o costume, mas “infernalíssimo”, e acrescentava que o Papado mostrou-se sempre sedento de sangue (cfr. op. cit. pp. 337-338).
Não espanta que, movido por tais ideias, Lutero escrevesse a Melanchton, a propósito das sangrentas perseguições de Henrique VIII contra os católicos da Inglaterra. “É lícito encolerizar-se quando se sabe que espécie de traidores, ladrões e assassinos são os papas, seus cardeais e legados. Prouvesse a Deus que vários reis da Inglaterra se empenhassem em acabar com eles” (op. cit. p. 254).
Por isso mesmo exclamou ele também: “Basta de palavras: o ferro! o fogo!” E acrescenta: “Punimos os ladrões à espada, por que não havemos de agarrar o papa, cardeais e toda a gangue da Sodoma romana e lavar as mãos no seu sangue?” (op. cit., p. 104).
Esse ódio de Lutero o acompanhou até o fim da vida. Afirma Fuck-Brentano: “Seu último sermão público em Wittenberg é de 17 de janeiro de 1546; o último grito de maldição contra o papa, o sacrifício da missa, o culto da Virgem” (op. cit., p. 340).
Não espanta que grandes perseguidores da Igreja tenham festejado a memória dele. Assim “Hitler mandou proclamar festa nacional na Alemanha a data comemorativa de 31 de outubro de 1517, quando o frade agostiniano revoltoso afixou nas portas da igreja do castelo de Wittenberg as famosas 95 proposições contra a supremacia e as doutrinas pontifícias” (op. cit., p. 272).
E, a despeito de todo o ateísmo oficial do regime comunista, o Dr. Erich Honnecker, presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Defesa, o primeiro homem da República Democrática Alemã, aceitou a chefia do comitê que, em plena Alemanha vermelha, organizou as espalhafatosas comemorações de Lutero neste ano (cfr. “German Comments”, de Osnabruck, Alemanha Ocidental, abril de 1983).
Que o frade apóstata tenha despertado tais sentimentos num líder nazista, como mais recentemente no líder comunista, nada de mais natural.
Nada mais desconcertante e até vertiginoso, do que o ocorrido quando da recentíssima comemoração do quingentésimo aniversário do nascimento de Lutero num esquálido templo protestante de Roma, no dia 11 do corrente.
Deste ato festivo, de amor e admiração à memória do heresiarca, participou o prelado que o conclave de 1978 elegeu Papa. E ao qual caberia, portanto, a missão de defender, contra heresiarcas e hereges, os santos nomes de Deus e de Jesus Cristo, a Santa Missa, a Sagrada Eucaristia e o Papado!
“Vertiginoso, espantoso” — gemeu, a tal propósito, meu coração de católico. Que, sem embargo, com isto redobrou de fé e veneração pelo Papado.
No próximo artigo me resta citar “A Igreja, a Reforma e a Civilização”, do grande Pe. Leonel Franca.
Lutero pensa que é divino!
Plinio Corrêa de Oliveira
Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 10 de janeiro de 1984
Não compreendo como homens da Igreja contemporâneos, inclusive dos mais cultos, doutos ou ilustres, mitifiquem a figura de Lutero, o heresiarca, no empenho de favorecer uma aproximação ecumênica, de imediato com o protestantismo, e indiretamente com todas as religiões, escolas filosóficas etc. Não discernem eles o perigo que a todos nos espreita, no fim deste caminho, ou seja, a formação, em escala mundial, de um sinistro supermercado de religiões, filosofias e sistemas de todas as ordens, em que a verdade e o erro se apresentarão fracionados, misturados e postos em balbúrdia? Ausente do mundo só estaria — se até lá se pudesse chegar — a verdade total; isto é, a fé católica apostólica romana, sem nódoa nem jaça.
Sobre Lutero — a quem caberia, sob certo aspecto, o papel de ponto de partida nessa caminhada para a balbúrdia total — publico hoje mais alguns tópicos que bem mostram o odor que sua figura revoltada espargiria nesse supermercado, ou melhor, nesse necrotério de religiões, de filosofias, e do próprio pensamento humano.
Segundo em anterior artigo prometi, tiro-os da magnífica obra do padre Leonel Franca S. J., “A Igreja, a Reforma e a Civilização” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1934, 558 pp.).[capa ao lado]
Elemento absolutamente característico do ensinamento de Lutero é a doutrina da justificação independente das obras. Em termos mais chãos, que os méritos superabundantes de Nosso Senhor Jesus Cristo só por si asseguram ao homem a salvação eterna. De sorte que se pode levar nesta Terra uma vida de pecado, sem remorsos de consciência, nem temor da justiça de Deus.
A voz da consciência era, para ele, não a da graça, mas a do demônio!
Por isso escreveu a um amigo que o homem vexado pelo demônio, de quando em quando “deve beber com mais abundância, jogar, divertir-se e mesmo fazer algum pecado em ódio e acinte ao diabo, para lhe não darmos azo de perturbar a consciência com ninharias [...] Todo o decálogo se nos deve apagar dos olhos e da alma, a nós tão perseguidos e molestados pelo diabo” (M. Luther, “Briefe, Sends breiben und Bedenken”, e. De Wette, Berlim, 1825-1828 – cfr. op. cit., pp. 199-200).
Neste sentido, escreveu ele também: “Deus só te obriga a crer e a confessar. Em todas as outras coisas te deixa livre e senhor de fazeres o que quiseres, sem perigo algum de consciência; antes é certo que, de si, Ele não se importa, ainda mesmo se deixasses tua mulher, fugisses do teu senhor e não fosses fiel a vínculo algum. E que se lhe dá (a Deus), se fazes ou deixas de fazer semelhantes coisas?” (“Werke”, ed. de Weimar, 12, pp. 131 ss. — cfr. op. cit., p. 446).
Talvez ainda mais taxativo é este incitamento ao pecado, em carta a Melanchton, de 1º de agosto de 1521: “Sê pecador, e peca a valer (esto peccator et pecca fortiter), mas com mais firmeza ainda crê e alegra-te em Cristo, vencedor do pecado, da morte e do mundo. Durante a vida presente devemos pecar. Basta que pela misericórdia de Deus conheçamos o Cordeiro que tira os pecados do mundo. Dele não nos há de separar o pecado, ainda que cometêssemos por dia mil homicídios e mil adultérios” (Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 2, p. 37 – cfr. op. cit. p. 439).
Tão descabelada é esta doutrina, que o próprio Lutero a duras custas nela conseguia acreditar: “Nenhuma religião há, em toda a Terra, que ensine esta doutrina da justificação; eu mesmo, ainda que a ensine publicamente, com grande dificuldade a creio em particular” (Werke”, ed. de Weimar, 25, p. 330 – cfr. op. cit., p. 158).
Mas os efeitos devastadores da pregação assim confessadamente insincera de Lutero, ele mesmo os reconhecia: “O Evangelho hoje em dia encontra aderentes que se persuadem não ser ele senão uma doutrina que serve para encher o ventre e dar larga a todos os caprichos” (“Wekw”, ed. de Weimar, 33, p. 2 – cfr. po. cit., p. 212).
E Lutero acrescentava, acerca de seus sequazes evangélicos, que “são sete vezes piores que outrora. Depois da pregação da nossa doutrina, os homens entregaram-se ao roubo, à mentira, à impostura, à crápula, à embriaguez e a toda espécie de vícios. Expulsamos um demônio (o papado) e vieram sete piores” (“Werke”, ed. de Weimar, 28, p. 763 – cfr. op. cit., p. 440).
“Depois que compreendemos não serem as boas obras necessárias para a justificação, ficamos muito mais remissos e frios na prática do bem [...] E se hoje se pudesse voltar ao antigo estado de coisas, se de novo revivesse a doutrina que afirma a necessidade do bem fazer para ser santo, outra seria a nossa alacridade e prontidão no exercício do bem” (“Werke”, ed. de Weimar, 27, p. 443 – cfr. op. cit., p. 441).
Todas essas insânias explicam que Lutero chegasse ao frenesi do orgulho satânico, dizendo de si mesmo: “Este Lutero não vos parece um homem extravagante? Quanto a mim, penso que ele é Deus. Senão, como teriam os seus escritos e o seu nome a potência de transformar mendigos em senhores, asnos em doutores, falsários em santos, lodo em pérolas!” (Ed. Wittemberg, 1551, t. 4, p. 378 – cfr. op. cit., p. 190).
Em outros momentos, a opinião que Lutero tinha de si mesmo era muito mais objetiva: “Sou um homem exposto e implicado na sociedade, na crápula, nos movimentos carnais, na negligência e em outras moléstias, a que se vêm ajuntar as do meu próprio ofício” (“Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 1, p. 232 – cfr. op. cit., p. 198). Excomungado em Worms em 1521, Lutero entregou-se ao ócio e à moleza. E a 13 de julho escreveu a outro prócer protestante, Melanchton: “Eu aqui me acho, insensato e endurecido, estabelecido no ócio, oh dor!, rezando pouco, e deixando de gemer pela Igreja de Deus, porque nas minhas carnes indômitas ardo em grandes labaredas. Em suma, eu que devo ter o fervor do espírito, tenho o fervor da carne, da libidinagem, da preguiça, do ócio e da sonolência” (Briefe, Sendscheiben und Bedenken”, ed. De Wette, 2, p. 22 – cfr. op. cit. p. 198).
Num sermão pregado em 1532: “quanto a mim confesso — e muitos outros poderiam sem dúvida fazer igual confissão — que sou desleixado assim na disciplina como no zelo, sou muito mais negligente agora que sob o papado; ninguém tem agora pelo Evangelho o ardor que se via outrora” (“Saemtliche Werke”, ed. de Plochman-Irmischer, 28 (2), p. 353 – cfr. op. cit. p. 441).
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O que de comum se pode encontrar, pois, entre esta moral, e a da Santa Igreja Católica Apostólica Romana?
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 791, Novembro/2016 - ABIM
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