Cinco mil arguidos em dois anos. Suspensão provisória do processo obriga apenas a frequentar programas e a pagar multa
Mais de cinco mil agressores domésticos, com culpa provada ou assumida, foram dispensados de ir a julgamento e cumprir uma pena de prisão. Em causa a aplicação por parte dos magistrados do Ministério Público (MP) da chamada suspensão provisória do processo que limpa o cadastro a um arguido desde que seja cumprida a chamada "injunção" que tanto pode passar pelo pagamento de uma quantia ao Estado, a uma instituição de solidariedade social, pagamento de uma indeminização à vítima ou apenas pelo"castigo" de frequentar um programa ou tratamento específico.
Os dados constam do relatório relativo a 2015 e 2016, divulgado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que revela que o crime de violência doméstica - crime público desde 2000 e que por isso deixou de depender da queixa da vítima para ser investigado - é o terceiro na lista dos mais escolhidos pelos magistrados ao aplicarem esta forma simplificada de processo. Um mecanismo legal previsto no nosso sistema penal que dispensa um arguido de ir a julgamento desde que seja aplicada a injunção. Mesmo que assumam a culpa ou que MP considere as provas evidentes para os condenar. Uma medida que pode ser aplicável a todos os crimes com pena de prisão inferior a cinco anos, mas que nos casos de violência doméstica, o suspeito não pode ser reincidente e a vítima terá sempre de dar o seu consentimento, depois de esclarecida pelas autoridades. Sendo que alguns desses casos são pedidos pelas próprias vítimas.
Contactado pelo DN, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) explica que estes casos são apenas aqueles que revelam "episódios pontuais" e em que se tenta resolver o "problema de raiz". Ou seja: casos em que os agressores sofrem de doenças como o alcoolismo e por isso a injunção aplicada passa pela frequência de um programa ou tratamento (ver entrevista ao lado).
No total, foram aplicadas 73.655 suspensões nesses dois anos: 19.863 pelo crime de condução sob o efeito do álcool e 8.804 por condução sem carta de condução. A violência doméstica vem logo a seguir com 5.030 casos. Sendo que o total de "castigos" aplicados a este tipo de agressores foram 7.911. Maioria foi a obrigação de "frequentar programas ou atividades", segundo explica o relatório que contabiliza 2.776 casos destes. Ainda assim, em mais de dois mil foi paga uma indemnização ao lesado, ou houve a entrega de uma quantia ao Estado ou a uma instituição de solidariedade social. Já em 2014 Joana Marques Vidal recomendava aos procuradores que se recorresse mais vezes a este mecanismo legal em casos de violência doméstica e de abuso sexual de menores "não agravados pelo resultado".
Segundo o que o DN avançou na semana passada, um terço das 43 mulheres assassinadas pelos maridos nos últimos cinco anos, na Grande Lisboa já tinha apresentado queixa às autoridades por violência doméstica. Ou seja. 13 casos. Mais de metade das vítimas estava em processo de separação (51,2%), por iniciativa delas, e a grande maioria das mortes (68,4%) aconteceu no prazo de dois meses após a separação. Conclusões que estão no estudo "Homicídio, femicídio e stalking no contexto das relações de intimidade", desenvolvido pela Polícia Judiciária, em parceria com a Universidade do Minho, com o Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz e o Ministério Público.
O relatório divulgado admite ainda que foram aplicadas suspensões provisórias do processo a crimes como a desobediência, ofensa à integridade física simples, consumo de drogas, detenção de arma proibida, abuso de confiança fiscal ou ameaça e coação. Há ainda 54 casos pelo crime de abandono de animais de companhia nos dois anos a que o documento se refere.
Fonte: DN
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