quarta-feira, 19 de abril de 2017

KIM JONG-UN E OS LOUCOS DE WASHINGTON


Lincoln Secco | Blog da Boitempo | São Paulo

Há de fato um grande perigo de desencadeamento de uma guerra com armas convencionais ou nucleares. Os loucos podem sempre provocá-la. Mas eles não estão em Pyongyang, e sim em Washington

A Coréia do Norte é um país. Esta verdade simples é inaceitável para a maior parte da imprensa mundial. É como se aquela nação não tivesse o direito de existir. Seria uma monarquia comunista, um país faminto e obsoleto ou uma ditadura sanguinária e terrorista.

Ainda que todas as coisas acima ditas fossem verdadeiras, nós acharíamos várias delas em outros países do mundo apoiados pelo “Ocidente”. Por isso, ninguém está interessado no povo da Coréia do Norte e muito menos em “libertá-lo”.

Depois de ocupada pelo Japão, a Coréia foi de fato libertada pelos aliados em 1945. A luta entre os comunistas e seus inimigos já mantinha o país dividido. Em 1950, depois da desocupação, iniciou-se a Guerra Civil. Os EUA invadiram o norte e capturaram a capital, Pyongyang, em outubro de 1950. Em apoio às tropas de Kim Il Sung, os chineses entraram secretamente na Coréia do Norte e iniciaram uma ofensiva. Depois de conquistarem Seul, os chineses sofreram a contra-ofensiva e recuaram até o famoso paralelo 38, que divide as duas Coréias. As lutas encarniçadas por posições no território coreano se prolongaram até julho de 1953.

A partir da implantação da Ditadura em 1961, a Coréia do Sul teve amplo progresso industrial. O norte, isolado (salvo pelo apoio chinês), teve que se manter com escassos recursos naturais. A ideologia Zuche, adotada pelo país, significa a perene busca da autonomia econômica e da soberania política. Mas o isolamento diplomático obrigou Kim Il Sung a destinar grande parte de seu orçamento para a defesa, visto que seu adversário não são as tropas sul-coreanas, mas o Exército dos EUA.

Sem as Forças Armadas descomunais que possui, a Coréia do Norte há muito teria sucumbido. E como qualquer país armado até os dentes, não se pode esperar que lá vigore a mais pura “democracia”. A propaganda difundida pela imprensa estadunidense e reproduzida no Brasil mostra o atual líder do país como o maior perigo à paz mundial. Adjetivos como louco, terrorista e lunático incrementam o medo das pessoas. Afinal, o “louco” é um jovem com armas nucleares!

Durante meio século, os sucessivos governos dos EUA desenvolveram artefatos nucleares. Os EUA foram o único país do mundo a agredir outro país com tais armas. Mas ninguém diz que há tresloucados com armas nucleares por lá. Nem mesmo na época da gang de Bush (aliás, continuador da dinastia de seu pai…), que ocupara antes a presidência. Como todos sabem, as eleições estadunidenses são indiretas e, mesmo assim, Bush Junior ganhou-as mediante fraude.
 
Se Kim Jong-un ou qualquer outro líder é louco, não sabemos. O fato é que sua política de ameaças faz todo o sentido e reflete a razão de Estado de um país sitiado há mais de 50 anos. Abdicar da possibilidade da guerra seria render-se e desintegrar o sistema socialista vigente. Que inimigos de esquerda ou direita o queiram, é compreensível. Mas acreditar que um estadista abandonaria o poder sem lutar é uma ilusão. Se ameaçado por uma invasão, poderia sim apelar para uso de  qualquer armamento. E os generais dos EUA, que não ignoram as lições de Clausewitz, sabem que a guerra leva a uma escalada para os extremos.

Seria louvável que os governos fossem varridos e as comunidades dispusessem para si dos trilhões de dólares que já foram gastos no mundo todo com a violência dos Estados entre si ou contra seus cidadãos. Mas mudar a razão das guerras não está em discussão aqui. O que está em jogo é mais uma progressiva propaganda do governo dos EUA para destruir um país. Já vimos a mesma história mentirosa sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein.

Há de fato um grande perigo de desencadeamento de uma guerra com armas convencionais ou nucleares. Os loucos podem sempre provocá-la. Mas eles não estão em Pyongyang, e sim em Washington.

*Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicado originalmente no Blog da Boitempo.

- em Opera Mundi

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