sexta-feira, 12 de maio de 2017

Macroscópio – Olhares sobre o Papa Francisco e o sentido da sua visita

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Com todas as atenções mobilizadas para Fátima nas 23 horas que o Papa Francisco estará em Portugal faz sentido olhar brevemente para o seu pontificado e, também, para o sentido da sua visita. Desta vez concentrando-me quase exclusivamente na comunicação social portuguesa e procurando não ser muito longo.
 
Nos últimos dias foram publicadas algumas entrevistas importantes onde se discutem as mudanças que o Papa Francisco está a introduzir na Igreja Católica. Breve apanhado:
  • “Se eu me visse como um verdadeiro embaraço para o Papa, parava amanhã”, entrevista de Rita Garcia no Observador ao cardeal George Pell, a terceira figura na hierarquia do Vaticano e foi nomeado para liderar a reforma económica da Santa Sé: "Não há uma resistência generalizada, pelo menos a nível financeiro. Há bolsas de resistência e três possíveis razões para isso acontecer: em primeiro lugar, as pessoas não gostam de mudanças; em segundo, algumas pessoas podem sentir que perderão poder com as alterações. E em terceiro, poderá haver pessoas que resistem à mudança e à transparência porque querem manter escondidas a ineficiência e até, possivelmente, a corrupção."
  • “As autoridades da Igreja são o único grupo que luta absolutamente contra o abuso de menores”, uma outra entrevista de Rita Garcia no Observador, agora ao cardeal Gerhard Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, onde se aborda com detalhe a evolução da atitute da hierarquia da Igreja face ao problema da pedofilia, mas também se fala das conclusões do sínodo dos bispos: "Não é possível ter dois tipos de cristianismo: um para uma elite, que respeita a palavra de Deus, e o outro para os outros, a quem impomos apenas alguns direitos e sacramentos, deixando que a vida corra como ela é. Jesus veio para mudar o velho mundo de pecado, do qual fazia parte o divórcio. Jesus explicou isto de forma muito clara".
  • “Espero que a Igreja tenha a coragem de aceitar os desafios e o rumo que o Papa pede”, uma entrevista ao superior provincial da Companhia de Jesus em Portugal, o padre José Frazão, realizada pela Renascença e pelo Público e onde se aborda como ser um jesuíta pode ter marcado a forma da pensar e actuar de Francisco: “Não olho para o Papa Francisco como o orgulho de ser jesuíta, mas percebemos que ele é modelado pelos exercícios espirituais e pelo apelo ao discernimento. E o discernimento é essa disposição interior para uma grande liberdade, para ler e para estar em contacto com a realidade e para perceber como é que o Evangelho se realiza nesta realidade. Isso é uma operação extraordinária e complexa, isto é, se negamos o que existe, procurar a vontade de Deus para o que existe é uma operação pouco honesta.”
  • “Um Papa jesuíta é uma coisa difícil de engolir”, de novo uma entrevista de Rita Garcia no Observador, desta vez a Arturo Sosa, Superior Geral da Companhia de Jesus, onde também se fala da relação do Papa com a congregação de que fazia parte: "Não sei que fama temos nós: às vezes boa, às vezes nem tanto, mas na Companhia de Jesus fala-se com muita liberdade. Ainda que no final a tomada de decisão caiba a alguém, o Superior, o Provincial, o Superior Geral, ou quem tiver essa responsabilidade, durante o processo discute-se e com dureza. Diz-se as coisas com toda a liberdade e também se trata de escutar o outro.
  • "Os bispos portugueses são neutros sobre o Papa Francisco", uma entrevista da TSF a Frei Bento Domingues onde este se confessa um fã do Papa Francisco mas não vê que isso aconteça com os bispos portugueses.

 
Relativamente às mudanças que o Papa Francisco está a introduzir na Igreja Católica foi também possível ler, nos últimos dias, alguns textos onde se procura avaliar o seu sentido e identificar os que se lhe opõem e os seus motivos. Três trabalhos que destaco:
  • Papa Francisco e a revolução que está a mudar o Vaticano, uma reportagem de Rita Garcia em Roma, onde esteve a trabalhar para o Observador. É um texto que relata as pequenas e grandes mudanças introduzidas pelo Papa Francisco, nele se ouvindo muitos dos vivem e trabalham no Vaticano, como o bispo português Carlos Azevedo: “O estilo de vida do Papa é uma provocação. Toda a Igreja se sente provocada e isso nota-se na simplicidade da vida. Compram-se carros menos vistosos, por exemplo. Aqui em Roma e em todo o mundo, as pessoas veem que têm de dar o exemplo, se não a palavra não pega, não tem autenticidade”.  
  • Os inimigos de Francisco, uma outra reportagem de Rita Garcia, esta centrada nas lutas internas no Vaticano, lutas que estão longe de ser uma novidade, pois os anteriores papas também suscitaram oposições, por vezes muito ruidosas. Uma das pessoas com quem a repórter falou em Roma foi Nello Scavo, autor do livro "Os inimigos de Francisco", que lhe disse, por exemplo: “As reformas teológicas, os confrontos doutrinais, os ataques com o florete e os golpes de sabre internos na cúria são objeto das crónicas quotidianas dos vaticanistas. Blogues, portais, artigos de jornal, newsletters: muitas vezes é uma batalha campal entre teólogos. Outras vezes, uma luta pela sobrevivência dos velhos poderes na cúria. Não faltam os mexericos, as disputas entre intelectuais «pronto‑a‑vestir», as habituais cartas anónimas”.
  • Os inimigos de Francisco são os cardeais com privilégios, uma entrevista de Nuno Ribeiro do Público com o mesmo Nello Scavo de que destaco esta passagem: “Um Papa que declarou que “essa economia mata”, como o fez na exortação apostólica Evangelii Gaudium, é um Papa diferente. O que lhe criou inimigos no seio da Igreja, porque é uma mudança radical da visão pastoral: é uma Igreja como uma janela aberta, não uma Igreja como poder político pessoal.”
 
Para conhecer um pouco melhor o que dizem e escrevem os críticos do Papa argentino uma das colunas indispensáveis é a do jornalista e vaticanista Sandro Magister, Settimo Cielo, publicada pela italiana L’Espresso. Os textos estão disponíveis em italiano, inglês, francês e espanhol, sendo o mais recente uma crítica às declarações do Papa sobre o que se passa na Venezuela, Poncio Pilato aparece de nuevo en Venezuela: “Es un hecho que, en lo que respecta a la crisis que afecta al país, hay un abismo entre el Papa Francisco y los obispos venezolanos, que han formado un bloque con la población que protesta contra la dictadura y que son apreciados y escuchados como guías autorizados. En cambio, a Bergoglio lo consideran un Poncio Pilato, imperdonablemente complaciente con Maduro y el chavismo e incomprensiblemente reticente en lo que atañe a las víctimas de la represión y las agresiones contra la propia Iglesia.”
 
Importante também para seguir as discussões que atravessam a Cúria romana é o jornal Crux, dirigido pelo vaticanista John L. Allen Jr. Foi nele que encontrámos dois textos que julgámos interessantes:
  • How Pope Francis and his conservative critics may both be right, do padre Matthew Schneider, uma análise onde se defende que “Both Pope Francis and his conservative critics are trying to uphold legitimate and important values -- reaching out to the world in a pastoral fashion for Francis, clarifying and defending doctrine for the critics. Seeing things from the other's perspective at least helps us respect where they're coming from.”
  • Fatima, the Marian Age, and the Devil’s Century, do padre Raymond J. de Souza, onde se explica porque é que Fátima é um santuário mariano diferente de todos os demais, com uma atracção universal e lugar indispensável de peregrinação de todos os papas desde Paulo VI. A explicação, que tem muito a ver com a mensagem de Fátima e a história do século XX, é a seguinte: “Every country has its particular Marian image with some, like Mexico’s Our Lady of Guadalupe, extending its reach across many nations and peoples. Our Lady of Fatima does not belong as much to a place as to a time, the Marian age of the Church and century that appeared to belong to the devil.”

 
Termino este apanhado com mais três sugestões, relativas a três textos que me desafiaram – e julgo que também podem desafiar os leitores:
  • O homem que tinha fé, que deixou de tê-la e que voltou a tê-la, um depoimento na primeira pessoa de Luís Miguel Cintra, publicado no Expresso, onde o actor conta como se afastou e depois reaproximou da Igreja e da fé, e que termina assim: “A minha relação com a religião não é calma nem pacífica, mas por tudo isto percebo que, com a religião, tenho uma vida muito cheia.
  • O pós-verdade é o pós-pecado, um extracto da palestra proferida por Henrique Raposo no “Fé e Cultura, um colóquio organizado pelo CUMN (Coimbra) no passado dia 1 de Abril, e que agpra foi publicado no Observador. Nele se escreve, por exemplo, que “Muitos católicos estão desconfiados em relação ao Papa Francisco. Alguns nem sequer escondem o ódio que sentem pelo primeiro Papa jesuíta. Nestas cabeças ultra-defensivas, o Papa devia atacar apenas e só o exterior da Igreja, o mundo herege, o mundo ateu, o mundo da indiferença religiosa. Esta atitude é um equívoco e uma traição do Novo Testamento.” Trata-se contudo de um texto longo, profundo, onde também se abordam os limites do culto mariano e se critica o niilismo dos tempos modernos.
  • Maria, mais um ensaio do mesmo Henrique Raposo, agora no Expresso, um texto sobre a figura da Virgem Mãe e Fátima, no qual se defende que “A Igreja não pode ser um seminário teológico de elite. Entre um mundo caótico, confuso e impreciso com fenómenos impuros do ponto de vista bíblico (Fátima, Lourdes, Medugorje e Chartres) e um mundo arrumadinho e literal, prefiro o primeiro.”
 
E por hoje é tudo. O papa já aterrou em Portugal, as próximas horas serão muito intensas (e não só por causa do centenário de Fátima), mas mesmo assim espero que algumas das sugestões que lhes deixei sejam úteis. Até para a semana. 
 
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