Poucas pessoas podem ser felizes se a sua existência e a sua concepção do mundo não forem aprovadas, no conjunto, por aqueles com quem têm relações sociais e mais especialmente por aqueles com quem vivem. É uma particularidade das sociedades modernas o facto de estarem divididas em grupos que diferem profundamente entre si, tanto nos seus princípios morais como nas suas crenças religiosas.
Devido às diferenças de opinião, uma pessoa inclinada a ter gostos e convicções pode sentir-se praticamente exilada se viver no seio de um grupo determinado, ao passo que noutro será recebida como um ser humano perfeitamente normal. Muitos sofrimentos, especialmente entre os jovens, nascem assim. Com dificuldade imaginam que noutro lugar ou noutro grupo as opiniões que não ousam confessar, com medo de serem considerados inteiramente perversos, seriam tomadas como vulgares lugares-comuns da época. Devido à ignorância do mundo, suportam-se muitos tormentos desnecessários, às vezes só na juventude, mas frequentemente também durante toda a vida. O isolamento a que se é condenado em tais circunstâncias, não somente é origem de sofrimentos, mas ainda de grandes desperdícios de energia para manter a independência mental contra o ambiente hostil e em noventa e nove por cento dos casos produz certa timidez em acompanhar as ideias, até as suas lógicas conclusões.
A opinião pública é sempre mais tirânica para aqueles que a temem verdadeiramente do que para os que se lhe mostram indiferentes. Um cão ladra com mais força e morde mais facilmente quando as pessoas se assustam do que quando manifestam indiferença, e a sociedade humana tem qualquer coisa que se lhe assemelha. Se vos mostrais assustados, dais-lhes a esperança de uma boa caçada, ao passo que se vos mostrais indiferentes eles principiam a duvidar do seu próprio poder e deixar-vos-ão tranquilo.
As pessoas convencionais ficam furiosas com o desprezo pelas convenções, principalmente porque o olham como uma crítica à sua própria conduta. Perdoarão muitas negligências, mas apenas a alguém que seja bastante jovial e simpático para tornar evidente que não tem nenhuma intenção de as criticar.
As pessoas que não vivem em harmonia com as convenções do seu próprio grupo tendem a tornar-se desagradáveis e de difícil tratamento e carecem de bom-humor expansivo. Essas mesmas pessoas, transportadas para outro grupo onde as suas opiniões não sejam consideradas estranhas, parecem mudar inteiramente de carácter. Os sérios, tímidos e reservados tornam-se alegres e seguros de si próprios; os ríspidos tornam-se através e simples; os egocêntricos tornam-se sociáveis.
Uma vez que um homem esteja lançado na carreira da sua escolha e viva num ambiente conforme os seus gostos pode, na maior parte dos casos, evitar a perseguição social, mas, enquanto for jovem e os seus méritos não tiverem sido experimentados, arrisca-se a estar à mercê de indivíduos ignorantes que se consideram capazes de ser juízes em assuntos que não conhecem e que se sentem ultrajados se lhes disserem que um jovem pode conhecê-los melhor do que eles com toda a sua experiência do mundo.
Muitas pessoas consideram que a perseguição feita aos jovens talentos não pode causar muitos prejuízos, mas não há qualquer fundamento para aceitar essa doutrina. É como a teoria que diz que se descobre sempre um assassínio. Evidentemente, todos os assassínios que conhecemos foram descobertos, mas quem pode saber quantos houve de que nunca se ouviu falar? Da mesma forma, todos os homens de génio de que ouvimos falar triunfaram das circunstâncias adversas, mas isso não é razão para supor que não tenha havido muitos outros que sucumbissem na juventude. Além disso, não se trata apenas do génio, mas também do talento, que é igualmente necessário à comunidade. E não se trata somente de emergir seja como for, mas sim de emergir sem rancor e com a energia intacta. Por todas estas coisas não se deveria tornar o caminho da juventude demasiado árduo.
Deve-se em regra respeitar a opinião pública, mas tudo o que ultrapasse certos limites é uma submissão voluntária a uma tirania inútil, susceptível de embaraçar a felicidade, de muitas formas.
Não há nenhum proveito em escarnecer deliberadamente da opinião pública; é ainda estar sob o seu domínio, embora num sentido inverso. Mas ser-lhe francamente indiferente é, não só uma força, mas uma causa de felicidade. E uma sociedade que não se vergue demasiado às convenções é muito mais interessante do que uma sociedade em que toda a gente proceda da mesma maneira. Não quero dizer com isto que as pessoas devem ser intencionalmente excêntricas, o que é tão pouco interessante como ser convencional. Quero dizer, sim, que as pessoas devem ser naturais e devem seguir os seus gostos espontâneos na medida em que não sejam francamente anti-sociais.
O medo da opinião pública é opressivo e impede o progresso. Enquanto um medo desta espécie se manifestar é impossível adquirir essa liberdade de espírito em que consiste a verdadeira felicidade, pois é essencial à felicidade que a nossa vida nasça dos nossos próprios impulsos e não dos gostos e desejos acidentais daquele que por acaso são nossos vizinhos ou mesmo nossos amigos.
É certo que o medo da opinião dos vizinhos é agora menor do que era antigamente, mas apareceu uma nova espécie de medo: o medo do que podem dizer os jornais. Este medo é tão terrificante como na Idade Média o era o da caça às bruxas. Quando os jornais decidem tomar uma pessoa inofensiva como bode expiatório, os resultados podem ser terríveis. Felizmente a maior parte das pessoas escapa ainda a esse perigo devido à sua vida obscura, mas à medida que a publicidade aperfeiçoa os seus métodos, aumenta o perigo dessa nova forma de perseguição social.
Este é um assunto demasiado grave para ser tratado com desdém pelo individuo que dele é vitima, e seja o que for que se possa pensar do grande princípio da liberdade da imprensa, suponho que a questão tem de ser encarada com maior rigor do que na actual lei contra a difamação. Tudo o que torne a vida intolerável às pessoas inocentes terá de ser proibido, mesmo que por acaso elas tenham feito ou dito qualquer coisa que, publicada com malévola intenção, as torne impopulares. O único e último remédio para este mal, é, no entanto, o aumento da tolerância é multiplicar o número de indivíduos que gozem de verdadeira felicidade e cujo principal prazer não seja causar sofrimentos aos outros homens seus irmãos.
Autor: Bertrand Russell
Transcrito do Livro: «A Conquista da Felicidade»
«Guimarães Editores» -Lisboa
Nenhum comentário:
Postar um comentário