sexta-feira, 12 de maio de 2017

SEPARADOS PELA MORTE

Em muitos corações, quebrantados pela morte dum ente querido, têm ecoado as palavras de Jacob:«Se perder os filhos, sem filhos ficarei» (Gn 43:14). Desespero e pessimismo afligiam a alma de Jacob, mas a verdade é que José não tinha morrido, como ele imaginava, nem Benjamim ficaria desterrado para sempre, como ele receava.

Para nós, contudo, a separação pela morte não é uma ilusória imaginação. Pelo contrário, é muitíssimo real; jamais veremos aqui na Terra a pessoa amada que a Morte arrebatou, seja filho, marido ou esposa. Partiram, deixando-nos um sentimento de abandono e de perda irremediável. A vida nunca mais volta a ser a mesma, ainda que defrontemos a nova situação com coragem.
Algumas separações,
 resultantes da morte dos entes queridos, são particularmente difíceis de suportar, tais como a morte dum filho único ou do 
marido, na flor da vida, deixando a viúva com a responsabilidade de prover às necessidades das crianças, sobretudo quando uma delas é inválida ou sofre de doença crónica que requer cuidados especiais.
Não pode deixar de haver um sentimento de abandono e solidão. No nosso isolamento e desespero, podemos sentir-nos incapazes de enfrentar o futuro incerto. Algumas vezes a Morte surge em condições dramáticas e imprevistas.

Procuro assim escrever num espírito de compreensão, como quem já passou por experiência semelhante e hoje não tem qualquer parente próximo. O crente pode defrontar esta situação, uma das piores que se conhecem, de maneira diferente por que é encarada pelas pessoas do mundo. Procedendo como verdadeiros cristãos, dando testemunho vivo da nossa firme crença e da confiança que temos no que as Escrituras Sagradas ensinam sobre o problema da morte.
Temos de nos sentir tristes, inevitavelmente, quando um ente querido parte para não mais voltar ao lar, onde juntos partilhámos a vida em mútua harmonia. Há uma grande diferença entre a situação da pessoa que sobrevive e a da que partiu, após a descida do véu que as separou, pois o que partiu já não sente as tristezas deste mundo. O sentimento de separação, ainda que desolador, é mitigado, quando meditamos sobre determinadas passagens da Sagrada Escritura.
O apóstolo Paulo diz que não nos devemos entristecer como os demais, que não têm a esperança que nós temos (I Ts 4:13). Ele refere-se aos que morreram na fé, como os que «dormem em Jesus», e afirma categoricamente que Deus os tornará a trazer com Ele, isto e, não se separaram de nós para sempre; haverá uma abençoada reunião, porque seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares.
Será que tudo termina aqui neste lugar? Estamos neste mundo por engano?
A seguir, Paulo declara que os que morreram não só dormiram em Jesus, mas estão «com Cristo», o que é «muito melhor», portanto, «o morrer é ganho» (Fp 1:21,23). Falarmos da Morte como essa coisa desejável só é possível quando a consideramos como o meio de entrarmos no usufruto da bem-aventurança e da glória, das quais, presentemente, não temos uma verdadeira concepção.
Naquela passagem, Paulo salienta principalmente o ganho e a alegria duma vida vivida com Cristo, supremo objectivo do crente. Para ele, «o viver é Cristo» (Fp 1.21). Por isso ele dizia que estava em aperto, hesitante entre os dois caminhos. Preferia partir para estar com Cristo mas, por outro lado, ele reconhecia que, permanecer na carne seria necessário, por amor dos Filipenses. Muito bem disse o Bispo Moule: «Em qualquer dos lados do véu, Jesus Cristo era tudo para ele. Assim, ambos os lados do véu são bons, divinamente falando; só há uma diferença: as condições do outro lado do véu são tais que a tão ansiosamente esperada comunhão com o Mestre será muito mais perfeita e real no além.
(Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor, I S. Pedro 1:24).
Ansioso espero entrar/ Na terra além do véu;/ Dos santos o feliz lugar,/ Jerusalém do Céu. No corpo preso vou;/ As glórias longe estão;/ Mas cada vez mais perto estou/ Da pátria do cristão.
A morte é descrita como a dissolução deste tabernáculo (o corpo). O dia virá quando o que é corruptível se revestirá da incorruptibilidade, e o que é mortal se revestirá da imortalidade. Quando este tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna nos céus (2ª. Co. 5:1,2). O corpo é comparado a uma barraca de campanha, abrigo ligeiro, para uso temporário, semelhante às tendas dos beduínos, que podem ser levantadas a toda a hora. Feliz o homem que, espiritualmente, está pronto para se encontrar com o seu Criador.
Não esqueçamos que este tabernáculo, em que vivemos temporariamente, pode ser desfeito (v. 1), pois é bem frágil e dificilmente suporta os conflitos e tempestades da vida. Este tabernáculo terrestre (nosso corpo), em que gememos e de que ansiamos libertar-nos, vai dar lugar à nossa à nossa habitação celestial. Em contraste com a tenda de campanha, será uma sólida construção, um edifício que permanecerá para sempre. A mesma palavra é usada para descrever o Templo de Herodes (Mc 13:1). Será uma habitação perfeitamente adequada e adaptada à nossa vida na Glória. Presentemente, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor, mas quando se der a dissolução, então estaremos ausentes do corpo e presentes com o Senhor no Lar celestial (2 Co 5:8).
A morte também é descrita como uma saída - literalmente êxodo (2 Pe 1:15), isto é, saída para fora do corpo. Mas, se é uma partida, também é uma entrada, pois no mesmo contexto Pedro diz que nos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
A morte, vista deste lado, é uma saída, mas observada do outro lado é uma entrada. É como se
fôssemos transplantados dum vaso quebrado, para desabrocharmos mais perfeitamente no jardim celestial; é como a passagem por um pequeno túnel, curto e escuro, para emergirmos imediatamente naquela nova terra, onde o Dia nunca acaba. Portanto, a Morte é:
1 - Adormecer em Jesus;
2 - Estar em Cristo, o que é muito melhor;
3 - Ser recebido no Lar Celestial;
4 - Habitar com o Senhor na morada que foi preparar para nós, os salvos por Ele (Jo 14:1-3).
Como tudo é diferente deste frágil tabernáculo terrestre. Na ressurreição, também, receberemos as coisas feitas no corpo (2 Co 5:10). Neste mundo, não temos visto o resultado ou a recompensa final de tudo quanto temos feito. As coisas que fizemos serão julgadas e então receberemos o merecido galardão.

Devemos, confiadamente, aceitar tal verdade, mas nos dias que se seguem ao da morte do ente querido, a dor parece difícil de suportar. Para vos dar um exemplo que possa ajudar-vos, prefiro citar as palavras dum outro escritor, em vez de vos narra a minha própria experiência.
Pouco depois do falecimento da esposa e da perda do único filho, o Bispo Moule diz: «Eu desejaria não ser fraco nem egoísta na minha dor, mas sou ambas as coisas, fraco e egoísta, contudo o meu Senhor pode e quer levantar-se, para pensar menos em mim e mais n'Ele e ajudar-me a cuidar mais dos que também lamentam a perda dos seus queridos. Devo tratar da minha saúde e, depois dum descanso de cinco ou seis semanas, prosseguir no meu
trabalho.» Noutra carta, passado pouco tempo, ele escreveu: «O Senhor Jesus guarda-me tranquilo e em paz: é agradável saber que a Sua mão está comigo. Assim, afasta Ele o negrume da solidão. A minha natural tendência é recordar e reviver o passado sem cessar, saudoso e lamentando-me mas, gradualmente, a nota predominante dá lugar à acção de graças por tudo quanto se passou. Eu descobri que a acção de graças, espontânea e diligente, é um valioso calmante.»
Há pessoas que passam horas sem conseguir dormir e que, ao recordarem certas datas, sentem uma estranha solidão e assim o seu espírito se perturba, invadido pela tristeza. Que remédio haverá para isto? Aprender e dar graças ao Nosso Senhor Jesus pelos admiráveis bens que uma recordação do passado pode trazer à memória; assim pode dissipar-se a sensação triste da solidão. Há coisas que perduram e não cessam de produzir fruto: elas continuarão a enriquecer-nos, tornando-nos ainda mais intimamente e duma forma geral ao provir de felicidade e santidade, de que participaremos quando deixarmos a Escola de Deus e o Seu ensino aqui em baixo, para passarmos à presença de Deus e lá nos encontramos com os ente queridos, cuja memória tão preciosa nos é.
Não devíamos viver só das gratas recordações do passado, mas devíamos disciplinarmo-nos, a fim de prosseguir com zelo sempre crescente nos deveres normais desta vida, pois a dedicada perseverança no Serviço do Senhor tem provado ser um admirável bálsamo para o espírito atribulado. Alguém, que tinha perdido a esposa e cinco filhos, disse: «Procurai força e graça para isto, e ser-vos-ão dadas.
Apesar de tudo, a sensação de tristeza pode perdurar até passarmos para além do véu, a despeito de todas as actividades da vida e agradáveis recordações. O Bispo Moule diz que, durante alguns dias, os seus pensamentos e os anseios da sua alma tinham por fulcro a sua saudosa esposa e filha.
Se não fosse por amor a Cristo, a sua vida teria sido inútil e infrutífera, mas Cristo tem o poder de tudo modificar! Ele dá-me capacidade, em certa medida, para compreender que é possível aceitar a perda dos entes queridos com tal resignação que nos conformamos com a situação, sobretudo se descobrimos que a nova situação nos permite prestar maior ajuda espiritual aos que sofrem.


NB: Este artigo foi publicado na Revista Evangélica "NOVAS DE ALEGRIA", edição de Fevereiro de 1990, págs.32, 33 acompanhado de foto minha.

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