Um Despacho Presidencial, com o n.º 147/17, datado de 26 de Junho e apenas divulgado na semana passada. No documento, José Eduardo dos Santos, o ainda presidente de Angola, determinou que o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior «Kopelipa», ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, passa a “responder pelos assuntos do Gabinete do Vice-Presidente da República enquanto durar a ausência daquela entidade”.
Sedrick de Carvalho *
A entidade é Manuel Vicente, que, segundo o despacho, anda ausente do país numa visita privada mas temporária. Não é a primeira vez que o vice-presidente sai por razões pessoais, e nas outras vezes não houve justificação presidencial, muito menos se procedeu a uma ocupação directa do segundo posto presidencial.
O artigo 130.º da Constituição da República de Angola (CRA) estabelece as situações em que ocorre a vacatura, e a ausência em “visita privada temporária” não é um dos motivos, o que claramente não se pode evocar esse artigo.
No número 1 do artigo seguinte explicita que “o Vice-Presidente é um órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva”. Entretanto, Manuel Vicente foi eleito, pelo menos formalmente, e não nomeado para o governo por José Eduardo, outro formalmente eleito e ambos num processo de simulação.
Visto que não estamos perante uma situação de vacatura, José Eduardo não pode preencher o gabinete do vice-presidente com uma figura, quaisquer que seja. Mas se estivéssemos perante uma vacatura a situação seria diferente, mas ainda assim não como procedeu. A CRA prevê, em seu artigo 132.º, n.º 2, que neste caso o presidente deve designar uma pessoa que foi eleita para o parlamento pela lista do partido político ou coligação mais votado nas últimas eleições para exercer as funções de vice-presidente. E adianta ainda que essa designação deve ser mediante auscultação do partido ou coligação vencedor.
São dois momentos mas importa-nos o primeiro: entidade eleita para o parlamento. Manuel Hélder «Kopelipa» não foi eleito deputado nem é suplente, logo, em caso de vacatura não pode ser indicado sequer como substituto do vice-presidente, tal como se deduz do Despacho Presidencial, subtilmente descrita como uma necessidade de dar continuidade ao exercício de funções do Gabinete do Vice-Presidente. Ora, temos um individuo a ocupar um cargo que constitucionalmente é de eleição directa mas sem cobertura constitucional para efeito.
Avancemos. É o vice-presidente quem substitui o presidente da República ao longo das suas ausências e principalmente em caso de vacatura, conforme garante o número 1 do artigo 131.º da CRA, que desempenha o mandato até ao fim e com a plenitude dos poderes.
Ninguém sabe ao certo o que se tem passado com Manuel Vicente, ausente há muito tempo e dado como moribundo presidencial depois de José Eduardo dos Santos o ter afastado da lista de sucessão ao indicar João Lourenço como o seu delfim de estimação. Arguido em Portugal sob acusação de ter corrompido um procurador do Ministério Público Orlando Figueira, que se encontra preso em casa, Manuel Vicente receia pisar solo luso.
Entretanto, o presidente há quase 38 anos também anda desaparecido dos holofotes, entre tratamento médico em Barcelona e a brincadeira com neto admirado com a robustez física do avô dado como doente, às vezes como morto, mas que supostamente reapareceu em Luanda sem que alguém tenha confirmado tê-lo visto a caminhar pelo Futungo. No dia 3 de Julho, segunda-feira, a Angop noticiou que José Eduardo dos Santos regressou a Barcelona “em cumprimento da sua agenda previamente estabelecida”, agenda que porém nunca foi divulgada. Estranhamente a viajem do despachante foi imediatamente a divulgação do Despacho Presidencial.
A pergunta que tem sido feita: Quem dirige o país na ausência do presidente e do vice-presidente? Constitucionalmente, e se estivéssemos perante uma vacatura, que oficialmente não é o caso, o presidente da Assembleia Nacional é a pessoa que deve assumir as funções de presidente da República até que se realize novas eleições, e elas devem acontecer no prazo de cento e vinte dias contados a partir da verificação do impedimento (art.º 132.º, n.º 3).
Como não houve vacatura, a pergunta persiste. E a resposta desta vez aponta para a pessoa que ocupa o gabinete do vice-presidente – Manuel Hélder Vieira Dias Júnior «Kopelipa», o general manipulador. O país está a ser gerido por quem nunca foi eleito sequer para deputado, em desrespeito absoluto duma constituição até proposta e aprovada pelo próprio MPLA.
Estaremos a viver o golpe de Estado mais suave da história?
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