quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Portugal | O POPULISMO COMO MODO DE VIDA


Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião

"É um apoio social que deve ser transitório e não um modo de vida". Foi uma das frases que o líder parlamentar do CDS-PP usou para justificar a sua "preocupação" com novas regras que facilitam a atribuição do rendimento social de inserção (RSI).

A posição do CDS sobre a pobreza e, em particular, o RSI é tudo menos inocente. O partido de Assunção Cristas tem-se esforçado ao longo dos anos por estigmatizar os seus beneficiários, usando e abusando de um discurso populista sobre o "parasitismo" ou a "preguiça" dos pobres.

É precisamente essa ideia que, de forma mais polida, se encontra subjacente na frase acima transcrita. O que Nuno Magalhães no fundo quer dizer é que se se removerem as barreiras criadas pelo Governo de PSD/CDS no acesso ao RSI, há pessoas que irão ver a prestação como um "modo de vida", em vez de procurar um trabalho. Magalhães alia esta ideia à da transparência, dando a entender que a fraude no RSI é imensa.

Acontece que a pobreza não só não é uma escolha como, infelizmente, também raramente é transitória. A pobreza reproduz-se, trespassa gerações deixando profundas marcas nos percursos educativos, na integração social, no exercício da cidadania, na relação com o Estado. Portugal tem 20% de pobres. Não falamos de um fenómeno transitório, mas de um profundo problema social que o RSI muito tem contribuído para minimizar.

Mais, o "modo de vida" de que fala o CDS são 90euro mensais em média por beneficiário, sendo que, imagine-se, a larguíssima maioria destas pessoas são crianças ou adultos que já trabalham, mas que não ganham o suficiente para ultrapassar o limiar da pobreza.

Finalmente, é preciso lembrar que as preocupações do CDS com a transparência fizeram com que o valor do RSI para as famílias mais numerosas fosse cortado em 30% enquanto muitas outras eram excluídas. À medida que aumentava a pobreza infantil em Portugal, o Governo de PSD/CDS retirava a prestação a mais de 50 mil crianças.

Não é a atribuição de dinheiros públicos ou a eficácia do RSI que preocupa o CDS. A sua luta é puramente ideológica. Demonstrou-o bem quando cortou apoios sociais no período de crise e pôs em prática um conjunto de medidas caritativas, como as cantinas sociais. Ao invés do Estado social preferiu dar a uma rede de instituições privadas de solidariedade social o poder para administrar e gerir, de forma muitas vezes discricionária e clientelar, a atribuição de dinheiros públicos aos mais pobres. "Transparência" e "rigor" seria, já agora, fiscalizar todo esse processo de transferência de competências, poder e recursos.

Historicamente, a erradicação da pobreza esteve no centro do programa democrata-cristão. Mas no populismo do CDS, os mais pobres já só entram como suspeitos de fraude e abuso.

* Deputada do BE

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