quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Quando o sal não salga…

Gabriel J. Wilson
Autodemolição da Igreja
Como a maioria dos católicos que prezam e amam a verdadeira religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, os leitores de Catolicismo devem sentir na pele — dir-se-ia melhor na alma — o mal-estar causado pela desordem verdadeiramente diabólica que domina todos os campos do mundo contemporâneo. E o mais doloroso é que essa desordem tenha penetrado nos lugares mais sagrados e até nos próprios ambientes da Santa Igreja Católica, Apostólica Romana.

O exemplo mais frisante desse caos vem da vizinha Venezuela. Seus miasmas se fazem sentir também no Brasil, desservido por setores de uma classe política sem princípios e demagogos apoiados por uma esquerda dita “católica” que tudo fazem para precipitá-lo no mesmo caos. O motor dessa demolição encontra-se sobretudo na enxurrada de leis igualitárias e demolidoras aprovadas na era petista.
A tal ponto a fé católica é hoje calcada aos pés que, para nos lembrarmos dela em seu esplendor, será certamente útil recordarmos algumas verdades esquecidas ou propositadamente ocultadas por uma “igreja nova” igualitária, populista, ecumênica, demagógica, que nada tem a ver com Aquela nascida do preciosíssimo Sangue que jorrou do flanco sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário.
Autodemolição da Igreja
Leão XIII não foi santo, mas foi um grande Papa. Num de seus mais belos documentos ele descreve os frutos da verdadeira Igreja Católica, que transbordaram do campo religioso para o civil. Trata-se da conhecida encíclica Immortale Dei, na qual lemos este belo parágrafo:

“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” (nº 28).
A ordem civil assim descrita é o que chamamos “civilização cristã”, a qual floresceu principalmente na Europa, a partir da conversão dos povos bárbaros até a sua decadência, no declínio da Idade Média. Leão XIII enumera também os frutos dessa civilização:
Feira em Gante na Idade Média - Félix de Vigne (1806-1862). Musée des Beaux arts, Gante, Bélgica
Feira em Gante na Idade Média – Félix de Vigne (1806-1862). Musée des Beaux arts, Gante, Bélgica [click na imagem para ampliá-la]
“Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, e se, em tudo que faz honra à humanidade, constantemente e em toda parte se mostrou guia e mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob essas diversas formas, se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para o alívio das misérias; é fora de toda dúvida que, assim, ela é grandemente devedora à religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão grandes coisas” (nº 29).
A seguir, o grande Pontífice insiste no fato de que muito maior teriam sido os frutos dessa civilização se tivesse prevalecido a harmonia entre os poderes espiritual e temporal:
“Todos esses bens ainda durariam, se tivesse perseverado o acordo entre os dois poderes, e havia razão para esperar outros ainda maiores, se a autoridade, se o ensino, se os conselhos da Igreja tivessem encontrado uma docilidade mais fiel e mais constante. Porquanto se deveria ter como lei imprescritível aquilo que Yves de Chartres escreveu ao Papa Pascoal II: ‘Quando o mundo é bem governado, a Igreja é florescente e fecunda. Mas, quando a discórdia se interpõe entre eles, não somente as pequenas coisas não crescem, mas as próprias grandes deperecem miseravelmente’”(Epist. 238).
         Eis a explicação das mazelas que atormentam o mundo atual. Não existem governantes honestos porque não há mais santos e a decadência moral e de princípios penetrou até nos recintos mais sagrados.
Hoje não são poucos os analistas que atribuem essa decadência à aplicação dos discutíveis documentos do Concílio Vaticano II e à série de pontífices que sucederam ao Papa Pio XII (ele mesmo reformista a partir de 1954, na segunda fase de seu pontificado). Sob o pretexto de trazer o mundo à Igreja, o Concílio entregou a Igreja ao mundo. Não espanta, assim, que em consequência o neo-paganismo se instale e progrida em todos os países. Em muitos casos são os próprios representantes da Igreja — e por vezes da mais alta hierarquia — que favorecem essa invasão dos inimigos de Nosso Senhor Jesus Cristo. A respeito deles vem ao caso lembrar a advertência do Divino Mestre:
         “Vós sois o sal da terra! Ora, se o sal se corromper, com que se há de salgar? Não serve mais para nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.” 

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Fonte: Revista Catolicismo, nº 801, Setembro/2017.

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