Afonso Dhlakama, de 65 anos, líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), morreu esta quinta-feira, 3 de maio.
O presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), Afonso Dhlakama, morreu hoje pelas 08:00 (menos uma hora em Lisboa) na Serra da Gorongosa, centro de Moçambique, devido a problemas de saúde, disse à Lusa fonte partidária. O corpo deverá ser transferido na sexta-feira para o Hospital Central da Beira, acrescentou.
A líder da bancada parlamentar da Renamo e sobrinha de Dhlakama, Ivone Soares, lidera um grupo de deputados e figuras do partido que estão a caminho da Serra da Gorongosa. Este grupo partiu de Maputo e chegou ao final do dia à cidade da Beira, por via aérea, e percorre agora de carro o resto do percurso, referiu a mesma fonte à Lusa.
Afonso Dhlakama terá sofrido uma crise relacionada com diabetes, acrescentou, o que levou os guardas com que se encontrava na sua residência a pedir apoio aéreo, fretado a uma empresa privada da cidade da Beira, para transferir o líder da Renamo. Um helicóptero deslocou-se até à Serra da Gorongosa, mas sem conseguir encontrar um local apropriado para aterragem junto à casa do líder da Renamo.
Depois de descer a alguma distância, um médico assistiu Dhlakama, mas terá indicado que ele dificilmente resistiria ao transporte para o helicóptero, acrescentou a mesma fonte partidária à Lusa.
A morte de Afonso Dhlakama, 65 anos, acabaria por ser declarada no local.
O líder era um homem controverso, mas incontornável na história do país.
Apesar de se autointitular "pai da democracia moçambicana" — e para muitos simpatizantes ser o "Mandela ou Obama moçambicano"—, Afonso Dhlakama era igualmente visto como um "senhor da guerra", tendo movido uma guerrilha contra o Governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) até 1992, ano do Acordo Geral de Paz (AGP), que encerrou 16 anos de guerra civil. Todavia, o principal partido da oposição manteve um contingente armado que se envolveu em vários ciclos de violência com as forças governamentais, principalmente após escrutínios eleitorais.
Há poucos dias, a 17 de abril, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, confirmou que o Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) estavam a finalizar um acordo para o desarmamento, desmobilização e reintegração dos seus combatentes nas forças de segurança. "Conseguimos encetar um diálogo com o presidente da Renamo, e através de contactos temos estado a construir confiança mútua, o que até ao momento ajudou o nosso país a parar com a violência, mesmo que tenha sido localizada", disse à data Nyusi.
Entre o afável e o incendiário, Dhlakama era uma figura controversa. "Se não gostarem de mim, depois de cinco anos, podem-me mandar embora, porque não vou matar ninguém", disse o líder da Renamo num comício no centro do país em 2014, respondendo desta forma aos críticos que o acusavam de recorrer à violência para fazer vingar os seus pontos de vista na política, e de se comportar como "dono" da Renamo, que dirigia desde os 23 anos.
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 e estava há mais de 40 anos na liderança da Renamo. Em 1974, com o fim da guerra colonial, o político e militar ingressou na Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), tendo acabado por abandonar esse movimento para se tornar, dois anos depois, um dos fundadores da RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado apoiado pelos serviços secretos da Rodésia.
O também membro da Frelimo, André Matsangaissa, é libertado de um campo de reeducação acabando por instalar-se na Rodésia onde recebe treino militar para liderar o RNM. O movimento de guerrilha é fundado em Salisbúria (Harare) sob a organização de Ken Flower, chefe dos serviços secretos rodesianos e Orlando Cristina, antigo membro da PIDE-DGS, a polícia política da ditadura portuguesa. As primeiras ações registam-se na Gorongosa.
A 17 de outubro de 1979, o dirigente da RNM morre na primeira ação armada na região centro de Moçambique (Vila Paiva). Após a morte de André Matsangaíssa e depois de uma luta pela sucessão, Dhlakama assume a liderança do movimento que passa a ser designado por Renamo.
A 19 de outubro de 1986 o Presidente de Moçambique, Samora Machel, morre num acidente de aviação ao colidir com um montanha no Transvaal (África do Sul) durante uma deslocação entre Lusaca (Zâmbia) e Maputo. A chefia do Estado é assumida por Joaquim Chissano, o homem que protagonizou o acordo de paz.
Depois de uma guerra civil de 16 anos, Dhlakama assina o Acordo Geral de Paz com o então presidente do país e líder da Frelimo Joaquim Chissano, a 4 de outubro de 1992, em Roma. É assim que a Renamo passa a ser um partido político. A primeira vez que Dhlakama concorreu às eleições gerais (legislativas e presidenciais) foi em 1994, dois anos depois do acordo firmado em Itália.
As primeiras eleições livres foram monitorizadas pela ONU e por observadores internacionais, e decorreram em três dias. Participam mais de seis milhões de eleitores, concorrem 14 partidos. Nas legislativas, a Frelimo vence as eleições com maioria absoluta, com 44 por cento, e Joaquim Chissano é eleito Presidente, com 54 por cento.
Todavia, a paz assinada não foi paz efetiva. Seguiram-se eleições gerais em 1999, cujos resultados a Renamo contestou. Joaquim Chissano volta a ganhar e a Frelimo mantém-se como partido maioritário.
Os protestos da Renamo contra as eleições de 1999 acabam em confrontos em Montepuez em que morrem pelo menos 40 pessoas. Poucas semanas depois, 83 pessoas que tinham sido presas nas manifestações morrem sufocadas numa cela de prisão com 21 metros quadrados.
A 1 de dezembro de 2004 Armando Guebuza (Frelimo) vence as eleições presidenciais, com 63 por cento dos votos. Dhlakama rejeita os resultados e o escrutínio é criticado por organizações internacionais. No entanto, Guebuza é reconduzido no cargo de Presidente do país em 2009, com 75 por cento dos votos. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM), de Daviz Simango, afirma-se como terceira força eleitoral.
A 17 de outubro de 2012, o líder da Renamo regressa à antiga base do partido, a Casa Banana, em Satunjira, na zona da Gorongosa.
Os anos de 2013 e 2014 foram de marcada instabilidade politico-militar. A 30 de junho de 2013 começam vários ataques de elementos armados na Estrada Nacional 1, que liga o sul e o norte do país. O governo responsabiliza diretamente a Renamo. Mais tarde, a 21 de outubro de 2013, as forças governamentais tomam a base da Renamo na Gorongosa e a Renamo anuncia o fim do Acordo de Paz de 1992.
No entanto, para acabar com meses de violência entre o exército e os ex-guerrilheiros, o presidente moçambicano Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinam um novo pacto. Estávamos em setembro de 2014, a um mês de novas eleições.
E Dhlakama volta a procurar confirmação no voto. Todavia, as eleições presidenciais dão a vitória a Filipe Nyusi, com 57 por cento dos votos, a 15 de outubro de 2014. A Frelimo mantém a maioria absoluta. Dhlakama não aceita os resultados e reclama governar as províncias em que a Renamo ganhou.
Agora, em 2018, estava em curso nova negociação, com Governo e a Resistência Nacional Moçambicana, principal partido de oposição, a finalizar um acordo para o desarmamento, desmobilização e reintegração dos combatentes da Renamo nas forças de segurança.
MotherMedia
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