Na véspera, a polícia tinha deitado a mão ao terrível Belisário, que furtava de tudo um pouco, de automóveis a bonés de criancinhas. No dia seguinte via-se a braços com os gatunos que assaltaram o Instituto de Oncologia e levaram as cobaias
AFONSO DE MELO |
Na véspera tinham apanhado o Belisário. Ora, António Belisário Rodrigues era um cadastrado famoso na época. Estava a preparar o roubo de um Zephyr, ali à Sampaio e Pina, de chave de fendas e faca na mão, quando o longo braço da lei chegou até ele.
Apertaram-lhe os calos na esquadra. Confessou. Entregou os cúmplices de mão beijada. Nessa mesma noite andavam a rondar um estabelecimento comercial na Rua dos Caminhos de Ferro. Conduzindo o Zephyr roubado, atacariam o proprietário, sequestrá-lo-iam na loja e deitariam a mão aos cerca de 400 contos que calculavam existir na caixa.
Belisário tinha história.
A sua detenção foi motivo de conversas por todos os cafés e tascos da capital. Mereceu páginas inteiras de jornais. A lista das suas proezas era elencada aqui e ali: roubos por esticão no Parque Eduardo vii; 1700$00 furtados na Pastelaria Herculano com recurso a chave falsa; um sem-fim de carros surripiados que utilizava nos assaltos, juntamente com o seu bando, composto por Moreira da Costa Ribeiro, Monteiro Pereira e Armando Pereira Rebelo.
Encarcerados nos calabouços da Polícia Judiciária, estas aves de arribação desataram a piar: trouxeram a público que o seu raio de ação se estendia até Santarém. Bicicletas eram dos seus alvos preferidos, não fossem também companheiros de um tal António Baldaia, vendedor das cujas ditas, e que usava o sugestivo epíteto ciclístico de Copi, como o grande Fausto. Copi recebia o material e desmontava-o, vendendo como novo o que era velho e alheio.
As autoridades estavam impantes. Trataram desde logo de publicar o rol do material apreendido: uma mala de viagem contendo uma toalha de rosto e um estojo de barbear; duas pastas com diversos documentos, uma máquina fotográfica e um aparelho TSF; um estetoscópio tirado de um estojo de cabedal de um carro estacionado na Praça de Londres; um saco de tecido e um molho de chaves pertencentes à sra. D. Berta Macieira; uma caixa de pó-de-arroz e outra de ruge, e um porta-moedas em calfe de cor preta; um boné de rapaz furtado de um carro estacionado em Santa Catarina; cinco cheques em nome do sr. Joaquim Rodrigues, e por aí fora...
Convenhamos: a polícia podia andar numa atafona de contentamento, mas o tal Belisário parecia mais um pilha-galinhas do que um ladrão de altíssimo coturno.
Galinhas Acrescente-se que o termo pilha-galinhas não aparece aqui por acaso, caído do céu aos trambolhões. Tinha o Belisário acabado de entrar na pildra e eis que novo caso faz correr tinta nos periódicos da capital. Um grupo de patifes audaciosos entraram no Instituto de Oncologia e vai de roubarem todas as galinhas que se encontravam num anexo do laboratório. Anexo esse com segurança reforçada por conter igualmente macacos para experiências.
Alarme!
Estariam as galinhas doentes, inoculadas com algum vírus maléfico por parte dos cientistas do instituto? Não havia quem garantisse que a hipótese era descabida. Pudera! Se eram galinhas preparadas para provar a capacidade de resistência a determinados medicamentos...
De início falou-se em 40 galináceos retirados das suas gaiolas. Horas depois, o número regrediu: passou a cerca de uma vintena. E eram bichos grandes, bem alimentados. Testemunhas afirmavam que alguns tinham o tamanho de perus. Que mais poderiam querer esses mercadores avulsos que havia por tudo quanto era mercado de Lisboa? Compradores não faltariam, certamente.
Lá do Instituto de Oncologia, uma informação não totalmente mas assaz apaziguadora: os animais tinham sido inoculados há mais de um mês, o que atenuava a virulência dos agentes utilizados. Acrescentavam os responsáveis do instituto que, por seu lado, qualquer tipo de infeção que pudesse existir não se propagava pelo consumo de ovos postos por essas galinhas.
A barulheira foi tal que os gatunos se sentiram encurralados. E cometeram um erro: começaram a vender as aves de porta em porta.
O sr. Manuel dos Santos desconfiou quando lhe tentaram impingir umas aves fornidas demais. Eram as galinhas cobaias. A maior parte trazia anilhas nas patas. O sr. Santos era um tipo vivo e lia jornais. Não demorou mais do que um piscar de olhos a ligar para o Instituto de Oncologia e largar a informação.
Uma hora mais tarde, o dr. Manuel Pinto, diretor do laboratório do IPO, recebeu uma furgoneta carregada com os galináceos. Num instante confirmou que eram os seus. Ou melhor, os do instituto, preparados para injeções experimentais. Alívio.
Espalhem a notícia, aconselhou. Agora, a população de Lisboa tinha menos uma preocupação a pesar-lhe nas costas. No espaço de dois dias via-se livre do Belisário e das galinhas doentes espalhadas pelo mercado... A vida sorria.
Fonte: ionline
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