Foram esta tarde ouvidos em tribunal os últimos dos 17 agentes da PSP de Alfragide que estão a ser julgados por tortura e racismo. Polícias alegaram que PJ forçou reconhecimentos
Sem desafinar uma nota com as declarações dos seus camaradas que já tinham sido ouvidos em tribunal, os cinco agentes que esta tarde prestaram o seu testemunho, negaram também todas as acusações que lhe foram imputadas pelo Ministério Público (MP). A defesa deixou para o último dia uma carta forte, com a qual quererá esvaziar a acusação de racismo, pelo menos em relação a um dos agentes.
"Sou casado com uma cabo-verdiana, temos dois filhos. Estou devastado com esta acusação. Fiquei muito transtornado, nem durmo bem. Só não meto baixa psicológica porque na PSP isso é uma sentença de morte", revelou Sérgio Rodrigues, que estava há uma semana na esquadra palco dos incidentes.
Este agente, que confessou gostar de algumas das músicas rap de um dos jovens da Cova da Moura, Bruno Lopes, que foi detido nesse dia e que reconheceu dos vídeos, chegou a acompanhar alguns dos jovens ao hospital e nega que tivessem sido agredidos ou insultados. Sérgio Rodrigues afirmou ainda que foi "acusado de ser racista e gozado" na sala de interrogatório da PJ. "O inspetor que me estava a interrogar disse-me coisas que nem consigo adjetivar". "Mas o quê, diga!", incentivava a juíza, presidente do coletivo. "Que tinha sido uma festa foder os pretos!". "Sentiu-se revoltado, não foi?", confortava a magistrada. "Claro que sim!".
O ataque à PJ marcou esta sessão do julgamento. Nas audiências anteriores já tinha sido referido por quase todos os arguidos que os reconhecimentos seriam de validade duvidoso, principalmente porque, segundo contaram, tinham sido convocados para estarem todos à civil, quando no dia dos acontecimentos - cinco de fevereiro de 2015 - estiveram sempre fardados. Questionaram também o facto de, as outras pessoas que estavam na linha de reconhecimento - seriam inspetores da PJ - não terem características físicas semelhantes às suas.
Obrigado "a assinar a declaração do reconhecimento sem a ler"
Desta vez, porém, foram mais longe. Nuno Gomes, por exemplo, alegou que foi obrigado "a assinar a declaração do reconhecimento sem a ler", e que, quando disse que à hora das detenções (perto das 14.30) nem estava a trabalhar, que o inspetor da PJ lhe respondeu: "não quero saber se estava ou não a trabalhar, isto é uma acusação para três dias, não quero saber". A agente Juliana, que trabalhava na secretaria e é acusada, entre outros, de omissão de auxílio, classificou de "vergonha" os reconhecimentos na Judiciária e deixou implícito que alguém forçou a que fosse apontada. "Ouvi alguém dizes do outro lado do vidro, tem a certeza que não é a número dois?". Diz também que não a deixaram ler o auto de reconhecimento e que o advogado (entretanto mudado) a "obrigou" a assinar.
Perante estas graves acusações do procurador do MP, Manuel das Dores, não saiu em defesa da investigação da sua "casa". Nem lembrou que os reconhecimentos foram todos acompanhados por um conhecido procurador da República, António Paes de Faria, na altura o coordenador da investigação e responsável no DIAP da Amadora.
Paes de Faria destacou-se no processo Freeport, quando no despacho de acusação, em coautoria com o procurador atualmente no DCIAP, Vítor Magalhães, incluiu 27 perguntas destinadas ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, que não chegaram a ser feitas. Foi Paes de Faria que, depois de ouvir os seis jovens da Cova da Moura, entendeu que se podia estar perante crimes de tortura e racismo e pediu à Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ para investigar. A acusação foi depois construída pelo atual coordenador do DIAP da Amadora, Helder Cordeiro,
Acusou 18 polícias (um deles foi entretanto despronunciado) de terem agredido de forma cruel e racista seis jovens da Cova da Moura, dois deles da Associação Moinho da Juventude, que presta serviço social no bairro. Estes polícias, que à data dos factos prestavam serviço na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial (EIFP) da Amadora, estão ainda acusados de outros tratamentos cruéis e degradantes ou desumanos, de sequestro agravado e de falsificação de documento.
A acusação do MP sustenta que os elementos da PSP espancaram, ofenderam a integridade física e trataram de forma vexatória, humilhante e degradante as seis vítimas, além de incitarem à discriminação, ao ódio e à violência por causa da raça.
Na próxima semana começam a ser ouvidas as vítimas e as suas testemunhas.
Fonte: DN
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