Denise de Siqueira é uma das cadeirantes que utiliza o transporte coletivo e enfrenta as dificuldades exibidas na reportagem. Foto: Divulgação NSC/TV |
Carol Gómez e Victor Lacombe
Estudantes de jornalismo na UFSC, especial para objETHOS
Em meio à grande quantidade de notícias sobre o movimento dos caminhoneiros, o Jornal do Almoço, da NSC TV, exibiu no dia 22 de maio a reportagem “Apesar de decreto, Florianópolis não tem 100% do transporte público adaptado para cadeirantes”. A matéria trata de um decreto de 2014 que exige que todas as cidades tenham frota de ônibus 100% adaptada para pessoas com deficiência, mas que, apesar disso, apenas 75% dos veículos de Florianópolis cumprem a legislação.
Durante os seus 4 minutos e 37 segundos de duração, a matéria traz quatro pessoas entrevistadas e acerta na pluralidade de fontes e de pontos de vista. Na narrativa predominam imagens da cadeirante Denise de Siqueira, doutoranda da Universidade Federal de Santa Catarina, esperando ônibus em um ponto da Avenida Beira-Mar Norte. As falas da entrevistada principal somam 29 segundos e suas imagens, 1min6s. Além da estudante da UFSC, participam da reportagem representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional Santa Catarina (17s), da Prefeitura Municipal (32s) e da Associação de Deficientes Físicos de Florianópolis (AFLODEF), com 26s. Ao final, a apresentadora do telejornal ainda traz uma fala do Ministério Público estadual, na qual a instituição explica que, por conta do avanço na porcentagem da frota que é adaptada, de 40% em 2015 para 75% em 2018, ainda não é necessária uma ação civil pública contra a Prefeitura. O MP espera ainda que, até 2019, todos os ônibus da capital estejam adaptados. Os apresentadores também apresentam uma fala do Consórcio Fênix, aglomerado de empresas privadas que administram o transporte público na Grande Florianópolis, que diz que cumpre a legislação e o contrato com a prefeitura.
No primeiro minuto da matéria, é colocada a primeira sonora, ou seja, a primeira fala, da entrevistada Denise. Nesse momento o enquadramento da imagem é feito de cima para baixo, com o cinegrafista em pé apontando a câmera para a estudante, na cadeira de rodas. Tradicionalmente, enquadramentos de cima para baixo representam pequenez e inferioridade, como explicam Rosa Schuch, Milton Vieira e Marília Gonçalves, autores da revista Travessias, do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
O enquadramento inclinado, em que a câmera é inclinada de cima para baixo em direção ao personagem em cena, é chamado plongée. Salvo no grande plano geral – onde este tipo de posicionamento serve para contemplar uma paisagem ampla, vista de cima de um edifício, por exemplo – cria-se a sensação de inferioridade da personagem filmada (CÀMARA, 2005).
Por se tratar de uma fonte que é cadeirante, esse enquadramento é especialmente problemático, pois pessoas com deficiência sofrem preconceitos e são consideradas inferiores por grande parte da sociedade, e a escolha de posicionamento de câmera ajuda a reafirmar esses aspectos. O mesmo enquadramento é repetido em 1min51s. Já em 3min49s, o enquadramento é ajustado para ficar na altura da entrevistada, apesar da filmagem ser realizada de perfil. Percebemos como essa escolha melhora a qualidade do material, pois agora a fonte está próxima do telespectador e no nível do seu olhar, assim como da tela.
A matéria é completa no que diz respeito à escolha de fontes, mas falta contextualizar com outras cidades do país. Entre outras capitais, Florianópolis está atrás de pelo menos quatro no quesito acessibilidade no transporte público: Boa Vista, em Roraima, e Palmas, em Tocantins, são 100% adaptadas, Curitiba tinha sua frota adaptada em 94%, em 2016, e São Paulo tinha 90,6% da sua frota adaptada em 2017. Dados como esses teriam ajudado o espectador a entender onde a capital do estado se encontra em comparação com o resto do Brasil.
Para o cadeirante e estudante de Jornalismo na UFSC, Lucas Vinicio Stank, a reportagem traz aspectos positivos e pouco destacados geralmente, como o fato de mostrar a existência de um único espaço para cadeirantes e dar voz à AFLODEF, e trata o assunto e os deficientes com respeito e seriedade. “Ela mostra um problema que muitas vezes é esquecido que é o de que cada ônibus só tem um lugar para cadeirante, então, se existe mais de um deficiente que precisa, ele fica na mão”. Ele também destaca que nessa reportagem, assim como em outras, deveria ser abordada a falta de acessibilidade até os pontos de ônibus.
Outras reportagens sobre o assunto
Ao pesquisar a palavra acessibilidade no Globo Play, o serviço de assinatura da Rede Globo na internet, são encontrados 1.894 vídeos, sendo que 54 foram publicados em 2018 em telejornais e programas de todo o país e tratam especificamente sobre acessibilidade de portadores de deficiência física, auditiva ou visual.
Em abril de 2018, a NSC TV elaborou uma reportagem semelhante à analisada acima, porém com foco em todo o estado. “Cidades de SC ainda não têm frota de ônibus 100% acessível para deficientes” traz como fonte dois deficientes, o Consórcio Fênix e a representante da OAB Ludmila Hanisch, mesma fonte para a matéria desse mês, que lembra que a legislação brasileira é uma das melhores do mundo na proteção da pessoa com deficiência, mas falta cuidado do poder público com essa população.
A falta de acessibilidade fere o direito de ir e vir da pessoa com deficiência física, assim como gera situações perigosas e embaraçosas. A cadeirante e aposentada Daniela Tomaz conta que já passou por diversas dificuldades envolvendo o transporte coletivo. “Já na parada de ônibus os cobradores dizem para pegar outro porque os elevadores não estão funcionando. Também já passei por situações na qual quatro cobradores suspenderem minha cadeira motorizada para me tirar do ônibus porque o elevador pifou quando eu iria sair”, relembra.
O tema de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência passa por muitos outros fatores além de direitos básicos como o de ir e vir. Para Daniela, outros aspectos da vida de pessoas com deficiência têm tanta importância quanto, e não são tratados na mídia. Um exemplo é a moda inclusiva. Entre outros eventos, Florianópolis sedia anualmente o Prêmio Brasil Sul de Moda Inclusiva, um desfile de roupas para pessoas com deficiência, hoje na sua 6ª edição. “É um nicho que hoje em dia não é visto pela sociedade. Algumas pessoas também são excluídas por uma vestimenta, e hoje em dia existem vários estilistas já projetando roupas para esse tipo de pessoa”.
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Este artigo foi produzido na disciplina Crítica do Jornalismo, que motiva os estudantes a desenvolverem capacidades de leitura crítica sobre os veículos jornalísticos locais. O texto foi elaborado por meio de análise do Jornal do Almoço (da NSC/TV), observado no período de 21 a 25 de maio de 2018.
Fonte: objethos
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