Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Pretendia limitar-me ao cherne mas sinto-me perto do Éden. Portugal confunde-nos os nomes e as prioridades, sendo que há quem troque as cores de Portugal pela lixeira onde se movem os seus interesses particulares.
Familiarmente reconhecido como Éderzito, não há já forma de não recordar o nome para sempre. No seu prolongamento particular de carreira, quando já tantos haviam traçado o fim do seu tempo de jogo, (ar)rematou o Euro"16 e costurou, lá dentro, as redes de uma enorme felicidade colectiva. Éder, o mal-amado que faz do "coaching"- coração, atinge o topo da sua iconografia desportiva, dias depois de um ex-presidente da Comissão Europeia ter atingido o "topo da carreira empresarial". Se Éder foi condecorado em alvará por Marcelo, foi do presidente que Durão Barroso ouviu a frase assassina. Na realidade, há muito que Durão deixou de ser um político na política para dar lugar a um comissário dos seus próprios interesses.
Que ninguém se admire porque é o movimento padrão. Mas não deixa de ser notável que toda a Europa tenha rugido de indignação e espanto perante a medalha de lata que Durão Barroso resolveu comprar para o seu próprio pescoço. Draghi, Monti, Prodi, Borges ou Papademos, todos eles políticos europeus que se apresentaram ao serviço da Goldman Sachs (GS). Mas Durão foi presidente da Comissão Europeia durante uma década e nem dois anos esperou para a servir cadáver. O homem que cozinha na cimeira das Lajes e apoia a invasão do Iraque em 2003 é o homem que pede aos portugueses para vestirem a camisola e, acto contínuo, abandona o barco em 2004. O homem que transita de extremo a extremo - como se fugisse dentro da sua viagem de sonho - é um dos coveiros do projecto europeu e salta, feliz, para dançar dentro da cova que abriu.
Ao accionar o botão da porta giratória para exercer influências num banco de agiotagem que está na origem da crise de 2008, Durão elegeu um pretexto anedótico: minorar os efeitos do Brexit. Acredito, então, que a GS também possa acolher em breve o demissionário David Cameron. Espantar-me-á (desta vez) que Durão mude de opinião sobre o ainda primeiro-ministro britânico de quem disse, bem recentemente, ter andado "20 anos a desvalorizar o trabalho da UE". Feitas as contas, Durão só o faz há uma década e não admitirá semelhante concorrência.
O estigma da comparação. Concorrência era algo que Éder, o nosso herói improvável, não tinha. Sem mais pontas de lança, a selecção navegava num deserto. Mas tinha a competência que poucos sabiam ou adivinhavam, superando o seu conflito de interesse com os golos. Já Durão não ousa ter conflitos, só interesses. E só se superou desta vez porque é verdadeiramente capaz de tudo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
* Músico e advogado
Nenhum comentário:
Postar um comentário