Afonso Camões – Jornal de Notícias, opinião
Do outro lado da ilha cubana que o presidente Marcelo visita dentro de dois dias, há uma baía e um pedaço de terra arrendados há 103 anos, onde os americanos instalaram uma base naval e, desde 2001, também uma prisão de alta segurança. Ali, sobre Guantánamo, assim se chama também a cantada província de Cuba, paira a nuvem que ensombra o legado de um outro, o presidente cessante dos Estados Unidos, Barak Obama.
A criação daquela cadeia, por iniciativa do seu antecessor republicano George W. Bush e ao arrepio das Convenções de Genebra, constitui uma das mais negras violações americanas da legalidade internacional. Trata-se da instauração consciente e voluntária de um limbo legal para deter, debaixo de custódia militar e em muitos casos sob tortura, "prisioneiros terroristas" a quem chamam de "combatentes inimigos", muitos deles sem culpa formada, sem julgamento e sem nenhumas garantias de defesa, nem pelos tratados internacionais nem sequer pela lei americana. Chegaram a ser 780, entre os 13 e os 80 anos.
Imaginado pelos fiéis de Bush como lugar para onde "vais e não voltas", a prisão de Guantánamo devia servir para deter indefinidamente militantes talibãs e membros da al-Qaeda, sem lhes oferecer as garantias dos tribunais americanos. Ao contrário, Obama sempre defendera em campanha que a manutenção daquele presídio é agora um perigo para a segurança: serve de bandeira na propaganda para recrutar terroristas e dificulta as relações com os seus aliados, para além do custo económico desmesurado.
Em janeiro de 2009, mal tomara posse, Obama assinou o decreto que proibia os abusos durante os interrogatórios e ordenava o encerramento da cadeia de Guantánamo, o mais tardar no prazo de um ano. Nunca conseguiu, porém, executá-lo. Chocou com a oposição do Congresso de maioria republicana, da mesma forma como, já em 2009, tinha sido travado pela então maioria democrata. Nada de mais impopular que levar tais presos para território americano, ali onde congressistas e senadores têm os seus votantes. Como se não bastasse, o candidato republicano à presidência, Donald Trump, é partidário não só de manter a prisão aberta, mas também internar lá cidadãos norte-americanos.
Prestes a terminar os seus dois mandatos e comparado com os seus antecessores, Obama colhe uma das mais altas taxas de popularidade de sempre. Quando ele levava apenas nove meses de mandato e ganhou o Nobel da Paz ainda havia em Guantánamo 242 presos. Hoje, os 61 que lá continuam detidos são a sua promessa por cumprir.
*Diretor
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