Vai quase para duas décadas, foi um verão terrível, muitos incêndios, alguns em locais “sagrados” que a comunicação social amplifica, hectares e hectares consumidos pelas chamas, veículos calcinados, bombeiros mortos no combate.
Um verão para recordar.
Todos os anos, o extinto Serviço Nacional de Bombeiros elaborava o Plano de Reequipamento dos Corpos de Bombeiros, tendo em conta as necessidades identificadas e o orçamento disponível, sabendo que aquelas eram “infinitas” e o dinheiro escasso. Depois do Plano aprovado, havia sempre reclamações e descontentamentos.
Numa tarde de verão, ao contrário do que malevolamente faziam crer as alcoviteiras do costume e as putas do regime, recebi um presidente e um comandante que vinham reclamar da não atribuição de um Auto -Tanque, assim se chamava à época, solicitando que o dito lhe fosse atribuído excepcionalmente.
Defenderam os seus pontos com veemência e assertividade. Eu reconhecia-lhes a razão, só não tinha como a tornar visível. Havia uma impossibilidade prática para a satisfação do pedido, as viaturas adjudicadas já tinham beneficiários e orçamento não comportava mais despesa. Vi nos olhos do comandante uma angústia tremenda e uma frustração enorme, quase uma revolta, por não ver a sua pretensão, legítima, satisfeita.
Lutava por aquele veículo como se fosse o seu último desejo.
Fixei esse desânimo, fiquei com essa fotografia na minha memória visual.
Tentando controlar os danos, retorqui que iria tentar que no próximo ano a pretensão fosse acolhida e que, caso precisassem, o SNB poderia entregar um Auto-Comando, que os tinha disponíveis.
Seriamente, ambos responderam que não era necessário, ficando então apalavrado o desejo para o ano seguinte. Nem um mês depois, um violento incêndio dizimou hectares e hectares de mato e floresta, prejuízos económicos e danos ambientais incalculáveis.
E um terrível drama humano.
Tentando controlar os danos, retorqui que iria tentar que no próximo ano a pretensão fosse acolhida e que, caso precisassem, o SNB poderia entregar um Auto-Comando, que os tinha disponíveis.
Seriamente, ambos responderam que não era necessário, ficando então apalavrado o desejo para o ano seguinte. Nem um mês depois, um violento incêndio dizimou hectares e hectares de mato e floresta, prejuízos económicos e danos ambientais incalculáveis.
E um terrível drama humano.
O Comandante falecera no combate, “engolido” pelas chamas, lutando como pôde, no “seu” Auto-Comando. Minutos depois, uma bombeira passara pelo local, apercebera-se da gravidade da situação e tentara ajudar, sem, contudo, imaginar a identidade da vítima, seu pai.
Pudera eu ter atribuído o veículo e o incêndio não seria o Diabo à solta. Talvez.
Pudera eu ter atribuído o veículo e o incêndio não lamberia os quintais. Talvez.
Pudera eu ter atribuído o veículo e talvez o Comandante não tivesse falecido. Talvez.
Pudera eu ter atribuído o veículo e o incêndio não lamberia os quintais. Talvez.
Pudera eu ter atribuído o veículo e talvez o Comandante não tivesse falecido. Talvez.
Estes momentos marcaram-me profundamente e ainda hoje não há dia de incêndio que não me lembre deles.
Dos momentos e do Comandante. Da angústia e do desespero no rosto dum homem, que pedia e nada do que pedia era para ele.
Dos momentos e do Comandante. Da angústia e do desespero no rosto dum homem, que pedia e nada do que pedia era para ele.
Por muito que ande e me vire, no silêncio inquietante da minha consciência, não me livro disto.
De não ter satisfeito o último pedido de um grande Comandante. Talvez pudesse.
Talvez tudo fosse diferente. Talvez.
Talvez tudo fosse diferente. Talvez.
Rebelo Marinho
Fonte: BPS
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