Pedro Filipe Soares | Diário de Notícias | opinião
A narrativa de PSD e CDS sobre a realização de greves tem sido curiosa: andaram quatro anos a desvalorizar a mobilização social e sindical e agora parecem sentir algum saudosismo desses momentos. Essa é a prova de que cada vez que desmereciam uma greve ou manifestação apenas tentavam enganar quem saía à rua e não se calava contra a austeridade. O teatro era apenas para negar a pressão que as lutas populares produziam em quem governava e a desmoralização que provocavam.
Sendo verdade que assistimos a uma redução da mobilização popular desde que foi encontrada a solução política que afastou a direita do poder, isso não é de estranhar. Apesar do medo que foi instrumentalizado pela direita, houve mesmo a força para vencer PSD e CDS. E, face ao terror que tinham sido os anos da austeridade, as primeiras políticas que foram trilhadas quase pareceram caídas do céu. Acabaram os cortes de salários ou pensões, levou-se a tarifa social de energia a mais de 700 mil famílias e foram melhorados os apoios sociais. Estes são apenas alguns exemplos que comprovam a tese essencial: foram medidas que materializaram a esperança num caminho diferente, com uma maior distribuição de rendimentos e maior justiça social.
O caminho que se iniciava no início de 2016 foi de vitórias, convencendo até os mais céticos. Continuamos com medidas positivas: aumento extraordinário de pensões, programa nacional de combate à precariedade no Estado, e caminhamos a passos largos para a eliminação da sobretaxa de IRS. Avanços que acompanham e apadrinham resultados positivos na economia e na criação de emprego. Passos Coelho e Assunção Cristas parecem não compreender por que estas políticas satisfizeram as pessoas, mas elas compreenderam isso muito bem.
A mobilização social e sindical é um termómetro da aprovação das políticas que vão sendo seguidas. E se até ao início de 2017 as coisas foram mais tranquilas, compreende-se que a esperança e a expectativa criadas exijam mais da ação do governo. Por isso mesmo não é de estranhar que estejamos a assistir a um aumento da reivindicação social, com a recente marcação de greves em setores fundamentais como a Saúde ou a Educação, ou a reivindicação de mais direitos pelos trabalhadores.
A marcação de greves é um ato absolutamente normal em democracia, repetiram vozes ministeriais ao longo das últimas semanas. Sendo uma verdade inequívoca, foi uma tentativa clara de normalizar uma reivindicação que se afirma crescente. Mas essa normalização parece aquela pancadinha nas costas que mais significa indiferença do que genuína preocupação.
Os profissionais do Serviço Nacional de Saúde sabem bem o que falta fazer para defender a saúde pública. Entre 2011 e 2015 foram cortados 969 milhões de euros nas transferências do Orçamento do Estado para o SNS, houve uma redução de 4400 profissionais. Não é de estranhar que se espere mais do governo nesta área. Quando os profissionais fazem greve, estão a reivindicar melhores condições de trabalho para servirem os seus utentes, para garantirem melhores serviços de saúde.
A vinculação de professores na escola pública não é um mero capricho dos sindicatos, é uma exigência de toda a comunidade escolar que acredita no potencial de uma escola de qualidade para todas e para todos. O aumento do número de assistentes técnicos ou operacionais é incontornável e uma urgência, basta fazer uma visita a qualquer escola para o verificar. Se estes argumentos são esgrimidos para defender a realização de uma greve, então essa greve é por todos nós, é pela escola pública de qualidade. Não é uma birra nem deve ser tratada como tal.
A precariedade que atinge cada vez mais trabalhadores é um flagelo para quem vê as suas vidas adiadas e a exploração protegida por lei. A selva dos contratos a prazo, a lei laboral feita à medida dos interesses das corporações ou a desvalorização da contratação coletiva são ainda legados da troika, desfasados de um tempo que se queria de progresso. Lutar contra estas iniquidades não é só aceitável, é incontornável.
A crescente mobilização social mostra que a esperança num caminho alternativo não ficou fechada na gaveta com a criação da solução política que levou ao governo minoritário do PS. Essa esperança ainda está por se cumprir e interpela para melhores políticas. É o fim do estado de graça? Não, é a prova de que a exigência não diminuiu com o passar do tempo. Quem congela expectativas não pode estranhar que a reivindicação aumente. Se o governo parece esfriar nas suas políticas, é o termómetro das lutas que começa a aquecer.
*Líder parlamentar do Bloco de Esquerda
Imagem: Exposição José Carrilho
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