O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) ouviu, na segunda-feira (18), mais seis réus implicados no roubo de 170 milhões de meticais no Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), recorrendo artifícios supostamente arquitectados pela ex-Presidente do Conselho de Administração daquela entidade do Estado, Setina Titosse.
Felisberto Zacarias, de 45 anos de idade, confirmou ao tribunal que, sem reunir os requisitos, recebeu 5.118.230 meticais, pretensamente destinados a financiar um projecto de criação de gado.
Todavia, o programa não nunca foi implementado porque todo o dinheiro que ele recebeu ficou na posse de terceiros, que alegadamente cumpriam ordem de Setina Titosse. Esta continua, em sede do tribunal, a ser a pivô de toda a tramoia que culminou com o referido roubo. O arguido narrou que para ter acesso ao crédito não precisou elaborar projecto algum. Alguém do FDA fez por tudo ele e a sua função foi apenas dirigir-se ao bando para levantar o fundo.
E quando ele recebeu o dinheiro foi orientado a transferir quase o todo para diferentes contas bancárias, cujos titulares canalizavam, por sua vez, à antiga PCA daquela instituição para o fornecimento de gado.
Dos 5.118.230 meticais, Felisberto ficou com apenas 218 mil meticais gastos no tratamento médico da esposa, que se encontra hospitalizada.
Ele sente-se, agora, seduzido e abandonando ou mesmo usado, pois não teve o talhão prometido nem o nem gado com vista a dar continuidade ao seu sonho de ser agro-pecuário.
O acusado declarou que desconhece a pessoa que elaborou o seu projecto, mas quem o convidou para solicitar financiamento no FDA foi Vicente Martim, seu conhecido de longa data e de confiança.
Segundo as suas palavras, Vicente Martim foi a pessoa que lhe orientou no sentido de transferir o dinheiro para duas contas diferentes, das quais uma do próprio visado e a outra de Milda Cossa, assistente pessoal de Setina Titosse, para a compra de gado.
Refira-se que, na semana passada, a coadjutora da antiga número um do FDA declarou, também, no tribunal que nada fez por iniciativa própria, mas sim, cumpria ordem da sua patroa.
Lazão Mondlana, 62 anos de idade, admitiu igualmente ter sido bafejado com a sorte de ter 5.041.000 meticais, supostamente para a criação de gado, sem nunca ter submetido projecto algum.
Mas o valor não teve esse fim, pois foi canalizado para as conta bancárias de Vicente Martim e da antiga PCA do FDA. Aquele é quem orientava Lazão para efectuar as transferências, alegando que iria coordenar o processo de aquisição de animais.
O aspirante a criador de gado, mas que faliu sem ter iniciado o negócio, disse que confiou em Vicente porque o conhece há vários anos e porque não tem experiência em lidar com os animais.
Parte do crédito que era pretensamente destinado a Lazão foi canalizada para a conta de Gerson Manganhe, por sinal, um dos irmãos de Milda Cossa.
Lazão afirmou, em sede do tribunal, ter ainda movimentado cheques avulsos a favor de Vicente e ele só beneficiou de aproximadamente 100 mil meticais, os quais gastou, paulatinamente, em despesas domésticas, mas nunca conheceu o espaço onde o programa seria concretizado.
Quando perguntava ao seu amigo Vicente sobre a morosidade na implementação do projecto de criação de gado, ele alegava que, devido à seca, era imperioso esperar um pouco mais até o problema estar ultrapassado.
Entretanto, o acusado tentou convencer o juiz da causa, Alexandre Samuel, de que ele é inocente. Defendeu-se, justificando que as desculpas que dava aos outros cidadãos lesados eram as mesmas que recebia do FDA e era instruído no sentido de dizer informar os outros que os animais e a condições para a sua criação ainda não tinham sido criadas.
Cumpria ordens da ex-PCA
Ao tribunal, Vicente, 40 anos de idade, motorista da Electricidade de Moçambique (EDM), começou por assumir que do FDA recebeu um financiamento de 4.606.000 meticais, pese embora sem preencher os requisitos para o efeito.
Desse montante, ele transferiu 2.500.000 meticais para Milda Cossa, por ordens “da engenheira Setina Titosse”, para aquisição de 65 cabeças de gado.
Ele conheceu a ex-número um do FDA – com qual não tem relação alguma – por intermédio de Leopoldina Bambo, sua comadre e empregada de Setina.
De acordo com Vicente, todos os supostos mutuários eram instruídos a canalizar uma boa parte do dinheiro que recebiam para Milda Cossa ou Setina. Esta, por vezes, recebia os fundos na sua própria casa, que em algumas ocasiões servia de local de encontro. “Ainda não me mostraram” esse espaço alegadamente com 65 cabeças de gado para iniciar o projecto e já passa muto tempo.
“Em nenhum momento a senhora Setina Titosse me facultou o número da conta dela, mas quando precisasse de valores me mandava para levanta e lhe entregar. Em casa dela já lhe entreguei quatro vezes ou mais valores acima de e 200 mil e 500 mil meticais”, para efeitos de compra e gado e criação de infra-estruturas no espaço que me prometeram.
Os montantes em causa eram provenientes de mutuários tais como Adriano Mavie, Lazão Mondlana, José Mazebuca, e Atália Machava, entre outros. “Ela [Setina Titosse] confirmava que recebeu os valores”. Nunca houve visitas aos locais onde se propunha criar gado.
Vicente Martim acusou Setina Titosse de o ter instruído a difundir que no FDA havia facilidades de obtenção de crédito. Foi assim que ele conseguiu arrastar Adriano Mavie, Lazão Mondlana, José Mazebuca, e Atália Machava para o esquema fraudulento.
A dado momento, a sua esposa Atália Machava começou a receber chamadas telefónicas de pessoas estranhas que alegavam ser gestores do banco e pretendiam lhe ajudar a gerir o dinheiro.
“Ela ficou com medo e abdicou-se do projecto”, contou Vicente, esclarecendo que a sua consorte entregou pessoalmente à Setina Titosse, na habitação desta, os 800 mil meticais que tinham sobrado do valo global do financiamento.
Contudo, Atália, que é incriminada de se ter beneficiado de 5.200.000 meticais, dos quais foi orientada a transferir 4.400.000 meticais para a conta de Milda Cossa, para a alegada aquisição de gado na empresa de Setina, desmentiu o marido e contou que não se recorda de ter sido amedrontada.
“Depois de transferir o valor fiquei impossibilitada de continuar o projecto porque não tinha condições emocionais para continuar”, uma vez que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), numa altura em que estava grávida.
“Os remanescente 800 mil meticais foram entregues ao meu esposo. Não sei para que fim ele destinou, mas ele disse-me que iria comprar gado”.
Por sua vez, Adriano Mavie, 44 anos de idade, disse que recebeu, ilicitamente, um financiamento de 5.100.000 meticais, dos quais parte de valores foram canalizados para Vicente Martim e Leopoldina Bambo.
Leopoldina Bambo, 40 anos, e Atália Machava, de 37 anos, também prestaram declarações segundo as quais receberam fundos do FDA mas não aplicaram em programa algum. De tudo quanto elas disseram, pouca coisa difere dos depoimentos dos demais co-arguidos.
“Ela pediu o número da minha conta alegando que alguém ia transferir dinheiro para a comprar gado. Ela perguntou se eu tinha conta no bando e respondi que sim. Não tive nenhum benefício e não questionei [a finalidade do dinheiro] porque sei que há anos que ela é criadora e vende gado”, afirmou Leopoldina.
Neste trama de ladroagem, está também envolvida uma cidadã de nome Laureta Filmão, prima de Leopoldina.
“Estou sem chão e tenho que assumir: todo o trabalho feito pela Laureta passou pelas minhas mãos” e os fundos movimentados foram entregues à Milda Cossa, para compra de gado, disse a antiga empregada de Setina.
Fonte: Jornal A Verdade. Moçambique
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