♦ Paulo Henrique Américo de Araújo
Nos últimos meses, notícias de abusos sexuais de membros do clero ganharam novamente grande destaque na mídia. As evidências existem, embora sejam habitualmente acompanhadas de exageros da imprensa. Escândalos como os noticiados causam indignação e tristeza em todos os católicos verdadeiros, mas sobretudo no coração materno de Nossa Senhora.
Nesses momentos em que o público se manifesta estarrecido com o noticiário, os propagadores de falsas soluções surgem e se arvoram em defensores da moral infantil e juvenil, repetindo a velha cantilena de que a Santa Igreja deve mudar suas instituições e disciplinas. O celibato sacerdotal e a organização hierárquica da Igreja tornam-se os alvos preferidos de tais detratores e fabricantes de falsas soluções.
Curiosamente, a mídia anticatólica passou a pontificar contra os abusos sexuais de membros do clero. Mas é público e notório que ela há muito tempo se destaca como a maior promotora da perversão sexual de crianças, jovens e adultos. Basta ver o amplo espaço que dedica à imoralidade na TV, no cinema, na internet; à educação sexual e ensino da ideologia de gênero nas escolas; à pornografia e incentivo a desvios sexuais em todos os veículos de publicidade. Sendo essa mídia a grande propagadora dos erros morais, com que direito esbraveja contra os que praticaram esses mesmos erros? Deveriam entender ainda que uma consequência inevitável da propaganda que fazem da imoralidade e liberalização dos costumes é a penetração dessa imoralidade nos próprios seminários, minando na base a tradicional exigência da castidade e pureza dos costumes no clero. Tudo isso, dói também dizê-lo, com a conivência ou cumplicidade de altos Prelados.
A solução para a crise moral do clero não se encontra na desconstrução dos costumes e instituições católicas milenares, mas na retomada vigorosa deles. Acrescente-se a necessidade de frisar a noção do pecado, do bem e do mal. Sem isso, será inócua qualquer medida para encontrar, denunciar e punir os eventuais culpados de abusos sexuais dentro da Igreja.
Diante desse quadro, bem se podem aplicar as palavras de Plinio Corrêa de Oliveira em uma meditação da Via Sacra publicada em Catolicismo (março/1951): “Quantos são os que realmente veem o pecado e procuram apontá-lo, denunciá-lo, combatê-lo, disputar-lhe passo a passo o terreno, erguer contra ele toda uma cruzada de ideias, de atos, de viva força se necessário for? Quantos são capazes de desfraldar o estandarte da ortodoxia absoluta e sem jaça, nos próprios lugares onde campeia a impiedade ou a piedade falsa? Quantos são os que vivem em união com a Igreja este momento, que é trágico como trágica foi a Paixão, este momento crucial da História, em que a humanidade inteira está escolhendo por Cristo ou contra Cristo?”
Inviolabilidade do segredo da confissão
Entretanto, a atual ofensiva contra a Igreja aproveita-se dos escândalos sexuais para avançar ainda mais na sua obra destruidora. Pretende inclusive quebrar o sigilo do sacramento da confissão. Em junho deste ano, o território de Camberra, na Austrália, aprovou uma lei que obriga os sacerdotes católicos a revelar à polícia o segredo de confissão, quando algum fiel declarar pecados em matéria de abusos de menores. A norma passará a vigorar a partir de 31 de março de 2019.1
No momento, o alcance dessa lei anticatólica é regional, mas já se cogita a sua ampliação para a esfera nacional. A informação é de Sandro Magister: “O primeiro-ministro de New South Wales, um dos estados que constituem a federação australiana, já requereu que a lei seja discutida e sancionada em âmbito federal, tornando-a válida para todo o país”.2
O clero católico, como é seu dever, reagiu com firmeza. O Pe. Michael Whelan, pároco de Saint Patrick, em Sydney, esclareceu que o Estado não pode constranger os sacerdotes católicos a praticar o mais grave dos crimes. E acrescentou que ele e outros sacerdotes estão “dispostos a ir para a prisão” antes que violar o segredo de confissão.
A Fraternidade Australiana do Clero Católico (Australian Confraternity of Catholic Clergy – ACCC), associação privada de sacerdotes, afirmou que o segredo sacramental “não é meramente uma questão de direito canônico, mas de Lei Divina, a qual a Igreja não tem poder para dispensar. Nenhum sacerdote está obrigado a cumprir qualquer lei humana que procure solapar a confidencialidade absoluta da confissão”.3
É importante lembrar a firmeza com que a Igreja trata o sigilo da confissão. O cânon 984 do Código de Direito Canônico proíbe terminantemente ao confessor fazer uso de qualquer informação ouvida na confissão. O cânon 1388 pune o confessor que “viole diretamente o sigilo sacramental, com excomunhão latæ sententiæ [automática] reservada à Sé Apostólica”; quer dizer, além de ser automática, a excomunhão só pode ser levantada pelo Papa.
Além de iníqua, a lei favorece o abuso
Qualquer iniciativa para violar essa sagrada instituição representa grave violação à liberdade da Igreja Católica. Em outras palavras, trata-se de perseguição religiosa sob a capa de legalidade. Como se essa tirania legislativa já não bastasse, alguns membros do clero australiano a consideram também ineficaz. A Fraternidade Australiana do Clero Católico registrou uma gravíssima contradição: os pecadores deixarão de confessar o ato iníquo, e consequentemente permanecerão sem os recursos penitenciais e sobrenaturais para evitar a reincidência. Como resultado evidente, a lei acabará aumentando o crimes que pretende evitar.
Além disso, caso algum sacerdote católico se disponha a denunciar um eventual confidente, como poderá ter certeza da sua identidade? Pois é sabido que na maioria das vezes as confissões são feitas através da grade do confessionário, e nessa situação é difícil o reconhecimento de qualquer pessoa. Exigirá a nova lei que o confessor pergunte o nome do penitente? Quantas outras situações constrangedoras surgirão daí? Os absurdos da lei vão se sobrepondo uns aos outros.
Diante dessa onda, mais uma pergunta se impõe: estarão os sacerdotes australianos — e eventualmente os do mundo inteiro — dispostos a manter o segredo de confissão a todo o custo, até mesmo ao preço da própria vida? Outros já o fizeram no passado…
Mártires do sacramento da confissão
Talvez o caso mais conhecido de martírio por fidelidade ao sigilo da confissão seja o de São João Nepomuceno.4 Em meados do século XIV ele era Arcebispo de Praga e se tornou confessor da rainha Sofia, esposa do rei Wenceslau. O soberano considerou-se no direito de exigir que ele lhe revelasse a confissão de sua mulher. Diante da negativa, em um ataque de cólera Wenceslau ameaçou-o de morte. Posteriormente, aproveitou-se de uma querela com o santo sobre bens da Igreja como pretexto para torturá-lo e atirar seu corpo no rio Moldava. Recolhido pela população local, o corpo foi sepultado religiosamente.
No século XX, durante a perseguição aos católicos no México, o Pe. Mateo Correa Magallanes foi fuzilado pelas autoridades do governo pró-comunista, por se negar a revelar as confissões de prisioneiros resistentes, tornando-se mártir do sigilo sacramental. Pelo mesmo motivo, os padres Felipe Císcar Puig e Fernando Reguera foram martirizados durante a Guerra Civil Espanhola, na década de 30.
Na esteira de protestos generalizados contra abusos sexuais praticados por membros do clero, podem estar sendo articuladas perseguições como essas e muitas outras. Todos nós católicos lamentamos e repudiamos esses eventuais abusos. Mas também desejamos e esperamos que, se a tais extremos chegar a presente perseguição contra a Igreja, os exemplos já registrados pela História sirvam de modelo para os clérigos de nossos dias.
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Notas
- Cfr. https://revculturalfamilia.blogspot.com/2018/08/sacerdotes-australianos-preferem-prisao.html
- Cfr. http://magister.blogautore.espresso.repubblica.it/2018/08/19/church-under-attack-bans-on-the-sacrament-of-confession/?refresh_ce
- Cfr. https://www.aciprensa.com/noticias/por-que-mas-sacerdotes-de-australia-se-niegan-a-romper-el-secreto-de-confesion-62750
- Cfr. https://www.aciprensa.com/noticias/4-sacerdotes-que-defendieron-hasta-el-extremo-el-secreto-de-confesion-95756
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 815, Novembro/2018.
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