terça-feira, 17 de maio de 2016

PASTORA EVANGÉLICA PROVOCA POLÉMICA NO CANADÁ APÓS DECLARAR QUE NÃO ACREDITA EM DEUS


 


Gretta Vosper, pastora da Igreja Unida do Canadá que se tornou ateia
Gretta Vosper, uma pastora evangélica do Canadá, declarou-se ateia em 2013. Para si, Deus é apenas uma metáfora sobre as relações que estabelecemos com o mundo. “Com tantas coisas más à nossa volta, não posso aceitar o argumento de que qualquer acontecimento é parte da vontade de Deus”, afirma.
As declarações de Gretta têm provocado polémica no Canadá, já que durante o próximo mês a líder religiosa enfrenta um processo que pode resultar no fim da sua carreira – e alterar para sempre a forma como os canadianos lidam com a espiritualidade.
A conversão da pastora ao ateísmo começou há 15 anos, de forma gradual. Começou por remover menções bíblicas dos seus discursos, na comunidade de West Hill, deixando aos poucos de citar todas as entidades sobrenaturais, incluindo Jesus Cristo.
Em seguida, deixou de fazer as orações que tradicionalmente iniciam e finalizam o culto protestante, substituindo-as por conversas com os membros da congregação onde discute soluções para problemas que atingem a comunidade, dilemas da vida moderna, promovendo ações comunitárias e partilha de experiências.
No local de cultos, todos os objetos religiosos foram removidos. A única cruz no interior foi escondida por uma série de pano coloridos, que formam uma espécie de arco-íris suspenso.
Vosper veio a público declarar-se ateia em 2013, quando decidiu tomar a decisão mais radical ao saber que 84 bloggers do Bangladesh estavam sob ameaça de morte feitas por extremistas islâmicos.
Desde então, os representantes da comunidade protestante acusam-na de distorcer a função da religião, além de questionar a sua legitimidade como líder da chamadaIgreja Unida do Canadá em Toronto.
“Não esperava este impacto, mas não me arrependo de nada do que disse. Tanto Deus quanto a religião são hoje usados por grupos privilegiados, interessados apenas em manter o seu estatuto opressor. Não quero fazer parte disso”, defende.
“Não vejo qualquer evidência de que Deus exista, especialmente aquela figura benevolente que tem tudo sob o seu comando”, afirma à BBC.
Para Gretta Vosper, Deus é apenas uma metáfora sobre as relações que estabelecemos com o mundo. “Com tantas coisas más à nossa volta, não posso aceitar o argumento de que qualquer acontecimento é parte da vontade de Deus”, afirma.

A tolerância como mandamento

Nascida em 1925, a Igreja Unida do Canadá resulta da união de quatro correntes protestantes, incluindo a presbiteriana e a metodista. Conta com 2,5 milhões de seguidores, cerca de 7% da população total do país, e perde apenas para o catolicismo em número de fiéis.
Trata-se de uma doutrina reconhecida no país pelas suas posições progressistas, nomeadamente por admitir pastores homens e mulheres, líderes declaradamente homossexuais e a união entre casais gays, aceita desde os anos 80.
Instaurado em 2015, o processo de avaliação da posição de Gretta Vosper vai decidir até o próximo mês se esta pode continuar a fazer parte da entidade. Será uma batalha desgastante, na qual 40 membros da Igreja Unida vão interrogá-la e julgar os seus conceitos sobre Deus.
Trata-se de um procedimento raríssimo na instituição, que só acontece quando algum de seus membros é alvo de graves acusações.
“O objetivo é investigar a situação, já que os conceitos defendidos por Vosper são alvo de preocupação por parte dos nossos membros”, descreve o reverendo David Allen, secretário-executivo responsável pela região de Toronto.
“Após ouvi-la, a comissão vai decidir se ela está apta a continuar a exercer o cargo. Caso não seja, será afastada definitivamente”, diz.
Até o momento, Gretta já gastou 60 mil dólares canadianos (cerca de 40 mil euros) na batalha para provar que a sua definição de Deus merece ser considerada pelo júri religioso.
A líder religiosa acredita que a crescente polémica que se gerou deve-se a uma nova onda conservadora, já que os ataques mais duros começaram somente em 2015, uma década depois das suas primeiras declarações nada ortodoxas.
Num país em que as entidades religiosas exercem pouca influência na sociedade, membros mais progressistas deixaram de frequentar a igreja, restando um público mais resistente a mudanças.
No entanto, se um suposto conservadorismo cresce em outras congregações, a comunidade de West Hill promete unir-se para salvar a pastora da crucificação.
Durante o culto, todos usam um pin onde se lê “A minha igreja inclui Gretta Vosper”, e já organizam protestos para serem realizados durante o julgamento.
“Já passei pelas por todas as religiões, mas não me tinha identificado com nada até conhecer a pastora Gretta”, diz Joan Grace, uma reformada que se tornou fervorosa defensora do ateísmo há sete anos.
“Não poderia mesmo acreditar que o filho de Deus nasceu na Terra e sua mãe era virgem. É um absurdo que isso não possa ser contestado, o que estão fazendo é uma inquisição”, dispara.

O milagre de Gretta

Se a Idade Média é evocada como forma de protesto à tentativa de expulsão de Gretta, a pastora defende que a sua inclinação nada mais é do que uma tentativa de atualizar a religião para a vida contemporânea.
“Quando se começa a estudar teologia, é normal acreditarmos naquela mitologia sobrenatural, que é passada de geração em geração. Mas, ao nos aprofundarmos no assunto, é inevitável não questionar como aquilo, nos dias de hoje, ainda é encarado como uma verdade absoluta“, defende.
Gretta Vosper acredita que as religiões permanecem estagnadas no passado, e por isso a sua tentativa de renovar o discurso é evidente em todos os cultos.
“É muito grave que nossa religião continue a ser usada mais como motivo de divisão do que de união. Hoje, temos disponíveis armas com tecnologia do século XXI, mas uma mentalidade ainda presa à Idade Média. É uma mistura explosiva”.
Mesmo com a iminente destituição do cargo, Gretta mantém a rotina de trabalhos voluntários, palestras e cultos. A sequência de entrevistas a que será submetida deverá estender-se ao longo de cerca de um mês – e, mesmo não acreditando no poder das orações para salvá-la da demissão, ainda tem fé na generosidade dos homens.
“Não posso crer que uma entidade tão inclusiva, que sempre lutou pelas mulheres, indígenas, homossexuais, pobres e oprimidos, se vá tornar num espaço de intolerância”, afirma. “A minha vida passou-se aqui dentro, não saberia exercer qualquer outra profissão”, completa.
PAra já, alterar a definição do que é Deus para a igreja está a mostrar-se uma tarefa tão hercúlea quanto dividir o Mar Vermelho.
ZAP / BBC

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