Afonso Camões* - Jornal de Notícias, opinião
Olhemos o planisfério à procura de laços. Aí está. Há pelo menos uma nação no Mundo cuja capital está em cinco continentes: é a língua portuguesa, património comum de sete estados soberanos, adoçada e declinada com diferentes acentos e musicalidades em cada ponto da cartografia onde espetamos o alfinete de cabeça colorida.
Assim é, desta pontinha na Europa ao Brasil, de Cabo Verde a São Tomé, Angola e Moçambique, e também Timor. Podemos espetar ainda outro em Macau, onde o português, apesar de ser usado por uma minoria, partilha com o mandarim o estatuto de língua oficial.
Se isto não é mercado, onde é que está o mercado? Porque será que, em poucos anos, a língua portuguesa já é ensinada em quase duas dezenas de universidades chinesas? A resposta é de previsão estatística e vem-nos da UNESCO: até 2050, haverá entre 340 e 400 milhões de falantes lusófonos. E aqui, o sábio olho chinês para o mercado revela visão rasgada sobre o Mundo e o incerto futuro.
É que a língua portuguesa, tradicionalmente de cultura e diplomacia, pode e deve voltar a assumir a condição de língua global de comércio, como o foi no período da primeira globalização, com os Descobrimentos. A miragem imperial dissolveu-se há muito. Mas o português já é a quarta língua mais utilizada na internet, a terceira mais utilizada no Facebook e no Twitter, e o poder económico do mundo lusófono, em crescimento, já representa 4% da riqueza mundial.
Não se percebe, a esta luz, que passados 20 anos, assinalados em breve, sobre a criação da CPLP não haja uma verdadeira aposta recíproca em transformar a geografia lusófona num verdadeiro mercado comum, facilitador de transações e de livre circulação, pondo termo a esse negócio hipócrita e corrupto que se esconde por detrás da teia burocrática e da concessão de vistos para viagens ou comércio.
Numa comunidade de estados soberanos vigora o princípio da reciprocidade. Pelo que o ónus destes atavismos é de cada um e de todos os sócios, a começar por nós. Nas vésperas de um 10 de junho que o presidente Marcelo leva pela primeira vez para fora de Portugal, para homenagear a nossa diáspora, e a poucos dias do 20.º aniversário da CPLP, é dever dos nossos políticos valorizar a língua como ativo verdadeiramente estratégico, com futuro.
Que importa se é fado ou mandó, morna ou marrabenta? Pode até ser samba, cantado por Caetano: não deixemos "estes portugais morrerem à míngua, minha pátria é minha língua" (...) eu gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Camões". O outro, claro.
*Diretor do JN
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