Marcelo Rebelo de Sousa poderá mudar nos próximos cinco anos de mandato em Belém, mas nos primeiros cem dias de presidência, assinalados esta quinta-feira, foi um caso raro e rápido de consensualidade na política nacional.
Em cem dias participou em mais de 250 iniciativas e comentou quase tudo o que aconteceu - esteve apenas 18 dias em silêncio. Levou a tomada de posse ao Porto e o 10 de junho a Paris. Fez sete deslocações oficiais ao estrangeiro e visitou nove concelhos alentejanos em três dias. Reuniu o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Conselho de Estado. Visitou a Marinha, o Exército e a Força Aérea. Reuniu com o primeiro-ministro fora do Palácio e abriu o Palácio ao povo ao terceiro dia. Tirou fotografias com todos os que lhe pediram, recebeu dezenas de presentes e ouviu várias vezes "Casa comigo". Marcelo, o presidente, é o rei da popularidade, devolvendo a notoriedade a uma instituição que estava pouco mais do que cristalizada na sua semi frivolidade.
"Imprimiu um estilo político novo ao cargo, o que é diferente de quebrar regras, e recuperou a popularidade perdida com Cavaco Silva", sintetiza o politólogo António Costa Pinto. José Adelino Maltez partilha a opinião, mas di-lo de outra forma: "É o primeiro presidente 'selfie' da História de Portugal. É o anti Cavaco em figura humana, na imagem e no temperamento, mas não na parte institucional", assegura o professor, desvalorizando o que tem sido apontando como uma tendência para a quebra do protocolo.
"Marcelo pode ter muita paciência para tirar fotografias com toda a gente e pode não ter deixado de ir à praia sozinho, mas é o mais institucional possível. Ninguém espere que quebre regras importantes", sublinha Maltez, que com ele partilhou a universidade. E insiste: "Todos os presidentes quebraram regras. Marcelo tem apenas uma forma própria de as quebrar, típica de quem lida há 30 anos com os media. Mas tem consciência de que é o primeiro catedrático de Direita eleito por sufrágio direto e universal, o que o obriga a dar o exemplo de um Estado de Direito".
Talvez Marcelo venha a distanciar-se do Governo - na terça-feira, voltou a defender António Costa, mas "o crescimento económico nacional e o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a 23 de junho, podem mudar o cenário", alerta Maltez - e talvez aprenda a dosear os comentários. Talvez até, embora improvável, possa desacelerar a agenda.
O que dificilmente mudará no Presidente, voltam a concordar os politólogos ouvidos pelo JN, é a proximidade a que escolheu estar das pessoas. Afinal, como o próprio já argumentou, alheio ao desgaste da imagem, "como é possível estar próximo estando distante?"
Constitucionalista e católico
"Marcelo estará sempre próximo. Conseguiu, de forma rápida e informal, estabelecer essa relação estreita com a sociedade civil, mas também com as instituições políticas, económicas e internacionais", destaca Costa Pinto, atribuindo a conduta à sua "personalidade". Maltez tem visão idêntica, mas com razão diferente. "Teve a virtude de perceber que o povo, que é ciclotímico esdrúxulo, e tem ondas de pulsão coletiva, exigia-lhe esse papel. E ele cumpre-o bem, porque sabe mergulhar, surfar e secar-se".
Estará Marcelo, como apontou Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (e como admitem também alguns socialistas), a tentar transformar o regime político num sistema presidencialista? Unanimidade outra vez. "Nunca", respondem os catedráticos. Maltez justifica-o com a Constituição. "Teve um papel fundamental na revisão de 1982, que é a que está em vigor, e que diminuiu os poderes do presidente. Está vinculado a essa despresidencialização, pela qual é responsável".
Pioneiro em várias áreas, Marcelo é também o primeiro presidente assumidamente católico, o que foi, mesmo se timidamente, assinalado por alguns comentadores durante a polémica do Governo com os colégios privados. Mas os politólogos rejeitam que perca autonomia por causa disso. A prova, diz Costa Pinto, é o caso das barrigas de aluguer. "Agiu de acordo com pareceres legais e não com os seus valores". Maltez subscreve: "Seria um erro alimentar o conflito entre a política e a religião. Seguramente, não o fará.
Fonte: jn
Foto: Lusa
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