sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Os homens também podem ser vítimas de violência sexual. Em dois anos a Quebrar o Silêncio recebeu 146 pedidos de apoio

“Tenho 46 anos de idade e quase os mesmos de sofrimento silencioso”. Quem o diz é José, vítima de abuso sexual durante a infância e a adolescência. A vergonha e o estigma social calaram-no durante dezenas de anos. José é um dos 146 homens que recorreram ao apoio da Quebrar o Silêncio, uma instituição para homens vítimas de violência sexual que faz dois anos esta sexta-feira.
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Público
“O que dói e o que ficou em trapilhos foi a alma. Não saber o que é infância, não poder confiar em ninguém (…) é uma condenação perpétua”, pode ler-se no longo testemunho de José, disponível no site da associação, ao lado de outros 12.
“É preciso passar a mensagem de que não há nada errado com estes homens e que não são um caso único. Muitos destes sobreviventes [termo usado na associação para designar os homens que foram vítimas de violência sexual e que vivem com as consequências do abuso] acreditam que a sua história é isolada e que são a exceção à regra”, explica Ângelo Fernandes, fundador da Quebrar o Silêncio, numa nota enviada às redações.
"Estes casos não são pontuais nem raros", insiste Ângelo, lembrando a estatística: "Sabemos que 1 em cada 6 homens é vítima de alguma forma de violência sexual antes dos 18 anos"
Ao longo dos últimos dois anos, 146 homens vítimas de violência sexual procuraram o apoio da Quebrar o Silêncio, tendo o número de pedidos de ajuda quase duplicado de um ano para o outro: 49 em 2017 e 97 em 2018.
“É um número surpreendente para muitas pessoas, porque esta não é uma realidade que seja debatida o suficiente”, considera Ângelo Fernandes, que faz questão de lembrar que “continua a existir um grande tabu e estigma sobre o facto de os homens também serem vítimas de violência sexual”.
Segundo os dados divulgados pela Quebrar o Silêncio, a associação faz uma média de 15 acompanhamentos mensais regulares.
Cláudia Caires, psicóloga clínica na Quebrar o Silêncio, é, tal como Ângelo, uma figura de referência para os homens que recorrem à associação.
Expressões como “foi quebrando com muito cuidado a armadura de pedra que eu já achava ser perpétua” ou “através das suas palavras fez-me voltar à vida” são usadas por Miguel, um homem de 50 anos, para descrever o impacto do acompanhamento que recebeu. O testemunho ilustra a experiência de muitos outros homens que ali encontram ajuda.
No ano passado, 18 homens terminaram o processo de apoio. São os primeiros a “ter alta” e “têm hoje uma vida estável”, afirma Ângelo Fernandes.
Para além de apoiar homens vítimas de violência sexual, a Quebrar o Silêncio também recebe pedidos de ajuda de familiares e amigos dos sobreviventes - em 2017 foram 13, em 2018, 34.
“Muitas vezes, [os familiares e amigos] procuram saber como podem apoiar um irmão, o marido, um amigo. É comum que estas pessoas não saibam o que dizer ou o que fazer e, enquanto organização, também damos apoio nesse sentido”, explica Ângelo.
Na experiência da Quebrar o Silêncio, a maioria dos homens que pede ajuda está à procura de apoio pela primeira vez, em muitos casos 20 ou 30 anos após os abusos.
A “média de idades é de 34 anos, sendo que o homem mais novo que procurou a Quebrar o Silêncio tinha 18 anos e o mais velho, 77 anos”, pode ler-se na nota.
Para assinalar o segundo aniversário da associação, vai ser lançada uma nova campanha de sensibilização.
O objetivo, diz o responsável, “é passar a mensagem de que os sobreviventes não estão sozinhos”.
Para isso, serão colocados mupis [expositores de cartazes na rua] na cidade de Lisboa e será divulgado um novo vídeo.
Madremedia

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