Interação de ventos solares com o campo magnético da Terra é uma das possíveis causas para o fenômeno. |
No início de abril, internautas de várias partes do Brasil e do mundo relataram, nas redes sociais, um estranho barulho que parecia vir do céu. A hashtag #barulhonoceu chegou ao primeiro lugar nos Trending Topics do Twitter e se tornou o assunto mais comentado entre brasileiros. Várias pessoas conseguiram gravar o som em vídeos, e os publicaram nas redes sociais. E ocasionalmente o fenômeno se repete desde então.
Em tempos de pandemia e quarentena por conta do coronavírus, não é de estranhar que o evento tenha causado um certo pânico. E como geralmente acontece com fenômenos desconhecidos, muitos teceram suas próprias explicações: naves alienígenas, experimentos científicos conspiratórios, o hipotético planeta Nibiru, fim do mundo... Até a "Trombeta do Apocalipse" foi mencionada. Enquanto isso, outros afirmaram que se tratava de delírio coletivo ou mesmo de um trote.
A boa notícia é que o mundo ainda não vai acabar e não há nenhuma evidência de que alguma ameaça à humanidade tenha causado o barulho no céu. A má notícia é que não se pode afirmar com 100% de certeza o que realmente acontece, mas cientistas e pesquisadores têm algumas respostas bem tranquilizadoras - e mais plausíveis que as explicações mencionadas acima.
Pressão atmosférica, gases e tempestade solar
Podemos assumir que não se trata de um delírio coletivo, nem de uma montagem feita por algum desocupado para nos pregar uma peça. São muitos relatos ao redor do país, e até mesmo em outras partes do mundo, no mesmo horário. E essa não foi a primeira vez que as pessoas ouvem um barulho vindo “do nada”.
Segundo a professora pós-graduada em física Bruna Ignaczuk, que falou ao site BHAZ, o som pode estar ligado à movimentação de gases na atmosfera. “O som ocorre quando gases entram em contato com mudança de pressão atmosférica. Como acontece quando o ar sai de uma bexiga cheia ou de uma panela de pressão”, disse. Esse escape pode ter acontecido por meio de buracos na camada de ozônio do planeta.
Ela ainda explica: “O primeiro registro desse som audível foi em 2012, na Rússia. Muitos barulhos que o planeta faz estão fora do nosso alcance de audição. Mas quando esses sons são traduzidos para nossa faixa de som, pode ser bem assustador”. Além disso, o fato de estarmos durante um período de quarentena internacional pode ter acentuado o fenômeno. É que, quando as indústrias param, uma quantidade menor de poluição na atmosfera pode influenciar ainda mais a movimentação dos gases.
Outra possibilidade que envolve a pressão é a interação da nossa atmosfera com os ventos solares, que, por sua vez, pressionam a magnetosfera da Terra, criando um efeito chamado ondas magnetossônicas. Quando as condições do clima espacial são calmas, essa “canção” magnética também é calma. No entanto, quando há uma tempestade solar, o som atinge outras frequências. Esses sons no campo magnético já foram registrados pelas naves da missão Cluster, da ESA.
Mas não é exatamente esse som que as pessoas ouviram aqui na Terra. Acontece que essa pressão na magnetosfera interage com outro fenômeno na nossa atmosfera, em que partículas de carga negativa e positiva se acumulam em camadas. Ao receberem o impacto de um vento solar pressionando a magnetosfera, as partículas dessas camadas colidem, o que pode gerar um ruído audível.
"The Hum"
Mapa de locais onde o fenômeno "The Hum" foi registrado (Imagem: World Hum Map And Database Project) |
O divulgador científico Sérgio Sacani explica no YouTube do Space Today que o fenômeno é registrado desde 1800 e recebe um nome diferente em cada parte do mundo. Ruídos no céu no geral são chamados “skyquake”, e podem ter diferentes causas já comprovadas cientificamente - por exemplo, o ruído sônico de aviões ou a entrada de grandes asteroides da atmosfera da Terra.
Entre outras causas, Scani cita até mesmo tempestades distantes. Ainda que ela não esteja acontecendo na sua região, um grande trovão pode passar por um “determinado corredor na atmosfera onde as condições ajudam e você pode ouvir aquilo a milhares de quilômetros de distância”.
Por volta de 2009 e 2012, os registros de skyquakes foram tão recorrentes que alguns pesquisadores se dedicaram a estudar o fenômeno, que passou a ser conhecido como “The Hum”. Existe até um mapa mundial do The Hum, com um banco de dados que mostra onde os eventos já foram relatados. “Estimamos que 2-4% da população global possa experimentar esse fenômeno sob certas condições”, diz o site, que é mantido pelo Dr. Glen MacPherson, pesquisador etnográfico e professor de física, matemática, psicologia, ciências gerais e biologia.
O projeto World Hum Map And Database Project documenta e mapeia os dados relatados por pessoas de todo o mundo que ouviram o ruído, e oferece um fórum para os dedicados a investigações e comentários científicos sobre o tema - sem espaço para pseudociência ou teorias da conspiração.
Mesmo que existam muitas causas naturais para o fenômeno, é difícil determinar qual delas explica o que realmente acontece para causar tais barulhos no céu. O importante, neste momento em que todos estamos mais sensíveis devido à pandemia de COVID-19, é saber que se trata de um fenômeno natural e relativamente comum, e evitar espalhar o medo e a desinformação.
*Esta matéria foi publicada originalmente no dia 6 de abril, quando o barulho no céu foi relatado por brasileiros pela primeira vez. O fenómeno voltou a acontecer na madrugada do dia 6 de maio e, por isso, a matéria foi republicada.
canaltech
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