Agora que se aproxima mais um fim-de-semana, e já estamos na segunda metade de Agosto, trazemos aqui um desafio: conhecer melhor Hieronymus Bosch (na foto), o pintor flamengo de quadros como o perturbante As Tentações de Santo Antão, habitualmente exposto no nosso Museu Nacional de Arte Antiga e que actualmente está em Madrid, no Museu do Prado, numa grande exposição que assinala os 500 anos da sua morte. Esta exposição só termina a 11 de Setembro, pelo que ainda há tempo para uma saltada à capital espanhola, se tiver essa oportunidade.
O mundo de Hieronymus Bosch. Em Madrid
Ora essa exposição é, precisamente, um dos pretextos de The Mystery of Hieronymus Bosch, uma bela introdução de Ingrid D. Rowland à obra do pintor na New York Review of Books. Com referências a vários livros e a uma outra exposição realizada na Holanda. Mesmo assim a maior atenção vai para aquela que é, porventura, a obra mais conhecida de Bosh, o tríptico O Jardim das Delícias, que considera ser “The climax of the Prado show, prepared for by the stunning Lisbon Temptations of Saint Anthony [na imagem], is his most famous painting and the Prado’s greatest treasure by his hand: the triptych known as The Garden of Earthly Delights, or simply The Garden of Delights.” Sobre a sua obra, a autora nota que “Bosch’s early admirers were surely right to regard his fantastic visions as firmly rooted in the world as it is, a world whose beauty and struggle and cruelty he grasped with rare penetration. But where did his real world end and fantasy begin? That is the enduring mystery of his art.”
Outra interessante abordagem da originalidade de Hieronymus é o texto do Wall Street Journal, Apocalypse Now: The Living Legacy of Bosch. Aí se refere, por exemplo, que “Bosch’s paintings take us into a “state of emergency, in which hellish forces both worldly and otherworldly are let loose. There’s a level of cruelty, violence and horror which is universally eye-catching,” says Joseph Koerner, a Harvard University art historian and the author of a forthcoming book on the artist. “There’s no artist who is more in tune with the dangerous nature of images than Hieronymus Bosch.”
Mas talvez tão perturbante como a obra do pintor quinhentista é o texto da Spiegel One Helluva Fella: The Horrifically Contemporary World of Hieronymus Bosch. Nele Ulrike Knöfel encontra extraordinárias similitudes entre algumas das imagens pintadas há mais de cinco séculos e fotografias da actualidade, num sinal de que as visões do inferno não só não desapareceram, como podem ter uma incrível actualidade. Já sobre o tempo e o mundo de Bosh nota-se que “A movement called "Devotio moderna" gained momentum early on in the Netherlands. Human beings were viewed as individuals, not as part of a devout mass of people, and this included their relationship with God. Experts suspect that Bosch wanted to show his audience that man was a traveler "on the path through life." According to Bosch, this traveler, and not a higher power, was responsible for his own decisions. That too is a surprisingly modern concept.” Dá que pensar.
A finalizar este bloco referência ainda a um trabalho do Expresso sobre O mistério das “Tentações de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, da autoria de Miguel Cadete e Joana Beleza. Aí se recorda, por exemplo, que “A chegada do tríptico de Bosch a Portugal continua, porém, por esclarecer. Não se conhece a data da sua chegada. Mas sabe-se que o rei D. Luís, no século XIX, já apreciava aquele quadro no Palácio da Ajuda. E que o seu filho, D. Carlos, o mantinha numa espécie de atelier, junto ao seu quarto de dormir naquele Palácio, longe dos olhares públicos.” Também se lembra a forma como José de Figueiredo, director do Museu Nacional de Arte Antiga na I República e no Estado Novo, lutou para manter o quadro em Portugal.
Há 25 anos, o golpe que liquidou a URSS
Antes de irmos, como prometido no título desta newsletter, até à Grécia (antiga), vamos fazer um desvio por Moscovo para recordar um evento de há exactamente 25 anos: a 19 de Agosto de 1991 a linha dura, ortodoxa, do Partido Comunista tentou derrubar Gorbatchov e acabar com o movimento de abertura que ele protagonizava. O golpe falhou e, na sequência desse fracasso, foi a própria União Soviética que ficaria condenada (seria dissolvida poucos meses depois, no final de Dezembro desse ano). Em Ballet en la tele y tanques en la calle: 25 años del golpe que liquidó la URSS o El Mundo recorda os acontecimentos desse dia e, também, o que se passou a seguir, pois a evolução da situação na Rússia não correspondeu às esperanças de muitos do que nesse dia se arriscaram pela liberdade: “Ese golpe dio la 'puntilla' a la vieja guardia comunista, pero también dejó a cero el capital político de Gorbachov y consagró a Boris Yeltsin como líder del pueblo. La URSS quedó dividida en 15 repúblicas independientes, y en Rusia quedó latente un impulso autoritario que cristalizó en 1993 con otro 'putsch' que sí triunfó: el presidente Yeltsin lanzó a sus tropas contra los diputados cuando se volvieron contra él. El saldo: 100 muertos, una constitución presidencialista con menos contrapesos que años después consagraría a Vladimir Putin como el líder sin recambio que es hoy en día.”
José Milhazes, que viveu em Moscovo essas horas decisivas, recorda esses momentos no Observador em O comunismo soviético não morreu há 25 anos. É um texto que nos fala sobretudo das metásteses do Sistema soviético, mesmo quando essas metásteses se apresentam com outras vestes, como sucede em Angola, “onde se realiza, por estes dias, o congresso do MPLA, que de movimento de libertação se transformou num clube de pilhadores do seu próprio país. Maioritariamente dirigido por políticos formados na URSS, os dirigentes angolanos aprenderam bem a lição de olha para o que eu digo, mas não para o que eu faço.”
Para que não se esqueça o que eram aqueles regimes – e há, infelizmente, muita tendência para esquecer – há um site que recomendo vivamente: Welcome to Socialism Realised. Nele se reúne, de forma gráfica e interactiva, com muitos exemplos concretos, o que era o socialismo real na Checoslováquia – que, recorde-se, foi invadida pelas tropas do Pacto de Varsóvia, para esmagar a Primavera de Praga, fará amanhã, dia 20, 48 anos. Eis a introdução a este site que merece – mesmo – uma visita: “This learning environment enables you to find and analyse multimedia content about the communist regimes in Europe. Using the Czechoslovak example, we describe the specifics of life in the Eastern bloc. The material here attempts to bring the experiences, thoughts, feelings and problems of people who lived during this era to life. Our aim is to reproduce the complexities and dilemmas of life under communism.”
Recordando os Jogos Olímpicos primordiais – e os anti-jogos
O Wall Street Journal publicou já há algumas semanas um artigo que tinha guardado para vos recomendar por esta altura e que recorda The Strange Rites of the Ancient Olympics. Nele se fala de “Naked runners, deadly competitions and banquets to honor the gods: The original Olympics were far different from the modern Games”, o que se explica assim: “While today’s Games stress inclusivity, their ancient counterparts were rigidly exclusive. To compete in this celebration of not just Greek (and, later, Greco-Roman) identity but of proud god-fearing masculinity, you had to speak Greek, be free from the pollution of murder—and be male. Women couldn’t even be spectators. Only the priestess of Demeter could attend. The chief reason for these restrictions is that the original Games were not really about sport at all. Rather, they were one part of a major male religious festival in honor of the great god Zeus”.
Mas havia uma resposta a esta masculinidade, mesmo que menos conhecida. Marta Leite Ferreira fala-nos dela no Observador emJogos Heranos. Quando as mulheres fizeram frente aos homens da Grécia Antiga. Não sabemos muito sobre estes jogos, mas sabemos que em algumas partes da Grécia Antiga também as mulheres cumpriam rituais atléticos: “as mulheres espartanas não eram totalmente desligadas do desporto: praticavam hipismo, natação, acrobacia e até wrestling, pode ler-se nos testemunhos escritos que nos ficaram desses tempos. Mesmo no seu papel de mães, não deixavam o bem-estar físico de parte: algumas delas promoviam a educação desportiva junto das grávidas mais jovens.”
E vamos lá falar um pouco de gatos
Termino o Macroscópio de hoje, o último desta semana, com uma sugestão de leitura totalmente diferente – uma sugestão que, como verão os que tiverem mais curiosidade, não se destina apenas a quem tem como animal de companhia um gato (ou vários gatos). Yes, You Can Train Your Cat é um ensaio de fim-de-semana do Wall Street Journal que nos fala de como, “By nature, our feline friends are solitary, antisocial hunters who bristle at being cooped up—but we can change the way we relate to one another”. Não vou aqui revelar o segredo, apenas referir que este artigo nos dá uma perspectiva geral da relação da nossa espécie com o pequeno felino, lembrando que, “For most of their history, cats weren’t pets. Cats lived in and around human villages for millennia, but there is no evidence that they lived in our homes. While they thrived on the mice that we inadvertently provided for them, cats kept their distance from us, perhaps coming no closer than today’s urban raccoons. The first evidence of humans bonding with cats comes from about 4,000 years ago, in Egypt, where archaeologists have found evidence of cats being ceremonially buried alongside their former owners. But until very recently, cats were valued primarily as pest-controllers, not pets.”
E por esta semana é tudo. Os Jogos Olímpicos acabam este fim-de-semana, Bolt ainda tem (na altura em que escrevo) mais uma medalha para conquistar, Portugal gasta sábado os últimos cartuchos na canoagem (força, rapazes!), e o calor estará de regresso. Aproveitem para descansar e, lendo, para aprender. Até para a semana.
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