terça-feira, 27 de novembro de 2018

Macroscópio – Deitem foguetes, deitem. Mas quem apanhará as canas?

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Nas próximas semanas e meses a Europa vai voltar a entrar numa montanha russa onde tudo pode correr bem, tudo pode correr mal, mas da qual na verdade ninguém sabe muito bem como sairá. Este fim-de-semana os líderes europeus reuniram-se em Bruxelas para aprovar o acordo “final” do Brexit. Uma “obra prima diplomática”, chamou-lhe Angela Merkel, depois de uma reunião rápida mas que, nas palavras de Donald Tusk, marcaram um momento “triste”. O problema, o real problema, é que muito poucos acreditam que a primeira-ministra britânica Theresa May consiga, em pouco mais de duas semanas, dar a volta a números que são francamente desfavoráveis a uma aprovação do acordo pelo Parlamento britânico, onde cerca de 90 deputados conservadores (aqui está a lista actualizada pela Spectator) deverão votar contra o acordo, tal como todos os partidos da oposição. 
 
A sobering moment for Britain foi como o The Guardian definiu, em editorial, o momento actual: “As Mrs May observed, a new chapter in our national lives is beginning. The precise content of the coming pages is necessarily vague. We know only that they are bringing Britain closer to the unhappy and unnecessary ending of a 45-year story.” O que vem a seguir ninguém sabe bem o que será, pois ninguém sabe o que se seguirá ao mais que provável chumbo do acordo quando for a votos em Westminster. 
 
Mas não, não vou prosseguir com o Brexit. Vou antes recolher sinais vindos de outros pontos da Europa. A começar por um que nos chega aqui de Espanha, onde as próximas eleições europeias podem testemunhar o aparecimento de um partido populista de direita (já que os espanhóis já estão bem servidos de populismo de esquerda, com o Podemos). É um cenário de que se ocupou esta semana Jorge Almeida Fernandes no Publico, numa análise em que perguntava se a Extrema-direita tem hipóteses em Espanha? O partido em causa é o Vox, há sondagens que o colocam a recolher até 4% dos votos, mas o seu aparecimento pode desestabilizar o espaço político à direita: “O Vox tem possibilidade de obter boas votações em Madrid, Valência, Alicante ou Múrcia, o que pode ser fatal para o PP na sua competição com o Cidadãos pelo mesmo eleitorado. “Dois partidos no mesmo espaço é suicidário para ambos”, observa o politólogo Fernando Vallespín. A primeira reacção de Casado foi endurecer o seu discurso, designadamente no terreno da imigração, para segurar os eleitores mais à direita. “O Vox tem uma alta capacidade de contaminação, sobretudo em matéria de anti-imigração e de recentralização. Pode atirar um fósforo sobre a gasolina”, adverte Andrés Ortega, colunista do El Confidencial. Nas eleições da Andaluzia, não é Susana Díaz quem preocupa o PP. É a brecha que o Vox possa abrir à sua direita.”
 
Num país com um governo central fraco – o PSOE governa sem ter ganho as eleições e acaba de perder o apoio do Podemos, o que o impede de aprovar um Orçamento de Estado para 2019 – e fragmentado pelas tensões separatistas, o aparecimento de um partido deste tipo pode ajudar ainda mais às tensões que tendem a tornar a Espanha ingovernável, por ser impossível formar maioria estáveis. Mais: seria mais um partido a juntar-se aos que, sobretudo à direita mas também à esquerda, podem enquadrar-se na galáxia daquilo a que chamamos “partidos populistas”. Nos últimos tempos o Guardian tem vindo a publicar um vasto inquérito sobre a evolução dessas forças na Europa e a sua conclusão é simples e dura: One in four Europeans vote populist. Ou, em síntese: “Populist parties have more than tripled their support in Europe in the last 20 years, securing enough votes to put their leaders into government posts in 11 countries and challenging the established political order across the continent. The steady growth in support for European populist parties, particularly on the right, is revealed in a groundbreaking analysis of their performance in national elections in 31 European countries over two decades, conducted by the Guardian in conjunction with more than 30 leading political scientists.” O gráfico abaixo é bem revelador dessa evolução: 
 
 
Vale a pena explorar este trabalho, assim como experimentar responder ao questionário How populist are you? e verificar onde é que nos situamos face aos principais líderes europeus – os populistas e os não populistas –, assim como vale a pena reflectir sobre dois textos publicados no Observador onde se alerta para algumas das possíveis raízes do crescimento do populismo: 
  • Os esquecidos, de Alexandre Homem Cristo, onde se defende que “As sementes do populismo estão plantadas nesse distanciamento entre o quem governa e os esquecidos, cada vez mais profundo e cada vez mais irreversível. É uma questão de tempo até algo rebentar.”
  • Brexit e União Europeia, de João Carlos Espada, onde se alerta para que, “ao abandonarem o tema da descentralização e da devolução de poderes para os Parlamentos nacionais, os partidos centrais abriram um mercado eleitoral para os partidos radicais: o mercado do sentimento nacional (...) Isto está a acontecer porque os partidos centrais erroneamente subscrevem o dogma de que ser europeísta significa necessariamente ser a favor de sempre maior integração supra-nacional — a chamada “Mais Europa” ou “ever-closer Union”.
 

Ao mesmo tempo que os líderes se reuniam em Bruxelas, em França prosseguiam os protestos gigantescos dos “gilets jaunes” contra o aumento do preço dos combustíveis, o que aumenta a pressão sobre Emmanuel Macron, o líder que ainda há uns meses era vista como o salvador da Europa e agora enfrenta níveis ímpares de impopularidade. A situação degradou-se ao ponto da violência, como relata o New York Times em Tear Gas and Water Cannons in Paris as Grass-Roots Protest Takes Aim at Macron. Jean-Yves Camus, um cientista político que lidera o Observatório do Radicalismo Político, ouvido pelo diário americano, considerou que “This is really a populist-type movement, and it’s an extremely strong protest against elite France,” he added. “It’s a protest against tax policy that’s considered confiscatory. And there’s been an undeniable drop in the buying power not just of the workers, but of the middle class.” The government’s response to the protest movement so far has been halting, “a sort of condescension.
 
Há longos meses que se notava o desgaste político do Presidente francês – algo que Marc Bassets analisava já há mais de um mês no El Pais, em O encanto perdido da ‘revolução Macron’ –, mas agora tem pela frente dilemas que poderão definir op seu mandato. Como escrevia o londrino The Times, Surrender to yellow vests risks Hollande comparison for Macron. Na verdade o jornal partia para a sua análise da capa da uma revista francesa – “The question hanging over the remaining three and a half years of President Macron’s term was summed up by Le Point news magazine on its cover this week. “Is he Hollande or Thatcher?” it asked” – para recordar que Macron soube resistir até agora a todos os que se opuseram às suas reformas (sindicatos, estudantes, ferroviários), mas que desta vez foi apanhado desprevenido: “They could scarcely ignore anger over high taxes and low living standards in provincial France since it was one of the factors behind the collapse of the other parties that led to his election. But none thought this anger would coalesce into a political movement capable of causing chaos day after day for more than a week.” 
 

Enquanto a França balança, na Alemanha o partido de Angela Merkel prepara-se para escolher quem lhe irá suceder, uma corrida sem favorito claro. A decisão será já no início de Dezembro, mas hoje não falaremos dela, antes de uma notícia surpreendente, sinal difícil de descortinar. Encontrámo-lo no alemão Handelsblatt, na habitual newsletter de Andreas Kluth. Tem a ver, vejam lá, com Varoufakis: “Here’s one that’s cracking up some folks in Berlin’s government bubble: Yanis Varoufakis is running for the European Parliament – from Germany! That’s the same Varoufakis who was Greek finance minister, motorcycle-riding sex symbol to radical leftists, and bête noire at meetings of the Eurogroup, where an austere German finance minister named Wolfgang Schäuble glowered at him from his wheelchair. Varoufakis apparently has a residence in Germany. Who knew? And that gives him a constituency here. Get ready for the Yanis bus.”
 
Admito que por esta altura os leitores do Macroscópio já estejam a pensar que tudo vai correr mal. Sim, isso pode acontecer. Mas também pode acontecer o contrário. É isso mesmo que escreveu Timothy Garton Ash num texto no Financial Times, onde explora vários cenários que, na sua óptica, libertariam a Europa das perspectivas mais sombrias. Em Europe’s crises conceal opportunities to forge another path o historiador de Oxford defende que “If hopes were dupes, fears may be liars. At the moment, there are thunderstorms across Europe, from Brexit to Ukraine and from Polish populism to Italian euro-defiance. Yet several of these crises contain their own hidden opportunities. Another Europe is possible.” Depois de explorar vários cenários, conclui: “I am no relative of Doctor Pangloss. I do not estimate the probability of any one of these individual turns for the better to be very high, and the probability of them all happening together is slim. Yet each of these changes is possible, and each of them will depend on the decisions and actions of individual human beings. To adapt the words of the Polish national anthem: Europe is not yet lost, so long as we still live.”
 
Na verdade, na verdade, em Bruxelas, na cimeira europeia, ninguém fez estalar foguetes. E o voluntarismo de Timothy Garton Ash também não faz dele alguém que possamos ver a apanhar canas. Por certo só temos muita incerteza e vários riscos. Queiram os leitores escolher ser mais pessimistas ou mais optimistas. E possam ter um bom descanso, como sempre lhes desejo. 

 
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