sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Ainda falta compreender tanto…

ARTIGO DE OPINIÃO, EVA PAULINO, JORNAL I
As doenças mentais em geral, e a depressão em particular,têm sido permanentemente relegadas para segundo plano
emapaulinoEsta semana o mundo perdeu uma das suas referências cinematográficas. Robin Williams foi encontrado sem vida em sua casa, depois de se ter, aparentemente, suicidado. Estes são, até agora, os factos que conhecemos. Mas o que de uma forma ou de outra todos gostaríamos de saber, e que sequiosamente procuramos, são as razões por detrás de tão trágico final. Por isso, as conjecturas aparecem, alimentadas por acontecimentos reais que depois nós próprios revestimos de diferentes significados.
Uma dessas conjecturas faz referência à “maldição de Ramsey”, nomeada por conta da teoria de que cada vez que Aaron Ramsey, jogador de futebol do Arsenal, marca um golo, morre uma celebridade. Ora, esta teoria não retrata mais do que a nossa necessidade de encontrar explicações para o inexplicável – mesmo quando a explicação é mais irracional do que o reconhecimento humilde e verdadeiro de que simplesmente não conhecemos muito do que há a conhecer do ser humano… pelo menos, não ainda.
As doenças mentais em geral, e a depressão em particular, têm sido permanentemente relegadas para segundo plano. Não só do ponto de vista clínico, mas também socialmente. Não é raro ouvir indivíduos, incluindo profissionais de saúde, desvalorizarem os sintomas da depressão como sendo algo trivial e de somenos importância. “Afinal, todos nos sentimos tristes de vez em quando…”
Mas, na realidade, desprezar estes sintomas pode não ser muito diferente de desprezar valores de pressão arterial elevada… até que algo trágico acontece. A questão é que há um sentimento generalizado de vergonha, um estigma associado à doença mental, que percorre de forma transversal a nossa sociedade. É frequente, aquando da dispensa de medicamentos indicados para este tipo de patologias, os doentes justificarem a sua toma com factos que ocorreram na sua vida, e referirem que será por pouco tempo, já que vão procurar “dar a volta por cima” o mais rapidamente possível. Ao que tenho que retorquir que o cérebro é um órgão como outro qualquer… se tomamos medicamentos para o coração e não esperamos que as pessoas tenham qualquer controlo sobre a sua necessidade, porque havia o cérebro de ser diferente? Só porque se encontra noutra parte do corpo humano?
Há muito que ainda não compreendemos acerca do nosso cérebro. Um livro que ilustra este mesmo facto intitula-se “Brain on Fire: My Month of Madness”, e foi escrito na primeira pessoa por Susannah Cahalan, uma jornalista de 24 anos que começou a evidenciar sintomas psiquiátricos e que permaneceu internada durante um mês sem qualquer memória do sucedido, até que lhe foi diagnosticada uma encefalite autoimune. O diagnóstico (e subsequente tratamento) surgiu após vários médicos terem feito diagnósticos diversos, incluindo o de que simplesmente bebia demasiado ou estava a sofrer um esgotamento. Este tipo de encefalite só foi identificada em 2007. Quantos casos terá havido anteriormente? E se fosse uma doença associada a um outro órgão qualquer, teria demorado tanto tempo a ser identificada?
Num estudo que decorreu de 2006 a 2008, Portugal apresentou o resultado de prevalência de doença mental mais elevado dos oito países da Europa que integraram o painel. Em 2013, a Direcção-Geral de Saúde publicou o documento “Saúde Mental em Números”, que visou enquadrar e delinear uma estratégia para o desenvolvimento do Programa Nacional para a Saúde Mental.
Há, de facto, necessidade de se diminuir o hiato que existe hoje entre os problemas e as soluções que temos disponíveis. Amanhã, podem ser outras. Mas, as boas notícias são que procurando ajuda precocemente, haverá grandes probabilidades de sucesso no tratamento. Cada um de nós pode e deve evitar as próprias tragédias… agindo aos primeiros sinais.
Jornal i
Por Ema Paulino
Farmacêutica
publicado em 14 Ago 2014 – 05:00
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