ARTIGO DE OPINIÃO, JORNAL I, TOMÁS VASQUES
Nestas férias não precisam de ler Marx. Regressem a Eça de Queirós.Descobrem lá quase tudo: este país é uma “choldra torpe”
Agosto, o último mês do ano no meu calendário, evoca o murmurejar das ondas a desfazerem-se em espuma no extenso areal da ilha de Tavira, a mais bela praia de todas as infâncias e adolescências, por onde passei e que me remete para tempos esquecidos, coisas insignificantes, intimidades. Rememorei agora esse tempo distante que aos poucos se desfizera no interior da memória, tal como os barcos se desfaziam no fio do horizonte quando, ainda criança, me sentava na areia a observar o movimento das ondas e a inquietar-me com o seu murmurejar.
Aconselhado pelo escritor José Marmelo e Silva, meu professor, autor de “O Adolescente Agrilhoado”, livro que me emprestou para ler, aos 11, 12 anos, li tudo o que havia para ler de Eça de Queirós, em livros requisitados na biblioteca da Gulbenkian, situada na Rua da Galeria, em Tavira. Aí comecei a aprender, com João da Ega, que o país que me calhara em destino era uma “choldra torpe”, observação que ainda hoje não destoa, passado mais de um século sobre o que escreveu o autor de “Os Maias” e meio século sobre essas minhas primeiras leituras.
Só mesmo numa choldra torpe o senhor Presidente da República, o senhor primeiro-ministro, a senhora ministra das Finanças e o senhor governador do Banco de Portugal – ou seja, todo o poder que nos pastoreia – podiam jurar, como juraram, a pés juntos, com a mão no peito e ar solene, durante quase um mês, por estas ou outras palavras, que “os portugueses podem confiar no BES, dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem na parte não financeira, mesmo na situação mais adversa” E, depois, quando se percebeu que afinal o que disseram era falso, um engodo para enganar papalvos, a fina flor de um poder à deriva, sem credibilidade nem mérito, partiu para o mar, ali para a Manta Rota ou para a praia da Coelha, ouvir o murmurejar das ondas a desfazerem-se em espuma no areal, como se nada disto lhes dissesse respeito. Sem uma palavra. Sem uma justificação nem um acto de contrição.
Só mesmo numa choldra torpe um governo aprova à socapa, na quinta- -feira 31 de Julho, um diploma que testemunha que a expropriação do BES já estava decidida, pelo menos nesse dia mas certamente antes, omitindo-o no comunicado do Conselho de Ministros, como se o governo estivesse na clandestinidade e este assunto fosse dos “deuses” e não dos portugueses.
Só mesmo numa choldra torpe a decisão do governo, com a conivência do senhor Presidente da República, é conhecida antecipadamente apenas por “gente de bem”, próxima do governo, o que provavelmente permitiu atempadamente a venda de acções do BES pela Goldman Sachs e outros “amigos”, o que levou à monumental queda em bolsa a 31 de Julho e 1 de Agosto, ou à retirada do dinheiro das contas da PT por esses dias.
Só mesmo numa choldra torpe se permite a promiscuidade de comentadores habitual de canais de televisão, ex-presidentes do principal partido do governo, um deles conhecido como a “bruxa de Carnaxide”, que anunciam a solução para o “caso BES” antes de o governador do Banco de Portugal a ter apresentado, supostamente em “primeira mão”.
Só mesmo numa choldra torpe um governo, por razões ideológicas, trata com eufemismo a inevitável nacionalização de um banco, para evitar males maiores, através de uma “engenharia” pirotécnica, em que os contribuintes entram com 90% do capital e a propriedade é entregue às “instituições financeiras a operar em Portugal”, sendo todos os riscos, como bem sabem, de quem paga impostos.
Volto ao começo: nestas férias não precisam de ler Marx. Regressem a Eça de Queirós. Descobrem lá quase tudo. E descubram também o escritor José Marmelo e Silva.
Jornal i
Por Tomás Vasques
Jurista
publicado em 11 Ago 2014 – 05:00
Por Tomás Vasques
Jurista
publicado em 11 Ago 2014 – 05:00
Um comentário a este artigo de opinião, publicado no “i”, que assino por baixo:Num país a sério, leia-se um verdadeiro Estado de Direito, já teriam ocorrido detenções. Não admira pois que o “Madoff Português” e respectiva “famiglia” andem por aí impunes. São muitas as ramificações dessa teia onde esses pulhas sempre se moveram. Por isso estão bem protegidos. E com isto não me estou a referir aos seguranças israelitas que o DDT contratou. Vejam só como é possível haver tanta impunidade como se as “trafulhices” desses “santos” (só de nome) fossem “normais”. Relembremos só algumas, para as quais o Ministério Público não parece se incomodar: O caso Portucale, que meteu o abate de sobreiros numa zona protegida, após a aprovação de empreendimentos imobiliários em contra-relógio, em vésperas das legislativas de 2005, por parte de ministros do CDS-PP; O caso dos submarinos, onde se suspeitou de financiamento partidário por parte do consórcio vencedor; O caso Mensalão, mais financiamento partidário, desta vez do PT de Lula da Silva (as notícias do caso levaram a um corte de relações entre o BES e a Impresa); O caso das contas de Pinochet, com dinheiro do ditador chileno a passar, segundo uma investigação americana, pelo banco português, via Miami; O caso das fraudes na gestão dos CTT, incluindo a mediática venda de um prédio em Coimbra, valorizado em mais de cinco milhões de euros num só dia; A interminável Operação Furacão, megaprocesso de investigação de fraude fiscal; O caso Monte Branco, onde Ricardo Salgado constava da lista de clientes da Akoya, rede suíça de fraude fiscal e branqueamento de capitais; O caso dos 8,5 (ou será 14?) milhões de euros que Salgado se “esqueceu” de declarar ao fisco, detectados na sequência das investigações à Akoya, e que teria recebido por alegados serviços de consultadoria prestados a um construtor português a actuar em Angola; O caso da venda das acções da EDP pelo BES Vida, feita dias antes da aprovação da dispersão em bolsa da EDP Renováveis, o que levantou suspeitas de abuso de informação privilegiada; O caso do BES Angola, uma investigação por branqueamento de capitais que acabou por transformar Álvaro Sobrinho, antigo presidente do BESA, num dos inimigos de Ricardo Salgado (o BES, por sua vez, veio acusar Sobrinho de utilizar os jornais da Newshold (o i e o Sol) para ataques pessoais ao presidente do banco); O caso da recente multa (1,1 milhões de euros) em Espanha, devido a infracções “muito graves” de uma norma para a prevenção de branqueamento de capitais (em 2006, a Guardia Civil já havia feito uma rusga a uma dependência espanhola do BES).
Em Portugal há um grupelho de pulhas que domina isto através de um corrupto e promíscuo triângulo de interesses entre a política, o poder económico-financeiro e as lojas maçónicas. São estes “agentes triplos” que capturaram e subjugaram esta nação fazendo-nos crer através dos “media” que controlam que isto aqui é uma democracia. Por isso não se reforma o sistema político e eleitoral. Se houvesse escrutínio nominal sobre os eleitos jamais haveria mais de metade dos deputados com interesses ligados a essa oligarquia e a fazerem lóbi no Parlamento por ela. Foram esses oligarcas os únicos a enriquecer com a crise à custa do empobrecimento de todos. Este país já está cadáver, fedendo por todos os seus poros tal o grau de podridão a que chegou.
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