sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Marcha atrás na Autoeuropa

A Autoeuropa é um "case study" de como a negociação entre administração e trabalhadores pode ser frutuosa para ambas as partes. Os sucessivos acordos têm permitido manter a paz social, com segurança no emprego e níveis elevados de competitividade. O ingrediente do sucesso está agora ameaçado pelo que parece ser uma guerra sindical e partidária pelo poder.
André  Veríssimo
03 de agosto de 2017 às 23:00
A fábrica de Palmela é a mais emblemática do país, e para a CGTP e o PCP, habituados a dominar as estruturas de trabalhadores, mais ainda na indústria, não ter o controlo da Autoeuropa deve doer no orgulho. Mais ainda quando esse domínio tem vindo a ser exercido pelo Bloco de Esquerda, um "outsider" neste território, através da Comissão de Trabalhadores (CT).


Mas eis que surgiu enfim uma oportunidade para a conquista. O adversário está vulnerável: António Chora, o histórico líder da CT, ligado ao partido de Catarina Martins, reformou-se. A estrutura da Intersindical, o SITE Sul, não foi ainda assim capaz de conquistar a maioria na nova CT. Mas esta mostrou, com o chumbo dos trabalhadores ao último acordo, não ter o ascendente, nem a força da anterior. Por isso, caiu.

O outro factor foi a chegada de um novo modelo, o T-Roc, e com ele um aumento muito substancial de produção. Para satisfazer o ritmo das encomendas, a administração diz que é necessário que os trabalhadores passem a trabalhar também ao sábado, mas mantendo os cinco dias por semana. O SITE Sul conseguiu aqui o cavalo de batalha que espera venha a ser o cavalo de Tróia para impor a sua influência.


Fernando Sequeira, o presidente da CT demissionária, diz que o SITE Sul tem "inflamado a Autoeuropa" e que está em curso um "assalto ao castelo". Sequeira é, naturalmente, parte interessada. Mas é um facto que a situação na Autoeuropa nunca esteve tão extremada.


Um dos acordos mais relevantes do quarto de século da fábrica de Palmela foi celebrado em 2003. Por causa da crise, a produção caiu drasticamente, mas em vez de despedimentos e cortes de rendimento ficou acordado um número de dias sem produção, os "down days", que quando ultrapassados são compensados com trabalho futuro. Um acordo só possível porque o grupo Volkswagen é imbuído de uma cultura de diálogo imposta pela presença de representantes dos trabalhadores no conselho de supervisão, uma obrigação da lei alemã de co-determinação, que remonta à década de 70.


Desta vez é preciso reforçar a produção. É mais emprego. São mais rendimentos. As condições da remuneração ao sábado devem ser negociadas e a administração deve ser sensível a isso. Mas tem de existir bom senso. Se o papel dos sindicatos for apenas acicatar ânimos em prol de guerras internas e partir para a greve, desbaratando o capital de paz social vivido até nos anos mais difíceis da fábrica, são os empregos e rendimentos futuros que podem estar em causa. 

A concorrência pelos modelos é feroz. E este ou o próximo SUV da marca pode sair de uma outra qualquer linha de produção.

Fonte: Jornal de Negócios

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