As diferentes escolas budistas podem ser encaradas como a expressão da variedade de meios que o Buda encontrou para chegar aos seres. Diz-se que o Buda deu 84 000 ensinamentos, outros tantos meios de ajudar os seres a encontrar o seu caminho. Meios hábeis (upaya) é uma expressão muito frequente na literatura budista e refere-se a métodos e práticas particulares usados para ajudar os praticantes a libertarem-se da ignorância. Estes diferentes métodos correspondem aos diferentes temperamentos, backgrounds e capacidades de todos nós. Como diz Joseph Goldstein, “Alguns podem achar a linguagem da vacuidade estéril como um deserto. Outros podem encontrar aí o coração da libertação. Outros ainda podem achar que o caminho da devoção os liberta do Ego, enquanto para outros a devoção pode funcionar como uma nuvem de auto-ilusão.”
Muitas pessoas sentem-se naturalmente atraídas por uma determinada forma e cultura e procuram familiarizar-se com essa tradição a partir desse gosto pessoal. Outras lêem um livro, ouvem um professor, e parece que algo se encaixa, que faz sentido. A partir daí interessam-se pela escola seguida pelo professor ou pelo autor do livro.
Cada um de nós precisa de honestidade e introspecção e eventualmente de alguma orientação para encontrar o seu “meio hábil”. No Ocidente, em que é possível o acesso a várias escolas e tradições, é aconselhável usar de discernimento nesse entrar em contacto . Como aconselha Ricardo Sasaki, temos de “aprender a aprender”:
“Acostumados a sempre receber as coisas prontas (quanto mais pronto e rápido para consumo, melhor), por vezes confiamos excessivamente no professor, na escola, ou mesmo no livro, para nos prover de imediato com aquilo que almejamos. O professor passa a ser visto como aquele que pode apontar a ‘natureza da própria mente’ do aluno, a escola (templo ou mosteiro) como o ambiente único de aprendizado correto, e os livros como aqueles que nos darão todas as respostas que precisamos conhecer. Ao mesmo tempo, negligenciamos nosso próprio papel nesse tão valoroso processo que é o aprendizado sobre nós mesmos. O que é aquilo que trazemos para essa relação educacional? Estamos atentos ao nosso dever e somos activos no processo, ou nos comportamos no caminho como apressados consumidores de comida congelada (com seus microondas serviçais prontos para nos servir) sem termos trabalho algum? É possível aprender muito observando a nós mesmos e como reagimos aos desafios que a vida nos oferece. Todas as coisas se tornam nossos professores então, e mesmo nossos professores formais se tornam melhores professores, pelo simples fato de que passamos a utilizar a inteligência e a reflexão sábia como formas de nos relacionar com tudo ao nosso redor.”
Diferentes “Escolas” do Budismo
Budismo Theravada
A escola Theravada, do pali “anciãos, antigos” e vada “palavra, doutrina”, ou seja, “a palavra ou doutrina dos antigos”, é considerada a escola budista mais antiga e ortodoxa, guiando-se pelo cânone Pali (Tipitaka), estabelecido nos primeiros três concílios depois da morte do Buda.
Esta escola começou por se estabelecer no Sri Lanka e daí expandiu-se para a Birmânia (Myanmar), Tailândia, Laos, Camboja e mesmo para o Vietname, Malaia e Indonésia, embora estes países tenham igualmente recebido a influência de outras escolas budistas.
A prática do Theravada fundamenta-se no desenvolvimento de cinco qualidades mentais essenciais: fé, a energia, a vigilância, a concentração e a sabedoria, através da meditação e do estudo.
A prática principal de meditação centra-se no sutra Satipatthana (Os Fundamentos da Atenção Plena), um método de prática de atenção plena apresentado pelo Buda como a essência do caminho por ele indicado. Cada centro ou mosteiro Theravada utiliza igualmente outros métodos de meditação. A participação em retiros e as entrevistas individuais com um professor são uma prática comum e essencial.
O estudo centra-se no conhecimento do Cânone e respectivos Comentários, assim como a leitura de textos de mestres antigos e contemporâneos.
Para além da meditação (bhavana e metta-bhavana) e da participação em palestras sobre o Dhamma (desana) a prática Theravada inclui ainda a recitação de textos sagrados (puja).
Em Portugal esta forma de Budismo está representada pelo Mosteiro Sumedhara, da tradição Tailandesa do Budismo da Floresta.
Budismo Tibetano
O Vajrayana, do sânscrito “veículo de diamante”, conhecido igualmente como budismo tântrico, tem as suas raízes históricas na Índia e a partir do século oito d.C. expandiu-se para a China, o Japão, o Tibete, o Nepal, o Butão e Mongólia.
Embora as várias escolas do Vajrayana tenham desenvolvido formas muito próprias, o percurso de um praticante passa por etapas que todas partilham: as práticas preliminares (sngon ‘gro), as práticas externas (com contemplações sobre a natureza do mundo samsárico), as práticas internas (que incluem a tomada de refúgio e a prática de guru yoga) e a prática principal (dngos gzhi), com três fases: geração, perfeição e grande perfeição (esta última é nomeada de forma diferente consoante a escola).
Uma das particularidades do Vajrayana é o uso de visualizações, recitação de mantras e mudras. Outra característica comum a todas as escolas Vajrayana, é a importância da ligação com um mestre (guru). Na prática do guru yoga, o mestre deve ser visualizado enquanto ser absolutamente perfeito. À imagem do guru, todos os seres são igualmente contemplados como essencialmente puros e imaculados. Os métodos, para serem usados com eficácia, devem ser antecedidos por uma iniciação, que autoriza o indivíduo a praticá-los. É comum que um praticante receba várias iniciações, podendo assim praticar métodos diferentes. Práticas complementares incluem ainda as oferendas, a oferenda do mandala e prosternações. Um dia num Centro ou Mosteiro Vajrayana começa com as oferendas e a prática de oração no templo e de sadhanas pessoais. Incentiva-se o estudo de textos sagrados e sobretudo a transmissão oral de ensinamentos.
No Budismo Tibetano, há quatro escolas principais: a escola Nyingma (a escola antiga), e as escolas Kagyu, Sakya e Gelug, que utilizam textos de traduções mais recentes que a primeira.
O fundador da escola Nyingma foi o mestre indiano Padmasambhava. Uma das características desta escola é a transmissão de ensinamentos através de “tesouros” (terma).
A escola de transmissão oral Kagyu tem origem nos ensinamentos do yogi indiano Tilopa. O principal ensinamento desta escola é o Mahamudra (Grande Selo, ou Grande Marca), ou a percepção directa da claridade da mente.
A escola Sakya, fundada pelo lama tibetano Khön Könchog Gyelpo, é considerada a escola mais esotérica do Budismo Tibetano.
A Escola dos Virtuosos, a escola Gelug foi fundada pelo monge tibetano Tsongkhapa Losang Dragpa e perdurou como uma escola monástica. Esta escola está na origem na linhagem do Dalai Lama.
Budismo Zen
O termo japonês Zen (em chinês Ch’an) é a forma abreviada de Zenna, derivado do chinês Ch’an-na, que por sua vez vem de Dhyana — “meditação” em sânscrito.
O Zen define-se geralmente em quatro aspectos:
— uma transmissão especial de mente a mente ou de coração a coração (os japoneses dizem ishin-denshin), fora do ensinamento ortodoxo
— a não-dependência de escrituras sagradas
— o apontar directamente ao coração-mente humano
— a realização da própria natureza, tornar-se buda
Segundo a história tradicional, esta transmissão ishin-denshin, deu-se durante um dos ensinamentos de Buda Shakyamuni, em que o Buda, com um sorriso, mostrou uma flor de lótus dourada, e não disse nada. Ninguém se pronunciou, excepto Mahakashyapa, que respondeu com outro sorriso.
Desde então, essa transmissão de “mente a mente” passou por vinte e oito gerações de patriarcas, até que o indiano Bodhidharma, para alguns, mais mítico do que real, levou essa tradição à China e fundou a escola de Dhyana. Surgiram posteriormente vários tipos de escolas Zen na China, Coreia, Japão e Vietname.
As escolas Zen mais conhecidas no Ocidente são a escola Soto e a escola Rinzai. Ambas se centram na prática da meditação sentada (zazen), embora a escola Rinzai dê também grande importância à prática dos koans. Os koans consistem na sua maior parte em frases ou histórias enigmáticas, paradoxais ou mesmo absurdas que o estudante deve “resolver” mas cuja solução não se atinge pelo raciocínio. Os koans transcendem a lógica e os conceitos e visam romper os nossos condicionamentos. Uma vez que não podem ser solucionados pela lógica discursiva, os koans clarificam o praticante sobre as limitações do pensamento. Os koans são utilizados como um tema de meditação, incessantemente colocados pelos praticantes durante as sessões de meditação e, sempre que possível, ao longo do dia.
Ainda que avesso às definições, o Zen pode ser visto como uma prática de transformação dos processos mentais pela atenção dada ao presente. Nesse sentido as escolas Zen acentuam a integração da prática no dia-a-dia, aproximando-se neste sentido da escola Theravada. No Zen, utiliza-se ainda a meditação em andamento e a recitação de sutras como práticas complementares. Os retiros (sesshin), as entrevistas pessoais com o professor (dokusan) e as palestras sobre o Dharma (teisho) e o trabalho enquanto prática meditativa (samu) têm um papel igualmente importante no Zen.
Em resumo, a prática num Centro ou Mosteiro Zen geralmente consiste de recitações de textos sagrados (em particular o Sutra do Coração e outros textos ou sutras), da prática da meditação sentada e em andamento (zazen e kinhin) e de palestras sobre o Dharma (teisho), para além de samu.
Budismo Ocidental
A expressão “Budismo Ocidental” não corresponde evidentemente a nenhuma escola budista, mas sim a formas vivas de estar e de pensar, movimentos, grupos e percursos que decorrem do encontro do Budismo com o Ocidente, pois, como já muitos afirmaram, esta é realmente uma época fascinante, em que pela primeira vez “todas as escolas existentes de budismo coexistem juntas, bem de perto, esbarrando umas nas outras, num só lugar e numa só época” (Lama Surya Das). O budismo sempre se transformou pela interacção com as culturas em que se integrou; ao mesmo tempo, essas culturas transformaram-se ao interagir com o Budismo… “O Dharma sempre retém a sua essência, ao mesmo tempo em que se reinventa, para permanecer aplicável, acessível e relevante.” (Lama Surya Das, O Despertar do Buda Interior)
Para os ocidentais, trata-se de uma posição muito pragmática, de responder a uma pergunta muito simples: “O que funciona?” – O que funciona para libertar a mente do sofrimento? O que funciona para desenvolver um coração compassivo? O que funciona para despertar?
Incluimos nesta designação correntes como as de Um Dhtarma, de Joseph Goldstein, que visam experienciar o ponto essencial comum a todos os ensinamentos, o budismo agnóstico de Martine e Stephen Batchelor, que considera o budismo uma cultura de despertar em permanente evolução e não um sistema religioso baseado em dogmas e crenças, o Zen ocidental de Éric Rommeluère, que mais uma vez procura a essência do zen e não a cultura de onde foi importado, ou ainda as pontes construídas pelo diálogo interreligioso, por exemplo, de cristãos que são ao mesmo tempo professores Zen. Incluimos ainda todos aqueles que se questionam, que procuram integrar os aspectos essenciais da prática budista, como a investigação, a compaixão e a sabedoria na vida do dia-a-dia, mas sem filiação religiosa.
Fonte: Centro Budista do Porto
Nenhum comentário:
Postar um comentário