Maria de Lurdes Rodrigues 16 DE AGOSTO DE 2017 |
1 Na visão de Passos Coelho, ex-primeiro-ministro e líder da oposição, este país não é para qualquer um que aqui queira trabalhar (talvez apenas para quem compra um visto gold). Juntou-se, assim, ao coro da direita contra alterações pontuais e ainda aquém do desejável à lei que regula a entrada, permanência e saída de estrangeiros, agitando o espantalho de uma invasão por imigrantes.
2 Portugal é, na União Europeia, um dos países com mais baixa taxa de natalidade, enfrentando há décadas dificuldades com a substituição das gerações. É também um dos países com mais elevada taxa de emigração, tendo-se registado, sobretudo no auge da austeridade, a saída massiva de mais de cem mil trabalhadores qualificados e não qualificados por ano. Simultaneamente, apresenta uma das mais baixas taxas de imigração da Europa, estabilizada em torno dos 4% desde o início do século.
Da convergência destas três tendências fortes resulta um saldo demográfico negativo que condiciona o desenvolvimento económico do país e, no curto/médio prazo, a sustentabilidade da segurança social. Ou seja, Portugal tem um problema de défice demográfico, não um problema de pressão imigratória. O problema do país é de criação de oportunidades que o tornem atrativo à imigração, de todos os tipos, bem como de melhoria das condições de integração daqueles que aqui pretendam trabalhar e fixar-se. Portugal não precisa de conter uma imigração que rareia, precisa de a multiplicar de forma regulada.
3 Passos Coelho, tendo sido primeiro-ministro deste país, conhece bem estes e outros factos. Sabe que não existem hordas de estrangeiros a quererem entrar em Portugal. Sabe que milhares de portugueses procuram todos os anos oportunidades de trabalho e de vida no estrangeiro. Sabe que o controlo da fronteira é hoje muito mais desafiado pela entrada no país de dezenas de milhões de turistas do que por uns poucos milhares de imigrantes. Sabe que a segurança é muito mais posta em causa pela irregularidade na imigração do que por um pequeno crescimento desta. Sabendo tudo isso, porque razão traz para o debate público o tema da imigração como ameaça?
4 A imigração é um daqueles temas que podem ser encarados como oportunidade ou como ameaça. Passos Coelho, ex-primeiro-ministro e líder da oposição, decidiu tratá-la como ameaça, cavalgando, também ele, a vaga do discurso nacionalista e xenófobo que constitui, hoje, um dos riscos mais graves que as democracias defrontam. Só isso justifica que se invente um problema que não existe e se estilhace a oportunidade de contribuir para atenuar os custos da transição demográfica em curso no país com recurso à promoção de uma emigração que nos faz falta. Em lugar de contribuir para a resolução de um problema que existe associa-se aos que acham que podem fazer o jogo da xenofobia sem o risco de dinâmicas extremistas descontroladas. Passos Coelho brinca com o fogo, criando problemas que o país dispensa mas aos quais não está imune, como muitos pensam.
5 Há uns anos, o governo de Passos desafiou os portugueses a procurarem oportunidades no estrangeiro porque, alegadamente, este país não era para eles. Hoje, afirma que o país não é também para estrangeiros que aqui procuram oportunidades de trabalho. Portugal é um país para quem, afinal?
Ideias feitas
Só com uma imaginação à prova de factos se pode dizer que em Portugal a imigração é uma ameaça. Em 2013, apenas três países da União Europeia e EFTA tinham um saldo migratório mais negativo
do que Portugal: Roménia, Letónia e Lituânia. As economias mais dinâmicas do continente europeu tinham todas, pelo contrário, saldos migratórios claramente positivos. Os países que, como Portugal, têm uma dinâmica migratória mais negativa têm também todos uma história não muito longínqua de isolamento ao mundo, de recusa de um cosmopolitismo feito de muitas saídas e entradas de migrantes que foi um dos fatores de progresso nos dois lados do Atlântico Norte. É a essa história que queremos regressar?
Fonte: DN
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