quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Opinião | Responder ao perigo

Adriano Moreira 16 DE AGOSTO DE 2017
Enquanto as instituições internacionais organizadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com expressão cimeira na ONU, multiplicaram as intervenções, os acordos e desacordos, debilitando a luta pelo interesse global com os embaraços das desigualdades expressamente assumidas nos textos legais, a realidade foi demonstrando um mundo diferente do anunciado. Infelizmente a expressão mais usada para caracterizar a situação real do mundo politicamente globalizado é que, sem projeto, chegamos a um mundo perigoso, do qual os juristas estão talvez na primeira fila dos advertidos.

Isto porque, tendo apenas em conta avaliações, relativamente seguras, foram publicadas na última década umas largas centenas de livros em inglês, francês, alemão e também português sobre direito e relações internacionais cuja evolução desafia as análises mais prudentes. Mas parece sempre mais afetada das inquietações a que esta assumida responsabilidade académica e analista procura responder com sistematizações, propostas e prognósticos, o aprofundamento do interesse público pela estratégia, uma palavra tão usada por variadas espécies de atividades que é conveniente salientar que se trata especialmente da questão da segurança e defesa. É inovador que um chefe de Estado inclua nas suas relações internacionais, nas quais tem uma intervenção funcionalmente excecional, a de interventor no mercado dos armamentos, uma interpretação peculiar do soft power. Mas o facto acentua a necessidade de aprofundar a "estratégia do saber" a que as instituições militares, sofrendo frequentes faltas de recursos para acompanhar as aquisições dos progressos da técnica, a conseguir, pelo estudo, aumentar a rentabilidade do que estiver disponível.

Uma primeira evidência desta relação entre a "estratégia do saber" e as "capacidades financeiras" é a de tornar aguda a necessidade de racionalizar as alianças que redefinem as capacidades, como está a ser evidenciado pelo brexit do Reino Unido, e pela doutrina da relação perigo-custos inovada na cúpula da NATO, custos que em todo o caso, devendo ser assumidos, devem ser também relacionados como parcela dos custos do que já foi chamado "império americano", visível pela dispersão de bases em várias latitudes.

Mas se isto são, de algum modo, questões domésticas ocidentais para avaliar as exigências estratégicas do globalismo em movimento, a articulação entre segurança externa e segurança interna é cada vez mais necessária, começando a autonomizar-se o capítulo do Nacional Security State, o que tem relação igualmente exigente com os serviços de informação, articulados segundo as afinidades e solidariedades dos Estados envolvidos. Sobretudo quando a esperança de tornar efetiva uma política militar de "mortos zero" aproveitando os avanços da técnica, que diminuíram as exigências de pisar o terreno, tem o grave experimento reverso com a possibilidade de o fraco vencer o forte, ou de organizar um terrorismo de várias espécies que atinge severamente a relação de confiança entre governos e sociedade civil, no domínio da responsability to protect. De quando em vez, sobretudo nas áreas financeiras, e com frequente intervenção do poder judicial, ultrapassado muitas vezes pela falta de meios, torna-se evidente a importância das organizações privadas com influência não esperada, ou não conhecida, nos equilíbrios estratégicos. Assim como o frequente recurso à memória de um passado de poderio perdido, que, como parece evidente na Rússia de hoje, ao proclamar que a sua fronteira de interesses é mais vasta do que a fronteira legal, e também em hesitações que até hoje impediram a definição de um conceito estratégico europeu.

O turbilhão muçulmano, a situação descontrolada das migrações, tudo evidencia que enfrentamos um globalismo de estrutura mal sabida, em movimentos que nenhum mapa pode confiadamente traçar, o que é o sinal mais inquietante do perigo para a paz, mesmo para quem dirige o poder político sem acreditar nas ameaças da natureza.

Quando Obama terminou um dos discursos dizendo, contra a tradição, "somos todos americanos", e ao mesmo tempo quis dar relevo ao soft power, parece que estava consciente não apenas das divisões internas, mas também de mudança estratégica exigente por um globo em mudança sem projeto. O que exige considerar que as sociedades, mesmo acidentalmente democráticas, além de indivíduos são compostas por instituições que são os apoios do interesse permanente de conteúdo variável que tantas vezes orienta os Estados Unidos. As forças de segurança, sem diferença de especialidades, têm essa natureza, são instituições, um facto de relevância crescente para Estados por natureza atingíveis por efeitos de decisões em que não necessariamente participaram. A globalização não conseguiu criar uma governança que lhe responda, mas é possível ir somando as exigências inadiáveis.

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