segunda-feira, 10 de julho de 2017

A vila Facebook (e a demissão do ministro das startups)

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4.0 Tecnologia, inovação e empreendedorismo
 
 
  João Pedro Pereira  
Há situações em que viver do trabalho pode ganhar toda uma outra dimensão.
Abundam os exemplos de localidades que são em boa parte construídas por empresas para os seus trabalhadores. Estas empresas não só alimentam a economia local, como, em vários aspectos (a construção de casas, hospitais e equipamentos sociais), substituem ou complementam o Estado. Há uns anos, por exemplo, contámos aqui no PÚBLICO a história da metalúrgica Alba e da vila de Albergaria-a-Velha, num artigo com o título "Esta empresa foi um estado-providência". Nos EUA, as company towns foram muito abundantes. Porém, dá que pensar quando a empresa que constrói uma nova localidade é uma multinacional com ambição de ser uma plataforma global de interacção social e até de decisão política.
O Facebook anunciou na semana passada planos para criar aquilo que pode ser descrito como o cruzamento entre o campus de uma empresa e uma pequena vila: escritórios, lojas, cafés, mercearias, uma farmácia e muitos espaços ajardinados. A ideia é construir também 1500 apartamentos, que serão postos à venda a um preço abaixo do de mercado (os salários elevados dos funcionários das multinacionais de tecnologia levam a que o preço da habitação tenda a disparar nas proximidades destas empresas). As imagens, criadas em computador, mostram o ambiente de felicidade asséptica que seria de esperar: jardins e ruas imaculados, crianças a correr, muita diversidade étnica. Tudo temperado por uma dose q.b. de politicamente correcto.
Na semana passada, já tínhamos apontado para um bom artigo do Financial Timessobre as novas instalações da Apple e a importância de espaços de trabalho que não infantilizem os trabalhadores, nem pretendam substituir os espaços onde estes vivem. Em tempos, a imprensa glorificava o Google por disponibilizar aos funcionários uma cantina gratuita e escorregas. Esse tipo de escritórios banalizou-se e, com isso, diminuiu o entusiasmo que os media lhes devotavam. 
A vila Facebook, por muito confortável que pareça ser para os seus futuros habitantes, agudiza aquele problema. E, quase inevitavelmente, levará a um fechamento dos habitantes e funcionários numa comunidade pequena e necessariamente homogénea quando comparada com a de uma cidade a sério, por muito que a diversidade feita em Photoshop queira dar a ideia contrária. É uma enorme ironia para uma empresa que pretende ligar o mundo.
Saída de peso O secretário de Estado da Indústria – que quase podia ter o título de ministro das startups – foi um dos três secretários de Estado que se demitiram na sequência de terem aceitado convites da Galp para irem ver a selecção portuguesa jogar no Euro 2016, o que poderá infringir a lei. João Vasconcelos era bem conhecidono meio das startups portuguesas: foi director da incubadora Startup Lisboa quando António Costa era presidente da autarquia, surgiu no Governo como o rosto dos programas de incentivo ao empreendedorismo e à digitalização da indústria, e era o governante que marcava presença nos anúncios feitos pela Web Summit, a grande conferência de tecnologia que o anterior Governo aliciou para Lisboa. Eram pastas tão mediáticas que Vasconcelos não poucas vezes ofuscou o próprio ministro da Economia.
Nota: esta newsletter fará uma pausa de Verão a e regressa em Agosto. Até lá.

Digno de nota

- O PÚBLICO voltou a ganhar financiamento do fundo Google DNI para um projecto de inovação em jornalismo. Desta feita, será uma aplicação com informação local, que combinará artigos feitos por repórteres com notícias geradas por computador. É a terceira vez em três rondas de candidaturas que o jornal consegue financiamento.
- As empresas de tecnologia continuam a tentar aumentar o interesse dos consumidores pela realidade virtual. O Facebook decidiu fazer um desconto nos seus Oculus Rift, destinado aos apreciadores de videojogos. Por seu lado, o Google criou uma ferramenta para qualquer pessoa criar objectos tridimensionais enquanto está num ambiente de realidade virtual. Antes, já tinha incorporado uma funcionalidade no browser Chrome que permite aos utilizadores (pelo menos, os que tenham um telemóvel compatível) aceder a conteúdos de realidade virtual como se fosse uma página Web, sem a necessidade de uma aplicação específica.
- Uma entrevista do Sérgio Aníbal à economista Mariana Mazzucato, especialista em políticas de inovação. Mazzucato defende que o Estado tem um papel crucial no investimento em inovação tecnológica e que, neste momento, está demasiado ausente:  “O sector público não está a liderar e, portanto, aquilo com que ficamos é com muita inovação dispersa, que não é verdadeiramente transformacional.”

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