Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião
O SIRESP existe porque, em caso de emergência, a comunicação entre os serviços de socorro, de segurança e proteção civil não pode falhar. A ideia vem do Governo de Guterres, mas só foi posta em prática em 2005, nos últimos dias de mandato do Governo de gestão de PSD/CDS. O ministro Daniel Sanches, que tinha sido administrador na Sociedade Lusa de Negócios (SLN), constituiu então uma parceria público-privada, entregue a um consórcio de empresas por 540 milhões de euros: Portugal Telecom, Motorola, Esegur, Grupo Espírito Santo e a SLN.
Com a mudança de Governo, e depois de uma decisão da Procuradoria-Geral da República, que afirmava que um Governo de gestão não poderia ter tomado tal decisão, o negócio foi anulado. Meses depois, por decisão de António Costa, o SIRESP era entregue ao mesmo consórcio, por menos 52 milhões de euros. Em dezembro de 2006 era o Tribunal de Contas que alertava para a violação de normas da contratação pública na adjudicação do contrato.
Não bastasse a falta de transparência, o SIRESP saiu caro ao país. Muito mais caro que os 150 milhões inicialmente previstos pelo grupo de trabalho criado no Governo de Guterres e muitíssimo mais que os 80 milhões investidos pelo consórcio privado, números de Oliveira e Costa na Comissão de Inquérito ao BPN.
Mas o mais grave é que o caro e pouco claro SIRESP não cumpre com as funções para que foi criado. Não é nada que não soubéssemos já, através de relatos das próprias forças de segurança, mas, segundo o "Jornal de Notícias", o SIRESP falhou quase todos os anos entre 2010 e 2017.
Durante os últimos 7 anos e apesar do conhecimento das deficiências do SIRESP, nunca o Estado impôs penalidades à empresa operadora ou tomou qualquer iniciativa para denunciar o contrato. Miguel Macedo, Ministro da Administração Interna de PSD/CDS, diz que optou pela renegociação, com poupanças para o Estado. Acontece que, com essa renegociação, não só o Estado não eliminou o custo excessivo do SIRESP, como não pediu responsabilidades ao consórcio privado pelas falhas e ainda menos garantiu o futuro deste sistema de comunicações.
Em julho, o Bloco de Esquerda propôs na Assembleia da República a denúncia do contrato do SIRESP e o seu resgate para a esfera pública. O projeto foi rejeitado com os votos contra de PS e PSD. Aquilo que o PSD considerou uma "obsessão ideológica" do Bloco era, na verdade, uma proposta de bom senso. Se um privado a quem é entregue um serviço não cumpre os termos do seu contrato, então o mesmo deve ser denunciado. Se o serviço em causa é crucial para garantir a segurança e proteção das populações, então o Estado deve resgatá-lo em nome do interesse público.
Depois de tudo o que conhecemos, permitir que o mesmo consórcio privado continue a gerir o SIRESP é uma prova de fraqueza do Estado que mostra, mais uma vez, não ser intransigente no momento de pôr em causa os intocáveis interesses dos grupos privados. O preço é sempre caro demais.
* Deputada do BE
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